Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    MPF denuncia fazendeiros do norte de MG por trabalho escravo

    há 16 anos

    Os fazendeiros Joaquim Cândido Alves Moreira e seu filho Cristiano Alves Moreira foram denunciados na última segunda-feira, 19 de maio, pelo Ministério Público Federal (MPF) perante a Justiça Federal em Montes Claros. Eles são acusados de terem mantido vários empregados em regime de trabalho escravo, submetendo-os a condições degradantes e tratamento cruel. Há denúncia, até, de prática de tortura física e mental contra as vítimas.

    De acordo com o MPF, em 16 de setembro de 2004, a Polícia Militar do município de São Romão foi acionada por quatro vítimas que, após serem ameaçadas por Joaquim Cândido, fugiram de uma de suas fazendas e denunciaram os maus-tratos. Os trabalhadores contaram também que havia outras pessoas vivendo e trabalhando em condições análogas às de escravo. Auditores do Ministério do Trabalho, com auxílio da Polícia Federal, empreenderam, então, fiscalização nas fazendas de propriedade dos denunciados. Além de constatarem inúmeras irregularidades trabalhistas, descobriu-se que famílias inteiras encontravam-se naquela situação há aproximadamente dez anos. Os trabalhadores foram resgatados.

    Um ano e meio depois, em 21 de março de 2006, ao efetuarem nova fiscalização nas fazendas Três Riachos, Riacho do Fogo e Extrema, auditores do Ministério do Trabalho encontraram, nesta última, outros 19 trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo. Segundo relata o MPF na denúncia, a fiscalização nas outras duas fazendas foi prejudicada porque os trabalhadores foram "escondidos", de modo a impossibilitar que fossem encontrados pelos auditores fiscais do trabalho. "Essa situação só não se repetiu na Fazenda Extrema porque, por acaso, o veículo em que estava a fiscalização cruzou com o trator que puxava a carroceria na qual os trabalhadores daquela propriedade estavam sendo transportados, para local diverso, na tentativa de ludibriar a fiscalização trabalhista, explica a denúncia.

    Nessa ocasião, apurou-se que Joaquim Alves Moreira era auxiliado por seu filho Cristiano Alves Moreira na tarefa de vigiar os trabalhadores, impedindo-os de se ausentarem das fazendas, inclusive sob a ameaça de arma de fogo. Por essa razão, Cristiano foi denunciado como partícipe dos crimes cometidos pelo pai (redução do trabalhador à condição análoga à de escravo) e como autor do crime de porte ilegal de arma.

    Falsas promessas - Os trabalhadores, todos extremamente pobres, eram aliciados nas cidades vizinhas sob promessas de boas condições de trabalho, moradia e alimentação. Em alguns casos, para convencê-los, Joaquim Gameleira, como era conhecido, oferecia-lhes adiantamentos que variavam entre 50 e 150 reais.

    Um dos trabalhadores relatou que, após ser levado para prestar serviço numa fazenda localizada em Barreiras (BA), foi acometido de dores que o impediam de trabalhar e, por isso, foi abandonado em uma praça da cidade, sem dinheiro ou qualquer outro meio que propiciasse condições de retornar a sua cidade de origem. O trabalhador retornou a pé, numa jornada que levou meses para ser concluída.

    Ao chegarem às fazendas, as vítimas eram alojadas em barracos de lona ou casebres de palha, sem qualquer tipo de instalação sanitária ou elétrica, sem camas ou colchões. Tinham de comprar do denunciado todos os bens de consumo e, até, as ferramentas de trabalho de que precisavam, aos quais aquele atribuía o preço que lhe conviesse, de forma que os trabalhadores sempre estavam em dívida com o patrão.

    Durante as fiscalizações, foram encontradas duas famílias trabalhando em carvoarias de propriedade dos denunciados há mais de dez anos. O MPF descreve, na denúncia, as condições em que viviam: A família morava em um barraco de três cômodos, erguido em pranchas de madeira, com frestas que não isolavam o interior da habitação, e coberto por palha de Buriti. O chão era de terra batida. Os filhos do casal dormiam amontoados em uma armação de madeira coberta por sacos e panos. Não havia colchão, assim como não havia instalações elétricas ou sanitárias. A água utilizada para beber, cozinhar e para higiene pessoal era retirada de um córrego represado que, antes de chegar ao local onde a família residia, passava pelo chiqueiro da fazenda Riacho do Fogo, onde os porcos se banhavam e lançavam seus detritos.

    A outra família vivia em condições semelhantes e também tinha de arcar com o mesmo tipo de jornada de trabalho, a qual tinha início ainda de madrugada, estendia-se até o final da tarde e era cumprida em todos os dias da semana, sem repouso semanal, férias ou feriados. O chefe da família ainda tinha de acordar quatro vezes durante a madrugada para olhar os fornos a fim de não deixar o carvão queimar. Nenhum deles recebia salário. De acordo com o MPF, trabalhavam para" pagar a comida "que lhes era fornecida quinzenalmente por Joaquim Gameleira. Na época dos" acertos ", Gameleira sempre lhes dizia que o casal estava lhe devendo comida, sem informar o quanto havia custado os bens de consumo que lhes eram fornecidos. Desse modo, as vítimas precisavam continuar trabalhando até que conseguissem quitar a dívida, o que, evidentemente, nunca conseguiam fazer.

    Direito de ir e vir Para mantê-los nessas condições que o MPF descreve na denúncia como subumanas, análogas ou até mais severas do que às de escravo os denunciados proibiam os trabalhadores de sair das fazendas, ameaçando-os inclusive com armas de fogo, e chegando a empreender, em certos casos, perseguição aos trabalhadores que tentassem fugir.

    Em certa ocasião, Joaquim Gameleira, ao saber que os dois trabalhadores tinham saído da fazenda para ir a Santa Fé de Minas/MG sem a sua autorização, se deslocou até aquela cidade e, lá, ao encontrar Antônio e Cecília na casa de uma amiga desta última, de nome Marinária, passou a arrastar Cecília pelo cabelo, retirando-a de dentro da casa de sua amiga e levando-a de volta até a carvoaria, onde, com um pedaço de madeira, passou a agredi-la seguidamente até deixá-la com vários hematomas. A agressão era feita na presença de Antônio, que era forçado a assistir, calado e quieto, ao primeiro denunciado espancar a sua esposa, sob pena de ser morto por tiro saído da arma de fogo que Joaquim lhe apontava, e que, como ato final da tortura, ainda disparou em direção ao pé de Cecília, só não o atingindo porque esta o desviou.

    O MPF pede a condenação de ambos os denunciados pelos crimes de redução à condição análoga à de escravo (artigo 149 do Código Penal) e porte ilegal e disparo de arma de fogo (artigos 14 e 15 da Lei 10.826 /03). Joaquim Cândido Alves Moreira deverá responder ainda pelos crimes de tortura (artigo , inciso II , da Lei nº 9.455 /97), aliciamento de trabalhadores (artigo 207 , parágrafo 1º , do CP), frustração de direitos assegurados por legislação trabalhista (artigo 203 do CP) e falsificação de documentos públicos (artigo 297 , parágrafo 4º , do Código Penal).


    Maria Célia Néri de Oliveira
    Assessoria de Comunicação
    Procuradoria da República em Minas Gerais
    (31)

    • Publicações37267
    • Seguidores711
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações241
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/mpf-denuncia-fazendeiros-do-norte-de-mg-por-trabalho-escravo/14640

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)