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26 de Maio de 2024
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    O Tribunal Popular do Júri - Des. Brandão de Carvalho

    há 10 anos

    O TRIBUNAL POPULAR DO JURI-EVOLUÇAO HISTÓRICA. TESES CONTRÁRIAS E FAVORÁVEIS. FUNDAMENTOS LEGAIS.

    A nossa vida é um exercício de habilidades constantes que se transmutam no decorrer de nossa tão curta existência terrena, fazendo de cada um de nós o seu próprio ator neste grande palco em que as peças teatrais se multiplicam para a plateia sedenta da dramaticidade da vida humana.

    Todos nós, talvez com poucas exceções, tivemos algo em nossas vidas como força motriz para o despertar de nossas vocações profissionais: acompanhar uma procissão, assistir um sermão ou uma missa, é às vezes o toque de um chamado à vida sacerdotal; ver a construção de uma grande obra de engenharia nos leva a sermos engenheiros; no meu caso particular, nos idos de 1963, ainda garoto, desabrolhando a primavera do verdor dos anos, tive a feliz oportunidade de assistir no fórum de Piracuruca, o primeiro julgamento de um tribunal popular do juri que como chamado daí por diante, levou-me a optar no futuro, a ingressar no ramo da ciência jurídica, tornando-me um profissional do direito, década depois. Lembro-me bem da palavra segura do Ministério Público, na pessoa do Promotor de Justiça da Comarca Manfredi Mendes Cerqueira que se tornaria Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça; o advogado Dr. Celso Pinheiro Filho homem de uma trajetória profissional das mais brilhantes, responsável pela defesa de seu constituinte, o juiz Dr. Adolfo Uchôa Filho, que se tornaria também Desembargador do nosso Egrégio Tribunal, ambos alçando a Presidência tal qual aquele jovem expectador da época, que também se tornaria Desembargador oriundo do Quinto Constitucional da Advocacia. Feito estes prolegômenos de caráter nitidamente histórico para adequação ao tema que iremos evoluir neste trabalho, passarei a tratar do Tribunal Popular do Juri.

    Documentos de caráter doutrinário, retratam que a origem do Tribunal do Juri, remontam a história da Inglaterra, pelos idos de 1215. Tinha como escopo principal o julgamento dos delitos praticados pelos atos de bruxaria ou de caráter místico, com a participação de homens da sociedade com a consciência purificada; eram 12 homens portadores da purificação plena e transcendental, objetivando aplicar a vontade divina no fato tido como criminoso, aplicando o castigo respectivo.

    Em nosso país, o Tribunal do Juri foi criado pelo Príncipe em 18 de junho de 1822, por Decreto Imperial, com denominação de juízes de fato. Eram 24 juízes selecionados pela honradez e pela inteligência para exercerem seus encargos. Primeiramente, tinha como finalidade precípua julgar os crimes contra Imprensa, logo depois com a promulgação da Lei 1521/51 teve a competência alargada para julgamento dos crimes contra a economia popular. O Tribunal Popular do Juri recebeu tratamento diferenciado na Constituição Democrática de 1946, capítulo II, retornando à categoria dos direitos e garantias individuais, consoante o seu art. 141,28 que dizia:

    É mantida a instituição do juri, com a organização que lhe der a lei, com tanto que seja sempre ímpar o número de seus membros e garantido o sigilo das votações, plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente de sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Dois anos após, em 1948, foi promulgada a Lei 263, que regulamentou o 28 do art. 141 da Carta Magna então vigente, sendo o Tribunal do Juri parte integrante do ainda atual Código de Processo Penal. A Constituição de 24 de janeiro de 1967, manteve incólume a redação do art. 141,25 da Constituição de 1946, prevista no art. 150, 18 que declara:

    São mantidas a instituição e a soberania do juri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Igualmente, a Constituição de 17 de outubro de 1969 tratou do tema nos moldes das Constituições anteriores. A nossa Constituição em vigor, é taxativa no seu art. inciso XXXVII quando explicita: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (.)

    XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei... É uma garantia fundamental da pessoa humana, cláusula pétrea não podendo ser modificada por forma alguma estando ínsita esta sua importância no art. 60 da atual Carta Magna.

    Os defensores desta Instituição secular na legislação brasileira primam pela forma e força democratizante nos julgamentos oriundos dos jurados, pessoas do povo, com os sentimentos que espelham a média das convicções do meio social aonde estão inseridos. Tem como conotação a forma nitidamente democrática, à luz do princípio de que o homem deve julgar seus pares e está entranhado na consciência popular. Dizem que o juiz de direito apresenta-se com rigidez, tendo em vista a rotina diária em seus julgamentos, apegando-se ao extremo formalismo legal, sem interpretar a lei de uma forma humanizada, mas apenas jurídica, com um tecnicismo que o afasta do realismo social, já que se mantém em tese hermético e afastado do povo por razões culturais. De outro ponto, as decisões proferidas por várias pessoas estão menos sujeitos aos erros do que por um só juiz, mesmo que profissional da área jurídica.

