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24 de Maio de 2024
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    Prova pericial para fornecer medicamento é desumano

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 12 anos

    Com o presente artigo pretendo rebater comuníssimo argumento lançado pelo Estado em lides que postulam fornecimento de medicamentos por este: a necessidade de dilação probatória, com produção de prova pericial, a fim de se aferir a real necessidade do fornecimento do remédio pretendido.

    A Constituição Federal é clara e direta ao estabelecer, em seu artigo 23, II, a competência comum de União, Estados, Municípios e Distrito Federal para cuidar da saúde, cumprindo tal dever (artigo 196), sendo, por outro lado, direito social de todos (artigo 6º e o mencionado 196, ambos da Lei Maior).

    Para o deslinde de tal dever e o exercício de tal direito, a própria Carta Magna instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), financiada, dentre outras fontes, por recursos da recursos da Seguridade Social e dotações orçamentárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

    Em sede infraconstitucional, o artigo , da Lei 8080/90, assim determina:

    A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

    Em síntese a respeito, como bem prelecionou o eminente Ministro Luiz Fux, quando judicava no Superior Tribunal de Justiça:

    O Sistema Único de Saúde SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna [1]

    Ora, sendo um direito fundamental do ser humano, direito de todos e dever do Estado (aqui dito de forma lato sensu abarcando União, Estados, Municípios e Distrito Federal), por si só desautoriza o argumento de dilação probatória prévia, a fim de, por prova pericial, ser verificada a necessidade ou não do fornecimento dos medicamentos postulados pelo jurisdicionado.

    Com efeito, quem bate às portas dos fóruns e tribunais buscando determinado medicamento é porque o mesmo, sem dúvida, tem alto valor, inacessível à enorme parcela dos brasileiros, ou mesmo sequer existe no Brasil, sendo imprescindível (portanto, absurdamente cara) sua importação.

    E, obviamente, o jurisdicionado tem pressa, pois necessita do mesmo para sobreviver, não postulando um luxo ou um mimo a lhe aformosear a vida.

    Ante tal situação fática, é descabido o pleito de prova pericial, pois o direito à vida (artigo , caput, da Constituição Federal) e o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito que vivemos (artigo , III, da Carta Magna) têm tamanha força e preponderância que, convencido o magistrado da real necessidade do fornecimento dos medicamentos postulados pelo autor na exordial, a mesma nem deveria ser cogitada.

    Certo seria, ademais, que o Estado sequer lançasse mão de tal pleito sem dúvida procrastinatório e, nestas situações, data venia cruel, pois tem, do outro lado da demanda, uma pessoa, receptor da norma constitucional, que postula determinado remédio para lograr a cura ou a sobrevivência.

    Afinal, também, visando o convencimento do magistrado, destinatário final da prova, o requerente acosta à petição inicial laudos, relatórios e atestados médicos ou seja, da lavra de profissional habilitado para tanto, inscrito no Conselho Regional de Medicina e que acompanha o tratamento de seu paciente garantindo a imprescindibilidade do medicamento pleiteado, devendo tal prova documental pré-constituída ser bastante.

    Não se olvide, ademais, que o artigo 420, II, do Código de Processo Civil, é claro ao determinar o indeferimento de perícia quando for desnecessária em vista de outras provas produzidas, como acima explanado.

    No mesmo sentido, nossa melhor doutrina, como giza a respeito Humberto Theodoro Júnior:

    Por se tratar de prova especial, subordinada a requisitos específicos, a perícia só pode ser admitida, pelo juiz, quando a apuração do fato litigioso não se puder fazer pelos meios ordinários de convencimento. Somente haverá perícia, portanto, quando o exame do fato probando depender de conhecimentos técnicos ou especiais e essa prova, ainda, tiver utilidade, diante dos elementos disponíveis para exame. [2]

    Entendo que somente em caso de manifesta fraude ou patente impropriedade do medicamento postulado, tal dilação teria cabimento, com produção de prova pericial.

