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3 de Maio de 2024
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    Administração pública é responsável por débitos de serviço licitado

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 14 anos

    Em relação aos entes públicos, o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que os serviços prestados por terceiros devem ser contratados mediante processo de licitação. O artigo 71 da Lei 8.666/93 fixou que, nestes casos, a responsabilidade do empregador pelos débitos trabalhistas não seria transferida para a Administração Pública.

    Nos últimos anos, em decorrência de significativas alterações que vem ocorrendo na atuação dos entes estatais, esse tipo de contratação tem se intensificado, notadamente em relação às atividades meio da Administração. A questão trazida para o Judiciário trabalhista surge quando o empregador deixa de pagar o empregado e de recolher as contribuições fundiárias e previdenciárias .

    Neste caso, o disposto no artigo 71 supra referido poderia ser considerado salvo-conduto para afastar qualquer responsabilidade do ente público?

    Provocado por um número significativo de processos em que esta situação jurídica é questionada, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331 que fixou dois parâmetros distintos :

    A- Face às exigências previstas no inciso II do artigo 37 da CF/88, quanto à necessidade de prévia aprovação em concurso público, estabeleceu que a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional, preservando a não transferência prevista no artigo 71 da Lei 8.666/93.

    B- Atento à necessidade de conferir efetividade à legislação trabalhista, fixou o entendimento de que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, o que exige a observância do benefício de ordem, mantendo assim essa mesma diretriz legal.

    Entretanto, tal orientação jurisprudencial vem sendo objeto de reiterados questionamentos junto ao STF, tendo o ministro Março Aurélio Mello manifestado divergência por ocasião do julgamento da ADC 16/ DF e deferido liminar na Reclamação 9.016, ajuizada pelo estado de Rondônia, por entender que a decisão judicial que adota a Súmula trabalhista teria exarado manifestação implícita de inconstitucionalidade do artigo 71 da Lei 8.666/93, sem observar a cláusula de reserva de plenário prevista no artigo 97 da CF/88, assim desrespeitando a Súmula Vinculante 10.

    O sentido da supremacia do interesse público sobre o particular.

    Uma das argumentações contra a diretriz adotada pela Súmula 331 consiste na alegação de que o interesse particular de um trabalhador, ou de um grupo de trabalhadores, não poderia prevalecer sobre o interesse público, de modo que a atribuição de responsabilidade subsidiária ao ente público, quando houve a contratação dos serviços mediante licitação, violaria o princípio da legalidade.

    Será?

    Maria Sylvia Zanella di Pietro[1] explica que os dois princípios fundamentais e que decorrem da assinalada bipolaridade do Direito Administrativo liberdade do indivíduo e autoridade da Administração são os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular (...) essenciais, porque, a partir deles, constroem-se todos os demais.

    Entretanto, é interessante observar como a doutrinadora descola a ideia de interesse particular do conceito de direitos fundamentais. Com efeito, ao discorrer sobre as tendências atuais do Direito administrativo brasileiro, ressalta que entre as inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 está o alargamento do princípio da legalidade (para abranger não só a lei, mas também princípios e valores), de modo que o Estado Democrático de Direito passa a vincular a lei aos ideais de justiça, submetendo o Estado não apenas à lei em sentido puramente formal, mas ao Direito, abrangendo todos os valores inseridos expressa ou implicitamente na Constituição, notadamente os que foram albergados nos artigos a , entre os quais se destacam a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e da livre iniciativa, a moralidade, publicidade e impessoalidade.

    Destarte, a discricionariedade administrativa será por estes limitada o que significa a ampliação do controle judicial, que deverá abranger a validade dos atos administrativos não só diante da lei, mas também perante o Direito. Portanto, o princípio da legalidade, referido no inciso II do artigo da CF/88, deve ser entendido como um conjunto de leis, valores e princípios agasalhados também nos direitos fundamentais, que estabelecem limites à atuação administrativa, exigindo submissão ao Estado de Direito.

    Ao discorrer sobre os direitos fundamentais na Carta de 1988, Gilmar Ferreira Mendes[2] enfatiza que a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhe significado especial (...) ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância. Explica que os direitos fundamentais ultrapassam a órbita subjetiva, alçando uma dimensão maior na perspectiva da ordem constitucional objetiva, assim formando a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. Trazendo à colação doutrina desenvolvida por Jellinek,quanto a Teoria dos quatro status , ressalta que os direitos fundamentais cumprem diferentes funções na ordem jurídica. Não se restringem mais à concepção tradicional de direitos de defesa , consagrando também direitos que tanto podem referir-se a prestações fáticas de índole positiva ( faktische positive Handlungen ) quanto a prestações normativas de índole positiva ( normative Handlungen) por parte dos entes públicos.

