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3 de Maio de 2024

STF 2022- Ordem para Conceder a Liberdade - Crimes da Lei de Drogas

ano passado

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 221.621 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

PACTE.(S) : PEDRO HENRIQUE COSTA DINIZ

IMPTE.(S) : FERNANDA DRUMOND ALVES DINIZ E

OUTRO (A/S)

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado (AgRg no RHC 168.926/MG - eDOC 12):

AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. TRÁFICO DE DROGAS E DESOBEDIÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. PERICULOSIDADE. APREENSÃO DE DROGAS EM PONTO DE VENDA. RISCO DE REITERAÇÃO. NECESSIDADE DE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Julgados do STF e STJ. 2. No caso, a segregação cautelar foi mantida pelo Tribunal estadual, como forma de garantir a ordem pública, em razão da gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias do flagrante - o acusado foi preso pelos Militares em ponto de venda de drogas, momento em que apreenderam maconha e cocaína. Ademais, conforme consignado pelas instâncias ordinárias, apontaram o risco efetivo de reiteração delitiva, porquanto ostenta outras passagens policiais pela prática do mesmo delito que ora lhe é imputado, bem como responde a ação penal poro crime contra o patrimônio. Prisão preventiva mantida para resguardar a ordem pública. Julgados do STJ. 3. Agravo regimental desprovido.

Alega-se que: a) o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação idônea, pois baseia-se na gravidade abstrata do delito e não demonstra a necessidade da medida extrema; b) não estão presentes os requisitos do art. 312 do CPP; c) o paciente jamais respondeu a qualquer processo criminal referente ao tráfico de drogas; d) o paciente é primário, possui bons antecedentes, trabalho lícito e residência fixa Busca-se, liminarmente, a revogação da prisão preventiva.

A liminar foi indeferida (eDOC 15).

O Juízo de origem prestou informações (eDOC 18).

É o relatório. Decido.

No caso dos autos, a apontada ilegalidade pode ser aferida de pronto.

1. A Constituição da Republica (art. 5º, LXI) assegura que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente" . Nessa toada, percebo que o vício de motivação configura, por si só, constrangimento ilegal, por consubstanciar ato violador do devido processo legal que, dentre outras consequências, subordina a imposição de ordem prisional, de forma expressa, à fundamentação escrita e exarada pela autoridade judiciária competente.

Como se vê, a Constituição elegeu o Princípio do Juiz Natural como critério condicionante à relativização da regra da prisão penal, de modo que, inclusive nos termos da jurisprudência desta Corte, não se admite, com assento no Princípio Acusatório, que o vício de fundamentação seja suprido, de ofício, pelas instâncias superiores:

"É vedada, em habeas corpus, a utilização de fundamentos inovadores, para suprir vício de motivação das instâncias antecedentes, ou justificar a adoção do regime prisional mais gravoso, sob pena de reformatio in pejus. Precedentes." ( HC 122626, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 07.10.2014).

"Não cabe às instâncias superiores, em sede de habeas corpus, adicionar novos fundamentos à decisão de primeiro grau, visando a suprir eventual vício de fundamentação. Precedentes." ( HC 113945, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 29.10.2013, grifei)

"Uma vez que não cabe, em sede de habeas corpus, agregar fundamentos inovadores para complementar deficiência de fundamentação na dosimetria da pena, sua legalidade deve ser aferida estritamente à luz da motivação empregada na sentença." ( RHC 123529, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 30.09.2014).

Ademais, tal proceder, por importar gravame à situação processual do paciente, revela-se incompatível com a razão de ser do habeas corpus, garantia constitucional de mão única dirigida à proteção do cidadão em face do arbítrio estatal. De tal forma, não é razoável que o Estado-Juiz fortaleça o poderio persecutório estatal por meio da utilização deturpada de garantia posta à disposição do indivíduo.

Feitas tais considerações, enfatizo que não é dado ao Supremo Tribunal Federal, ao se deparar com panorama processual que atinja ilicitamente a liberdade do paciente em razão de fundamentação deficiente e com a finalidade inconfessável de justificar o meio pelo fim, mergulhar no conjunto probatório do caso concreto com o nítido intuito de amealhar razões que desbordem da decisão atacada, visto que, ainda que se verifiquem fundamentos aptos a amparar a custódia ante tempus, a fundamentação inidônea constitui, isoladamente, constrangimento ilegal sanável via habeas corpus.