    Com efeito, assim delibera, também, a melhor jurisprudência, como se verifica dos arestos abaixo transcritos:

    Recurso ex officio e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Fornecimento de medicamentos prescritos aos impetrantes,supostos portadores de psoríase. Segurança concedida na origem.Inadmissibilidade. Denúncias de fraude na propositura de ações similares à presente que pendem sobre o subscritor da inicial. Necessidade, em caráter excepcional, de submissão dos impetrantes a perícia médica, a fim de determinar a real necessidade dos medicamentos. Dilação probatória incompatível com rito do mandado de segurança. Inadequação da via eleita.Extinção do processo, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do CPC. Recursos providos. [3]

    ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE PROVA DE ADEQUAÇAO DOS MEDICAMENTOS RECEITADOS PARA TRATAMENTO DA DOENÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NAO DEMONSTRADO. O direito constitucional de acesso a medicamentos depende de comprovada necessidade, reconhecida por perícia médica realizada no juízo.O Mandado de Segurança não é via adequada para análise de controvérsia relacionada à obrigatoriedade de a autoridade pública fornecer os medicamentos pleiteados se, para tanto, faz-se necessária a dilação probatória. Apelação desprovida. [4]

    Jurisprudência dominante

    Portanto, o Poder Judiciário esteio e garantidor do Estado Democrático de Direito instado a se manifestar se posiciona, ressalvadas as situações excepcionais acima, de forma pacífica e enérgica repelindo a produção de prova pericial acerca da necessidade/adequação do medicamento cujo fornecimento se postula.

    Confira-se, a respeito, as ementas abaixo transcritas, esgotando o tema:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERÍCIA MÉDICA. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NAO-CARACTERIZAÇAO. A necessidade do medicamento pleiteado pelo autor vem corroborada em prova idônea, segundo orientação de profissional capacitado, não havendo falar em cerceamento de defesa em virtude do indeferimento da produção de prova pericial. Médico que acompanha o caso que tem melhores condições de indicar o tratamento adequado. Inexiste nos autos prova capaz de macular a idoneidade do profissional que assiste ao autor. NEGADO PROVIMENTO. EM MONOCRÁTICA. [5]

    MEDICAMENTOS Pretensão de fornecimento gratuito. Direito à vida. Dever constitucional do Estado. Indicação do medicamento que melhor atende às necessidades do paciente compete ao médico que o assiste. Aplicação do art. 196 da CF. Precedente do STJ. Julgamento proferido por decisão monocrática, nos termos do art. 557 do CPC. Recurso improvido. [6]

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NAO ESPECIFICADO. AÇAO ORDINÁRIA. CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. REALIZAÇAO DE PERÍCIA MÉDICA. DESNECESSIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. Existindo documentação idônea, firmada por médico credenciado, onde descritas as moléstias das quais padece a enferma, apontando os medicamentos necessários, desnecessária a realização de perícia. Aplicação do art. 420, II, do CPC. O direito à saúde é assegurado a todos, devendo os necessitados receber do ente público o medicamento necessário. Aplicação do artigo 196 da Constituição Federal. O Município possui legitimidade passiva na demanda visando ao fornecimento de medicamento a necessitado, devendo responder pelo seu fornecimento. Posição do 11º Grupo Cível. Precedentes do TJRGS, STJ e STF. Agravo de instrumento a que se nega seguimento. [7]

    ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ENTES POLÍTICOS - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DIREITO AO RECEBIMENTO DE MEDICAMENTOS - REQUISITOS. PERÍCIA - DESNECESSIDADE. TUTELA ANTECIPADA - REQUISITOS. (...) 3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a sua atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto. 4. Desnecessária a realização de perícia quando as provas acostadas apresentam-se suficientes para o convencimento quanto à real necessidade de uso do medicamento pleiteado. 5. Presente a conjugação dos legais pressupostos a tanto, impõe-se a concessão de tutela antecipada em ação ordinária que visa a percepção de medicamentos especiais. [8]

    AGRAVO DE INS...

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