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17 de Maio de 2024
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    Afinal, uma aula e muita consideração com a verba advocatícia sucumbencial

    Publicado por Espaço Vital
    há 9 anos

    Por Marco Antonio Birnfeld,

    Editor do Espaço Vital

    A quizila entre advocacia e magistratura continua. De um lado, advogados postulando verbas sucumbenciais dignas. De outro, alguns juízes e desembargadores arbitrando cifras irrisórias – o que, aliás, é revelado em outras (e novas) decisões que estão sendo publicadas nesta mesma edição do Espaço Vital.

    Ao receber, na 23 ª Câmara Cível do TJRS um recurso de apelação (proc. nº 70063462279) contra sentença proferida pela juíza Maria Lucia Camerim, da 2ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, a desembargadora Ana Paula Dalbosco dedicou-se a um minucioso estudo sobre o tema (impossibilidade de compensação recíproca das verbas honorárias).

    A análise transformou-se na parte nuclear de decisão que não permite – como quis a sentença - que o poderoso Banco Bradesco economizasse incríveis R$ 350, em função da decadência parcial do autor.

    O interessante estudo - que o Espaço Vital editou sob a forma de artigo, a fim de facilitar a compreensão por advogados, estudantes, magistrados, promotores e demais operadores jurídicos, é parte integrante de julgado monocrático assinado na terça-feira (11, Dia do Advogado) pela desembargadora Ana Paula.

    O Bradesco ainda pode interpor recurso de agravo interno para julgamento colegiado (três desembargadores).

    Lembrem-se os profissionais da advocacia, ao festejar a decisão, que a prolatora ocupa no TJRS vaga destinada ao quinto constitucional pela advocacia.

    * * * *

    Compensação da verba honorária

    Artigo de Ana Paula Dalbosco, desembargadora da 23ª Câmara Cível do TJRS

    1. Honorários advocatícios e princípio da sucumbência: escorço histórico.

    A prestação de serviços advocatícios gera o direito à percepção dos respectivos honorários. Estes se dividem em contratuais e sucumbenciais. Os primeiros, à sua vez, podem se subdividir em honorários “pro labore” (uma quantia fixa pelo trabalho realizado ou a ser prestado pelo advogado) e honorários ad exitum (de regra estabelecidos em um percentual sobre o montante de vantagens que o cliente venha a receber). E os honorários sucumbenciais são aqueles arbitrados pelo juiz do processo, em favor do advogado da parte que venceu a lide. Nada obsta que o advogado venha a receber cumulativamente essas três espécies de remuneração na mesma causa, (ou seja, os honorários pro labore, ad exitum e sucumbenciais).

    Vale lembrar que, ao tempo das Ordenações e do direito reinícola, era proibida a contratação de honorários do advogado com a parte, sob a justificativa de que representaria uma indevida “quota litis”. Essa primitiva concepção – herdada do direito romano - foi ultrapassada pela pressão dos fatos sociais e econômicos, pelo que, a estipulação dos honorários contratuais acabou sendo oficialmente admitida, no Brasil pelo Decreto n. 5.737, de 2 de Setembro de 1.874, que aprovou o “novo regimento de custas”, assim dispondo no § 1º do seu artigo 202:

    O executivo que compete aos advogados para a cobrança de seus honorários, compreende as taxas deste Regimento ou a importância certa e líquida dos seus contratos” (sic).

    No que diz com os honorários sucumbenciais, guardam estes remota similitude com os antigos emolumentos advocatícios, taxados nos velhos regimentos de custas, de vez que, recorde-se, ao tempo das Ordenações do Reino, o advogado era considerado “um oficial do foro, exercendo um ministério público no conjunto dos órgãos componentes da Justiça”() sendo remunerado, reitera-se, através desses emolumentos regimentais. Essa gênese é por igual reconhecida pelo Ministro Filadelfo Azevedo, como relator do RE n. 8.884 no STF:

    “(...) Aliás, convém referir, segundo acentuei em outra causa (rec. Extr. N. 8.820) que o nosso direito, como tantos outros, atribui ao vencido o pagamento de honorários despendidos pelo vencedor, como os juros de mora independentemente de qualquer apreciação subjetiva – apenas esses honorários são os tarifados regimentalmente segunda longa tradição, e que hoje aqui são, no todo ou em parte canalizados diretamente para o cofre da Ordem dos Advogados. Como essa remuneração se tornasse ridícula, os profissionais não se contentavam com a tarifa regimental e faziam contratos ou pleiteavam arbitramento – a princípio contra o próprio cliente e, depois, através deste ou diretamente contra o adversário vencido.