    Explica que na condição de direito de defesa impõem ao Estado o dever de agir contra terceiros, resguardando o indivíduo também contra abusos de entidades particulares, de forma que se cuida de garantir a livre manifestação da personalidade, assegurando uma esfera de autodeterminação do indivíduo. Ademais, reconduzidos ao status positivus de Jellinek, implicam uma postura ativa do Estado , no sentido de que esse se encontra obrigado a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material.

    Com base na doutrina e jurisprudência da Corte Constitucional Alemã, explica Gilmar Mendes que o dever de proteção abrange também deveres de segurança que impõem ao Estado a obrigação de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante adoção de medidas diversas e o dever do Estado atuar com objetivo de evitar riscos para o cidadão, de modo que a inobservância do dever de proteção configura lesão a direito que a Carta Constitucional reputou fundamental.

    Portanto, a definição do âmbito de abrangência do direito de proteção exige um renovado e constante esforço hermenêutico, concluindo que, face a sua importância como viga de sustentação da Carta Política de 1988, os direitos fundamentais somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própriaConstituiçãoo. [3]

    Neste contexto, as lúcidas observações de Luigi Ferrajoli[4] ao rejeitar também a análise da questão sob o estereótipo da maioria/minoria, ressaltando que os direitos fundamentais correspondem às faculdades ou expectativas de todos os que definem as conotações substanciais da democracia e que são constitucionalmente subtraídos ao arbítrio da maioria como limites ou vínculos indissociáveis das decisões governamentais, porque o reconhecimento jurídico desses direitos é intrínseco à condição de cidadão/sujeito, assim entendida como a superação da situação de súdito/objeto de dominação.

    Na mesma senda trilhou Luís Roberto Barroso[5] ao enfatizar que o o público não se confunde com o estatal pois atuam em planos diversos, chamando atenção para a importância de reavivar uma distinção fundamental e pouco explorada, que divide o conceito de interesse público entre primário e secundário. Explica que o interesse público primário é a razão de ser do Estado e está sintetizado nos fins que lhe cabe promover: justiça, segurança e bem-estar social, enquanto o interesse público secundário corresponderia ao interesse estatal da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica quer se trate de União, quer se trate de Estado-membro, do Município ou das suas autarquias.

    Sem afastar a importância do interesse estatal secundário, pondera que em nenhuma hipótese será legítimo sacrificar o interesse público primário com o objetivo de satisfazer o secundário. Ressalta, ademais, que num Estado democrático de direito, assinalado pela centralidade e supremacia da Constituição, a realização do interesse público primário muitas vezes se consuma apenas pela satisfação de determinados interesses privados. Se tais interesses foram protegidos por uma cláusula de direito fundamental não remanesce nenhuma dúvida, pois configurados na constituição como formas de realizar o interesse público, mesmo quando o beneficiário for uma única pessoa privada. Não é por outra razão que os direitos fundamentais, pelo menos na extensão de seu núcleo essencial, são indisponíveis. Assim, o interesse público secundário- i.e. o da pessoa jurídica de direito público, o do erário- jamais desfrutará de supremacia, condição ostentada pelo interesse público primário, por consubstanciar os valores fundamentais que devem ser preservados, notadamente o princípio da dignidade a pessoa humana, conceito de corte antiutilitarista, pretende evitar que o ser humano seja reduzido á condição de meio para a realização de metas coletivas (grifos acrescentados).

    Ao analisar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais sob uma dimensão objetiva, Virgílio Afonso da Silva[6] destaca que deve ser definido com base no significado deste direito para a vida social como um todo. Isso significa dizer que proteger o conteúdo essencial de um direito fundamental implica proibir restrições à eficácia deste direito que o tornem sem significado para todos os indivíduos ou boa parte deles.

    Nesta perspectiva, exigir que a Administração Pública fiscalize o cumprimento da legislação trabalhista pelo empregador contratado, não atende apenas ao direito de um indivíduo ou de um grupo de trabalhadores, mas visa proteger o conteúdo essencial de um direito fundamental e seu significado como valor fundante da república brasileira, nos termos estabelecidos pelo inciso IV do artigo da CF/88.

