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17 de Junho de 2024

Juízes e Tribunais devem responder as questões suscitadas pelas partes

há 8 anos

A motivação das decisões já foi objeto de nossa atenção[1], em virtude do § 1o artigo 489 do CPC[2], que pontilhou os traços indispensáveis à observância da exigência constitucional da motivação estipulada no artigo 93, inciso IX, da Constituição da República.

Não resta dúvida que o artigo 489, § 1o, do CPC não traz em si qualquer novidade para nosso quadro normativo, pois apenas acentua o colorido do dever de motivação inscrito, com tintas fortes, no texto constitucional.

Porém, como sempre bem sublinha o Ministro Marco Aurélio[3], rememorando a constatação do filósofo grego Leucipo, nada nasce sem causa, mas tudo surge por algum motivo e em virtude de uma necessidade.

O § 1o do artigo 489 do CPC, principalmente seu inciso IV, tem alvo certo: objetiva corrigir prática judicial, desapegada do texto constitucional, que tinha por motivadas decisões que apresentavam suas razões centrais, sendo irrelevantes o exame de outros argumentos.

No contexto do CPC de 1973, grassavam argumentos do tipo: O juiz não está obrigado a responder, um a um, os argumentos das partes, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão.

Tais argumentos performáticos desbotavam a garantia constitucional da motivação, na medida em que possibilitavam ao juiz tangenciar as perspectivas apresentadas pelas partes, as quais, em última análise, são a verdadeira razão de ser do ato decisório.

Bom é dizer e perceber, a decisão judicial por ser ato de vontade, não de imposição de vontade arbitrária, para ser legítima, enquanto ato estatal, tem na obrigatoriedade da fundamentação exigência fundamental e incontornável.

Daí porque, o legislador processual pretendeu, com o artigo 489, corrigir tal prática judicial, explicitando o que se deve ter por decisão devidamente motivada, estabelecendo um piso mínimo, standard, para fundamentação decisória.

Essa correção de rumos empreendida pelo legislador, longe de indevida ou ofensiva, tem como finalidade qualificar o exercício da atividade jurisdicional, pelo que inerente ao desejável e indispensável diálogo institucional entre os poderes constituídos.

Contudo, não tardou para o próprio Superior Tribunal de Justiça, cuja função primária de uniformização da interpretação infraconstitucional torna mais grave o erro, tornar opaca a alteração legislativa, predizendo que não teríamos diferenças no colorido da motivação entre o CPC de 1973 e o CPC de 2015.

Transcreve-se julgado recentemente noticiado da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que contou com a adesão de nove integrantes da Corte, o qual placitou a seguinte perspectiva:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA.

1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço.

2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.

3. No caso, entendeu-se pela ocorrência de litispendência entre o presente mandamus e a ação ordinária n. 0027812-80.2013.4.01.3400, com base em jurisprudência desta Corte Superior acerca da possibilidade de litispendência entre Mandado de Segurança e Ação Ordinária, na ocasião em que as ações intentadas objetivam, ao final, o mesmo resultado, ainda que o polo passivo seja constituído de pessoas distintas.

4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum.

5. Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no MS 21.315/DF, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/06/2016, DJe 15/06/2016)

Não foi suficiente ao julgado ter como correta a jurisprudência anterior, desonerando o juiz de responder aos questionamentos apresentados pelas partes, mas principalmente sustentou que o artigo 489 teria validado tal práxis.

Na nossa perspectiva, o julgado erra duas vezes, tanto em não focalizar corretamente o mote subjacente ao artigo 489, § 1o, do CPC, quanto ao não perceber o sentido e alcance do mesmo dispositivo.

O CPC de 2015 deixou clara a conexão da motivação com o contraditório útil[4] ou influência[5] (na tríplice configuração informação, reação e consideração[6]), considerando desmotivada a decisão não tenha exatamente cotejado os argumentos oportunamente apresentados pelas partes (artigo 7o).

Isso porque, o contraditório não se perfaz sozinho. O contraditório tem seu rendimento atrelado à motivação da decisão, não devendo ser descolorido para mero instrumento de legitimação procedimental da decisão (ato prévio e mecânico sem substância), para passar a participar efetivamente da mesma (tem que ser considerado no que trouxe de argumentos, na sua substância).

Isto é, a manifestação das partes, expressão do contraditório, não é simplesmente ato procedimental prévio e anterior, mas deve compor a motivação da decisão, expressar-se através desta, sendo um de seus indispensáveis itens.

O Código predispôs o contraditório e a fundamentação em relação circular de complementaridade, em que o contraditório aparece como força motriz da fundamentação, passando posteriormente tal fundamentação, além de permitir e induzir o seu exercício, a ser controlada pelo contraditório (recurso)[7].

O juiz e os Tribunais têm o dever de enfrentar todos os argumentos apresentados pelas partes, ainda que discordem deles. A improcedência do argumento não exclui a necessidade de sua análise.

Somente o argumento irrelevante, ou seja, aquele argumento que, mesmo procedente por suposição, não alteraria a conclusão do julgado, pode ser afastado. Ainda assim, a decisão deve indicar os argumentos que não serão considerados por sua irrelevância, apontando claramente a razão pela qual não alterariam o resultado do julgado, estabelecendo por que não seriam relevantes. A relevância passa pelo cotejo do argumento no contexto da questão, a fim de aferir, em projeção prospectiva e conjectural, o potencial de resultado do argumento no exame desta. Verifica-se, no particular, a capacidade de o argumento justificar decisão diversa daquela que seria proferida acaso não fosse apresentado.

Essa nova embocadura da motivação pelo contraditório não possibilita que argumentos sejam rejeitados pela circunstância do juiz já ter “encontrado motivo suficiente para proferir a decisão”, como consta do julgado. O juiz pode não acolher o argumento apresentado pela parte, mas jamais desconsiderá-lo quando relevante (capaz de infirmar em tese a decisão).

Aliás, denota-se do julgado mencionado, que manteve extinção do processo pela litispendência (curso de demandas idênticas), que as partes visavam a discussão sobre a ausência de identidade entre as demandas (não configuração da tríplice identidade), o que, independentemente da correção do argumento, é absolutamente relevante no contexto da decisão.

Assim, navegando no tom da última coluna do nosso amigo MARCELO MACHADO[8], em nossa aquarela[9] o contraditório compõe as retas que fazem o castelo da decisão. Os argumentos das partes são o compasso que circulam necessariamente os limites de mundo da decisão.

Que no futuro a exegese do artigo 489 preencha a motivação das decisões judiciais com o colorido dos argumentos das partes — o que está ao alcance de todos —, pois o que descolorirá para o poeta é inevitável.

Fonte: GEN JURÍDICO.

  • Sobre o autor" A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade" Ruy Barbosa.
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