    Foram dominadas as resistências de algumas Cortes e, afinal, a prática avançada de outras levou a convencer o codificador processual, que pela primeira vez acolheu, em norma cogente, a solução desse suplemento de salários à custa do vencido, mas somente nos casos de dolo ou culpa” ( )

    Como acentuado no elucidativo voto acima parcialmente transcrito, antes do CPC de 1939 não existia nos tribunais brasileiros um critério uniforme no que diz com a condenação do vencido ao pagamento da honorária advocatícia. A inovação legislativa veio com os artigos 63 () e 64 () daquele código, o primeiro diploma a dispor, expressamente, sobre a condenação do vencido ao ressarcimento das custas e “dos honorários do advogado” (sic). Essa condenação se dava mais a título de uma pena para a lide temerária e a “alteração intencional da verdade dos fatos” (cf. o art. 63) ou nos casos de procedência de ação com fundamento no “dolo ou culpa contratual ou extracontratual” (sic, art. 64) do réu.

    Como se vê, os artigos 63 e 64 do CPC de 1939 versavam duas hipóteses distintas: no artigo 63, em razão de se tratar de uma pena pela lide temerária ou pela alteração da verdade dos fatos, a condenação se destinava a “reembolsar à parte vencedora as custas do processo e os honorários do advogado” (verbis). Já na do art. 64 – em que o autor se via forçado a litigar contra o réu por ter este procedido com dolo ou culpa, quer contratual quer aquiliana, (hipóteses essas, giza-se, que se constituem na fundamentação da esmagadora maioria dos litígios que desembocam no Judiciário), expressamente se dispunha que “a sentença que a julgar procedente condenará o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária.”

    Observa-se, adicionalmente, que as hipóteses contempladas no art. 63 do CPC de 1939, migraram para os artigos 17 e 18 do CPC de 1973, eis que se constituíam em penas para a litigância de má-fé. E a honorária sucumbencial propriamente dita, prevista no art. 64, acabou sendo regulada pelo art. 20. E a mesma distinção que imperava no CPC de 1.939 foi guardada pelo de 1.973: os honorários da sucumbência, nos termos do art. 20 deste, pertencem ao advogado da parte vencedora; já a pena pela litigância de má-fé é paga à parte e não ao advogado, nos termos do art. 35.( )

    Foi a partir dos artigos 63 e 64 do CPC de 1939 que se formou a construção jurisprudencial sobre a incidência dos honorários da sucumbência, com caráter remuneratório, tendo como seu destinatário não a parte, mas sim o advogado desta, como se pode ver, e.g., deste elucidativo voto condutor do Ministro FILADELFO AZEVEDO, ainda no ano de 1943:

    “... Assim, nos casos em que o Código de Processo assegura o pagamento de honorários, este constituirá objeto de direito atribuído ao litigante vencedor, embora indiretamente a seu advogado, em situação análoga à da estipulação em favor de terceiro, no campo contratual. O destinatário é, evidentemente, o causídico e o cliente não pode, assim, distrair parte da cota ainda que alegue ter se comprometido a pagar menos (...) Assim, sendo o advogado o destinatário de cota atribuída a título de plenitude de reparação ou, mesmo, em certos casos, de pena, está claro que, sem estorvos por parte de seu cliente, pode providenciar para o recebimento direto, tomando as precauções necessárias e iniciando ação contra o devedor, que as desprezar ou tiver agido com malícia.”( )

    A concepção de serem os honorários de advogado fixados com a natureza de uma “pena”, acabou sendo afastada pela Lei 4.632/65, que modificou o art. 64 do Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939 (o antigo CPC), instituindo o denominado “princípio da sucumbência, passando aquele artigo a ter a seguinte redação:

    “Art. 64. A sentença final na causa condenará a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencedora, observado, no que for aplicável, o disposto no art. 55.