    Os contrários, também manifestam suas posições em detrimento dos defensores da instituição do juri popular. Apregoam que o papel do juri popular já foi cumprido, uma vez que o judiciário hoje é independente como poder de Estado não estando mais subordinado à vontade do monarca. Outra crítica bastante justificadora dos doutrinadores contrários, é de que no processo de um modo geral as decisões judiciais devem ser absolutamente fundamentados, obrigação que magistrado tem para que se evitem abusos, desmandos no âmbito penal. Este apelo está consubstanciado em nossa Constituição em seu art. 93, inciso IX: Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

    IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

    Lopes JUNIOR, em Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista) diz a respeito:

    as decisões judiciais serão produzidas por livre convencimento motivado do juiz (não há uma valoração legal das provas), que dos fatos a ele apresentado busca a verdade, mas ele deve motivar a sua decisão, expondo os motivos da convicção (art. 157 CPP). Este livre convencimento diz que os juízes não estão sujeitos a uma tarifação legal de quanto vale cada prova, mas devem analisar cada uma delas (para ter validade a decisão tem que julgar como as provas produzidas no âmbito do processo.

    Aqui está a grande diferença em relação ao julgamento do Tribunal do Juri: vige o princípio da decisão por íntima convicção (imotivada), isto é, as decisões proferidas no juri não se sujeitam a fundamentação nenhuma (art. 493 do CPP) os jurados não precisam declarar as razões pelas quais decidiram. A fundamentação é obrigatória para que se tenha o sustentáculo para um eventual recurso a ser interposto, tendo alguns autores neste sentido declarado que isto é um absurdo, uma arbitrariedade sem tamanho!

    Na verdade, em nossa vida de julgadores sabemos que uma decisão mal fundamentada de um juiz tem-se recurso ou interpõe-se embargos declaratórios para que o magistrado esclareça as bases de sua decisão que resultou numa sentença contraditória, obscura, ambígua ou omissa (art. 382 do CPP). Entretanto, no que tange as decisões do Tribunal do Juri tem-se uma legitimidade para que a sua decisão seja desprovida de qualquer motivação, não havendo qualquer recurso para sanar tal ausência de fundamento; outra crítica exacerbada é a de que os jurados decidem pela emoção, com seu instinto, ignorando o racional e a técnica jurídica pela falta de formação na área. ZIMERMAN, David E. Aspectos Psicológicos da Atividade Jurídica nos adverte:

    O Tribunal do Juri acaba por certo se sobrepondo aos sentimentos pessoais de cada um dos jurados (paixões e antipatias), que decorrem de sua formação cultural e pessoal, assim se ignorando que se busca a verdade em uma decisão judicial, que em última análise a justiça. Neste tipo de Tribunal não há independência que a função de julgar demanda, ficam presos muitas vezes ao estado de guerra (caos social em função da violência) que é proposto pela mídia que tem papel absurdamente negativo em demonizar o fato, perante a opinião pública, impregnando estas manifestações no meio social.

    Existem propostas que visam a melhoria do sistema do tribunal do juri já que a própria Constituição Federal deixou bem claro que competia a lei ordinária a sua organização; neste caso, poderíamos aceitar o Escabinato, que seria um Tribunal misto com juízes e pessoas leigas julgando lado a lado; a outra forma o assessorado que seria a participação popular nos julgamentos através de um assessoramento ao juiz com conhecimento técnicos específicos.

    Este artigo voltado especialmente aos nossos advogados criminalistas, juízes criminais e ao Ministério Público para que possamos encontrar meios mais objetivos e efetivos que deem ao Tribunal do Juri uma adequação maior nestes novos tempos que vivenciamos de mudanças profundas dentro de nossa sociedade que fluem da vontade popular se sobrepondo aos interesses das classes privilegiadas e aos próprios governos que deveriam ser os propulsores das mudanças mas que infelizmente, apoiam o status quo, na letargia do poder, para prover estas mudanças que tanto a sociedade deseja que já está perdendo a calma em relação dos desmandos da máquina pública e a inércia de nossos dirigentes, em especial as nossas Casas Legislativas, que legislem mais em matérias que interessam ao povo e não apenas a matérias equidistantes dos anseios populares.

    Desembargador LUIZ GONZAGA BRANDAO DE CARVALHO

    Decano do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e Presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-tribunal-popular-do-juri-des-brandao-de-carvalho/119995933

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