2. No caso específico, a custódia cautelar do paciente foi imposta em primeiro grau de jurisdição nos seguintes termos (eDOC 9, p. 1/3 - grifei):

Conforme narrativas do APFD, no dia dos fatos, Policiais Militares estavam realizando incursão nos locais conhecidos como ponto de tráfico de drogas, dentre eles a residência de Arthur Fernandes da Silva, situada à rua Bernardo Mascarenhas, nº 264, bairro Bela Vista, vez que existiam informações no sentido de que há aproximadamente 01 (um) mês, Arthur estaria realizando a comercialização de drogas na modalidade "delivery", recrutando, inclusive, outros indivíduos para auxiliá-lo. Consta que foi possível perceber que Arthur saiu da casa, na companhia do flagranteado, Pedro Henrique Costa Diniz, indivíduo conhecido do meio policial que, ao perceber a aproximação da viatura, assumiu a condução de uma motocicleta e tentou empreender fuga, desrespeitando as ordens de parada emanadas pelos Militares e transitando, de maneira imprudente, por diversas ruas dos bairros Vila de Lourdes e Bela Vista. Em determinado momento da perseguição, o autuado se desequilibrou da moto e caiu ao solo, passando a correr para se desvencilhar da abordagem policial. Foi relatado que enquanto corria, Pedro Henrique se desfez de uma bolsa pequena onde tinha os dizeres "PARIS SAINT- GERMAIN", que portava a "tira-colo", sendo constado que em seu interior continha 04 (quatro) tabletes maiores, de maconha, já embalados e prontos para o comércio; 01 (um) papelote de cocaína "escama de peixe", também já "dolado", bem como 01 (um) telefone celular. Pedro foi encontrado escondido embaixo de uma cama, dentro da casa de um popular.

Ressai, do expediente flagrancial, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, conforme declarações do Policial Condutor, as quais são corroboradas pelos demais depoimentos acostados aos autos, bem como os Exames Preliminares de Drogas de Abuso.

A gravidade que se delineia no caso concreto é patente, já sabido que o tráfico, além de difundir a droga no meio social, arruinando a saúde pública e os pilares da família, fomenta a prática de uma série de outros delitos tão graves quanto, em afronta direta aos mecanismos de segurança próprios do Estado, gerando na sociedade verdadeiro sentimento de medo e aversão, notadamente considerando que as circunstâncias do flagrante indicam o possível envolvimento contumaz do autuado , Pedro Henrique, com o tráfico de drogas, vez que além de ter sido preso em local indicado pelos Militares como ponto de venda de drogas, na posse de variedade de entorpecentes já "dolados" e prontos para a comercialização, da análise da CAC e FAC do flagranteado, acostadas, respectivamente, aos ID’s 9548849424 e 9548826102, extrai-se que o mesmo ostenta outras passagens policiais pela suposta prática do mesmo delito que ora lhe é imputado, bem como responde a ação penal, em que lhe é imputado crime contra o patrimônio (furto), fatos que acenam para a continuidade das práticas ilícitas, caso seja colocado em liberdade, e denotam, deste modo, a periculosidade do conduzido e o risco de reiteração delitiva, vulnerando, sobremaneira, a garantia da ordem pública, sendo, por isso, impositiva a manutenção do acautelamento .

Outrossim, a prisão preventiva, tendo como fundamentos a garantia da ordem pública e para se assegurar a aplicação da lei penal, visa impedir que o agente, solto, continue a praticar delitos, existindo, pois, evidente perigo social decorrente da demora em se aguardar o provimento definitivo.

A gravidade do delito, a forma de seu cometimento, bem como a repercussão social do mesmo estão inseridas no contexto da ordem pública, conforme leciona Guilherme Nucci:

"Entende-se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, via de regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave de repercussão social, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando aqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao judiciário determinar o recolhimento do agente. A garantia da ordem pública deve ser visualizada pelo binômio gravidade da infração + repercussão social.

E ainda:

"Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a garantia da ordem pública, evitando-se, com a medida, que o delinqüente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Mas o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a cautelar a meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime e sua repercussão (...)."(Júlio Fabrini Mirabete,"in"Código de Processo Penal Interpretado, 5a edição, São Paulo, Editora Atlas, p. 414).

Assim, ante a materialidade das infrações e os suficientes indícios da autoria, constatada a necessidade de garantia da ordem pública e para se assegurar a aplicação da lei penal, perfazem-se presentes os requisitos e fundamentos autorizadores da prisão cautelar, nos termos do art. 312, do Código de Processo Penal, não sendo cabível a concessão da liberdade provisória.

Evidente, também a condição de admissibilidade disposta no art. 313, I do CPP.

O pedido de revogação da prisão preventiva foi indeferido nos seguintes termos (eDOC 23, p. 5/6):

No caso dos autos, o requerente teve a prisão em

flagrante convertida em preventiva, para a garantia da ordem pública.