    § 1º Os honorários serão fixados na própria sentença, que os arbitrará com moderação e motivadamente.

    Assim que entrou ela em vigor, de imediato os tribunais passaram a aplicá-la, eis que de lei processual se tratava. Veja-se nesse sentido, este aresto do STF, relatado pelo em. Ministro Moacyr Amaral Santos:

    O princípio da sucumbência é de natureza processual. Assim, processual é a Lei n. 4.632/65, que o disciplina. As leis processuais se aplicam de imediato e atingem os processos em curso, no estado em que se acham. Se a sentença foi proferida, embora com atraso, já quando vigente essa lei, deveria ser aplicada, como o foi. Nisso não vejo nenhuma ofensa ao disposto nos artigos 63 e 64 do Código de Processo Civil, ou sua redação anterior, pois que, ao tempo da sentença, já deveriam ser lidos com a redação daquela lei.” (STF, 1ª. T., RE 63429/GB Rel. Min. AMARAL SANTOS, DJ de 22-08-1969).

    Porém, antes mesmo do advento da Lei 4.632/65, sustenta-se que o Estatuto da OAB, (Lei nº 4.215/63) já havia antecipado a criação do princípio da sucumbência, modificando o entendimento do CPC de 1939 de que os honorários sucumbenciais detinham o caráter de pena, para lhes dar a natureza estritamente remuneratória em favor do advogado, como se vê dos parágrafos 1º e 2º do art. 99:

    § 1º. Tratando-se de honorários fixados na condenação, tem o advogado direito autônomo para executar a sentença nessa parte, podendo requerer que o precatório, quando este for necessário, seja expedido em seu favor. (sic).

    § 2º. “Salvo aquiescência do advogado, o acordo feito pelo seu cliente e a parte contrária, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionais, quer os concedidos pela sentença” (verbis).

    Esses dois dispositivos sempre foram interpretados pelos tribunais com o sentido claramente neles impresso, qual o de que os honorários da sucumbência pertenciam ao advogado (e não à parte), tanto que a lei a este assegurava o “direito autônomo para executar a sentença” (verbis) ainda que o cliente, à sua revelia, compusesse a lide diretamente com a parte ex adversa.

    A matéria não comportava mais discussões. Mas uma desnecessária celeuma teve início com o advento do Código de Processo Civil de 1.973, em face da redação ambígua e retrógrada do seu artigo 21, segundo o qual, “Se cada litigante forem em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas”.

    A maioria dos Tribunais continuou entendendo que essa redação não prejudicava – antes reforçava – o disposto no art. 99 do então vigente Estatuto da OAB, de vez que a também a expressão contida no artigo 20 do CPC (“pagar ao vencedor os honorários advocatícios”) colocava como único destinatário da verba advocatícia o advogado da parte vencedora, o que impedia a compensação.

    E esse entendimento é reforçado a partir da leitura conjunta de todo o art. 20, em especial do seu parágrafo 3º, que estabelece referências para a fixação dos honorários advocatícios, levando em consideração fatores objetivos e subjetivos que dizem, todos eles, exclusivamente, com a atividade laboral do advogado, concretamente aferida no processo. Seria desarrazoado sustentar-se que o arbitramento da honorária nos moldes do referido parágrafo 3º, objetivava beneficiar a parte que contratou o advogado e não o autor do trabalho avaliado...

    Essa leitura sistemática do art. 99 da Lei 4.215/63 (então vigente) e do art. 20 (e seus parágrafos) do novel CPC de 1973, se impunha aos efeitos da compreensão da matéria como um todo. Afinal, e como ensinava o emérito Ministro Carlos Maximiliano, a técnica hermenêutica conhecida como “processo sistemático” consiste exatamente em:

    (...) comparar o dispositivo sujeito à exegese, com outros do mesmo repositório, ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se conhece o espírito das outras (...) O processo sistemático encontra fundamento na lei da solidariedade entre os fenômenos coexistentes (...) O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui uma vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio.”


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