    As ponderações de Daniel Sarmento [7] também caminham nesta direção ao destacar que uma das consequências mais importantes da dimensão objetiva dos direitos fundamentais é o reconhecimento de sua eficácia irradiante. Esta significa que os valores que dão lastro aos direitos fundamentais penetram por todo o ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas legais e atuando como impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o Judiciário. Através dela, os direitos fundamentais deixam de ser concebidos como meros limites para o ordenamento e se convertem no norte do direito positivo, no seu verdadeiro eixo gravitacional o que implica numa filtragem constitucional, na reinterpretação dos institutos legais sob uma ótica constitucional. Conclui que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais prende-se ao reconhecimento de que neles estão contidos os valores mais importantes de uma comunidade política que penetram por todo o ordenamento jurídico, modelando suas normas e institutos e impondo ao Estado deveres de proteção. Assim, já não basta que o Estado se abstenha de violar os direitos humanos. É preciso que ele aja concretamente para protegê-los de agressões e ameaças de terceiros, inclusive daquelas provenientes dos atores privados.

    Tais reflexões trazem subsídios importantes para a análise da controvérsia.

    Se o ente público efetua contratação para a realização de um serviço, só porque tal se deu através de um processo licitatório estaria desobrigado de fiscalizar e exigir que este empregador cumpra suas obrigações trabalhistas, fundiárias e previdenciárias?

    Se o Estado de Direito mantém a estrutura de uma Justiça Especializada Trabalhista como garantidora, por que iria permitir que um ente público se mantivesse inerte, precisamente quando a lesão é praticada contra aquele trabalhador que atua em seu benefício?

    O março normativo exige que o ente público acompanhe e fiscalize se o empregador contratado está cumprindo as obrigações patronais trabalhistas, fundiárias e previdenciárias, a fim de preservar o conteúdo essencial dos direitos trabalhistas instituídos como fundamentais pela Carta Política de 1988.

    Com efeito, num Estado Democrático de Direito, como sustentar que a Administração Pública aufira proveito dos serviços de um trabalhador, mas lave as mãos em relação aos seus direitos trabalhistas, que detém natureza alimentar, efetuando o pagamento ao empregador sem fiscalizar se houve o efetivo cumprimento da norma fundamental prevista no artigo da CF/88, e fique tudo por isso mesmo?

    Acaso o artigo 71 da Lei 8.666/93 desobriga a Administração Pública de respeitar os direitos fundamentais daquele que presta serviços em seu benefício?

    O artigo 71 da Lei 8.666/93

    Vejamos o que diz o texto legal.

    Estabelece o caput do artigo 71 da Lei 8.666/93 que:

    O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

    E o parágrafo 1º:

    A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.

    Acertadamente dispôs o preceito legal, pois cabe mesmo ao contratado a responsabilidade pelos encargos trabalhistas em decorrência de sua situação de empregador, condição que não se transfere ao ente público , porque nestes casos a Administração Pública está constitucionalmente impedida pelo inciso II do artigo 37 da CF/88 de atuar como empregadora, conforme observado pela Súmula 331 do C. TST ao dispor no inciso II:

    A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37 inciso II da CF/88).

    Agora, situação jurídica diversa é a referida pelo inciso IV da mesma Súmula, ao tratar da responsabilidade da Administração Pública pela omissão e negligência, quando deixa de exigir e fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista pelo empregador contratado, fixando que:

    O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8.666/93).

    Este é o texto que tem sido objeto de vários questionamentos perante o STF, como passaremos a examinar.

    Inconstitucionalidade - A Súmula Vinculante 10

    O ministro Março Aurélio Mello abriu divergência por ocasião do julgamento da ADC 16/ DF . Ao apreciar a Reclamação 9.016 deferiu liminar, asseverando que a decisão proferida com esteio nesta diretriz jurisprudencial teria incorrido em declaração implícita de inconstitucionalidade do artigo 71 da Lei 8.666/93, sem observância da cláusula de reserva de plenário, com flagrante violação da Súmula Vinculante 10, que estabeleceu:

    Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público , afasta sua incidência, no todo ou em parte .

    Assim, é preciso analisar primeiramente a seguinte questão:

    A diretriz jurisprudencial estabelecida no inciso IV da Súmula 331 do TST afastou a incidência do disposto no artigo 71 da Lei 8.666/93?

    Penso que não.

    Em nenhum momento a constitucionalidade do referido dispositivo legal foi questionada, nem mesmo de forma implícita. Pelo contrário, explicitamente se partiu do pressuposto de sua constitucionalidade, como demonstra o verbete sumular que faz menção expressa ao texto legal em seu inciso IV.

    Ademais, a diretriz jurisprudencial trabalhista não estabeleceu a transferência dos encargos patronais do empregador para a Administração. Pelo contrário, não houve transferência de responsabilidade, pois o empregador permanece como o principal responsável pelo adimplemento da obrigação , de modo que aplicação do disposto no artigo 71 da Lei 8.666/93 foi observada também pelo inciso IV deste verbete.

    Por outro lado, não se pode desconsiderar que a Lei 8.666/93 teve o objetivo de instituir normas pa...

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