Verifica-se que entre a decretação do acautelamento preventivo até a data de hoje, não trouxe, o requerente, quaisquer elementos novos que alterem a situação fática ensejadora da prisão, encontrando-se preenchidos, ainda, os requisitos descritos nos arts. 312 e 313, do Código de Processo Penal.

Frise-se que não se mostra suficiente, neste momento, a adoção de medidas cautelares diversas, em atenção às circunstâncias do caso, devendo ser destacado, ainda, que os argumentos expostos pela Defesa, no que diz respeito à reprimenda eventualmente imposta, caso o acusado seja condenado, relacionam-se com o mérito do feito, sendo prematura correlata análise, neste momento processual.

Ressalte-se, por fim, que a primariedade, bem como o fato do requerente possuir residência fixa, não induz, necessariamente, à concessão da liberdade provisória, sendo este o entendimento do nosso Tribunal" ad quem ", bem como dos Tribunais Superiores.

Isso posto, e por tudo mais que dos autos consta, mantenho a decisão que decretou a prisão preventiva de Pedro Henrique Costa Diniz e indefiro o pedido de revogação.

Ao prestar informações, o Juízo de origem esclareceu que"a) o paciente foi denunciado pela suposta prática do art. 33, da Lei nº 11.343/06; b); quanto a determinação para que este juízo preste esclarecimentos sobre a vida pregressa do paciente, verifica-se da CAC e FAC que seguem anexas, em documentos apartados, que Pedro Henrique ostenta uma ação penal em Penal (sic) ; c) o exame toxicológico definitivo, de ID 9590938412, pág. 7, constatou a presença da cocaína; o exame toxicológico definitivo, de ID 9590938412, pág. 9, objetivado a detectar a presença de ‘canabinoides’ em material vegetal, constatou a maconha"(eDOC 18, p. 5/6).

Segundo consta do laudo pericial, foram apreendidos 0,79g de cocaína e 45,83g de maconha (eDOC 25).

Nesse contexto, ao contrário do que aduz o magistrado, as circunstâncias do caso concreto não são capazes de comprovar o grave risco à ordem pública. A uma, porque o delito imputado ao paciente foi cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. A duas, porque a imputação de crime de furto em ação penal diversa, relativa a fatos ocorridos em 2018, não guarda relação com o crime de tráfico e não comprova contumácia delitiva. A três, porque a quantidade e variedade de entorpecente apreendido não denota crime de especial gravidade concreta a justificar a segregação cautelar antecipada.

Nesse sentido, esta Corte, reiteradamente, tem considerado ilegal fundamentação que, centrada em quantidade/qualidade de droga semelhante a do presente caso, repercutiu em restrição cautelar da liberdade do paciente. Vejamos: HC 112.766/SP, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, (164,6 g de maconha), julgado em 06.11.2012; HC 140.454-MC/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski (43 g de maconha), DJe 28.04.2017; HC 143.147/SP, Rel. Min. Roberto Barroso (158 g de cocaína), DJe 15.05.2017; HC 144.199/AM, Rel. Min. Alexandre de Moraes (3 g de maconha; 2 g de cocaína e 2 g de crack), DJe 08.11.2017.

Assim, conforme consta dos autos, o paciente é primário e possui bons antecedentes, condição que, aliada à ausência de especial periculosidade do fato em apuração, não satisfaz o juízo de proporcionalidade apto a legitimar a medida excepcional da prisão cautelar.

Por fim, consigno que a cláusula do devido processo legal substantivo (art. , LIV, CF) orienta que as restrições às liberdades individuais pelo poder punitivo do Estado devem ocorrer somente na medida do necessário para o atingimento da finalidade almejada. Nesse sentido, a prisão preventiva é medida de ultima ratio, a ser aplicada somente quando as medidas cautelares dela diversas revelarem-se concretamente inadequadas (art. 282, § 6º, CPP). Contudo, no caso dos autos, o decreto preventivo não explicita as razões pelas quais medidas cautelares diversas da prisão seriam insuficientes (art. 310, II, CPP).

Diante do exposto, impõe-se a restituição do estado de liberdade do paciente .

3. Dessarte, com base no art. 192 do RISTF, concedo a ordem para o fim de determinar a imediata soltura do paciente Pedro Henrique Costa Diniz (autos 5004475-60.2022.8.13.0209), salvo se preso por outro motivo, sem prejuízo da imposição, pelo Magistrado de primeiro grau, se assim entender pertinente, das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.

Comunique-se, com urgência, ao Juízo da causa, a quem incumbirá o implemento desta decisão.

Oficie-se ao TJMG e ao STJ, dando-lhes ciência desta decisão.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 1º de dezembro de 2022.

Ministro EDSON FACHIN

Relator

Documento assinado digitalmente

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(STF - HC: 221621 MG, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 01/12/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 06/12/2022 PUBLIC 07/12/2022)

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