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3 de Maio de 2024
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    STF 2024 - Denúncia Oferecida com Base em Inquérito Arquivado - Nulidade - Exigência de Prova Nova

    há 11 dias

    Inteiro Teor

    HABEAS CORPUS 233.259 RIO DE JANEIRO

    RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

    DECISÃO: Trata-se de habeas corpus , com pedido de medida liminar, impetrado em favor de Marcelo XXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral, assim sintetizado:

    RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . TÍTULO JUDICIAL SUPERVENIENTE. PERDA DO OBJETO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO.

    SÍNTESE DO CASO

    1. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro denegou a ordem de habeas corpus impetrado para trancar as investigações criminais então em curso contra o recorrente, afirmando a competência da Justiça Eleitoral e determinando o prosseguimento das investigações.

    2. O MPE manifestou-se pelo arquivamento dos autos com relação aos crimes eleitorais, o que foi confirmado pela 2a CCR/MPF em 9.8.2021. O Juízo Zonal acolheu a promoção pelo arquivamento em 2.9.2021.

    3. O STF afirmou a competência da Justiça Eleitoral para o processamento e para o julgamento dos crimes eleitorais e dos crimes comuns a eles conexos no âmbito das Reclamações 46.389/RJ (19.4.2021), 45.439/RJ (18.8.2021) e 49.739/RJ (18.10.2021).

    4. O MPE promoveu novas diligências e, reputando presente justa causa, ofereceu nova denúncia contra o recorrente, recebida pelo Juízo Zonal em 26.1.2023.

    ANÁLISE DO RECURSO

    5. O habeas corpus foi originariamente impetrado para trancar investigação criminal. A decisão judicial que então se impugnava está atualmente superada por novo título judicial, qual seja, a decisão que recebeu denúncia e instaurou processo penal em que o recorrente figura, agora, na condição de réu.

    6. Hipótese de superveniência de novo título judicial a exigir nova impetração e a acarretar perda do objeto e impossibilidade de conhecimento do recurso em habeas corpus.

    CONCLUSÃO

    Recurso em habeas corpus não conhecido em razão da perda superveniente de objeto". (eDOC 12, pp. 113-114)

    O impetrante narra que, em 7.11.2018, foi deflagrada a" Operação QG da Propina ", baseada em acordo de colaboração premiada firmado entre o MPF e o doleiro Sérgio XXXXXXX. A investigação tinha por objeto a apuração de crimes supostamente cometidos no âmbito da prefeitura do Rio de Janeiro (eDOC 1, p. 1).

    Em 22.12.2020, o paciente foi preso preventivamente por suposto envolvimento nos delitos de organização criminosa (art. , §§ 3º e , II, da Lei 12.850/2013), lavagem de dinheiro (art. , § 4º, da Lei 9.613/1998) e corrupção passiva (317, caput e § 1º, do Código Penal).

    Com o encerramento do mandato, a competência foi declinada para a 1a Vara Criminal Especializada da Capital/RJ.

    Em 20.4.2021, a defesa de um dos investigados ajuizou reclamação perante o Supremo Tribunal Federal ( Rcl 46.389/RJ). Os autos foram a mim distribuídos e acolhi a pretensão para determinar a remessa dos autos à Justiça Eleitoral, permitindo a convalidação dos atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente.

    Em cumprimento da decisão, o feito foi encaminhado ao Juízo da 16a Zona Eleitoral. Naquele âmbito, o Ministério Público eleitoral promoveu o arquivamento do processo apenas em relação aos alegados crimes eleitorais.

    Por conseguinte, o magistrado eleitoral remeteu os autos à 2a

    Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que se pronunciou pela manutenção do arquivamento e pelo envio dos autos à justiça comum estadual.

    A defesa do paciente, manejou nova reclamação perante o STF ( Rcl 45.439/RJ), na qual reafirmei a competência da justiça eleitoral para processar e julgar o feito.

    Posteriormente, a 16a Zona Eleitoral determinou o arquivamento do processo quanto aos crimes eleitorais, bem como o envio dos autos à justiça comum federal em relação aos crimes remanescentes.

    Outra reclamação foi apresentada pela defesa do paciente ( Rcl 49.739/RJ). Acatei o pedido para, uma vez mais, reiterar a competência da justiça eleitoral para processar e julgar os delitos eleitorais e os conexos a eles.

    Paralelamente, o paciente impetrou habeas corpus perante o Tribunal Regional Eleitoral, denegado, para trancar as investigações. Contra tal decisão, interpôs recurso ordinário junto ao Tribunal Superior Eleitoral.

    Antes do julgamento do referido recurso, o Ministério Público eleitoral, em 12.12.2022, ratificou a denúncia originariamente formulada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, em 15.12.2022, ofereceu nova denúncia com a imputação da prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, anteriormente arquivado.

    O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o recurso ordinário em habeas corpus , dele não conheceu ante a perda superveniente de objeto (eDOC 12, pp. 113-145). Daí a presente impetração.

    Nesta Corte, o paciente alega a nulidade: (i) da posterior ratificação, pelo Ministério Público eleitoral, da denúncia outrora oferecida pelo Ministério Público estadual (eDOC 1, p. 5); e (ii) da nova denúncia oferecida pelo Ministério Público eleitoral (p. 8).

    Requer, liminarmente, a suspensão do curso da" ação penal nº 0600108-60.2021.6.19.0016, em trâmite perante o juízo da 16a Zona Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro - RJ, até o julgamento do mérito do presente habeas corpus "(p. 13). No mérito, pugna pelo trancamento da mencionada ação penal.

    Solicitei informações à 16a Promotoria Eleitoral do Ministério Público do Rio de Janeiro e ao Juízo da 16a Zona Eleitoral daquele mesmo Estado (eDOC 16), às quais foram prestadas (eDOC 27 e eDOC 24, respectivamente), após reiteração de pedido (eDOC 21).

    É o relatório.

    Decido.

    Os impetrantes se insurgem contra a ratificação (em 12.12.2022, eDOC 4), pelo Ministério Público eleitoral, da denúncia inicialmente oferecida (em 17.12.2020, eDOC 2) pela Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. A denúncia havia sido oferecida contra o paciente e outros 25 (vinte e cinco) coacusados, pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317, caput e § 1º, do CP), corrupção ativa (art. 333, caput e parágrafo único, do CP), lavagem de dinheiro (art. , § 4º, da Lei 9.613/1998) e organização criminosa (artigos , § 1º; , § 3º; e 4º, II, da Lei 12.850/2013).

    Questionam também a nova denúncia apresentada (em 15.12.2022, eDOC 3) pelo mesmo Parquet eleitoral - em desfavor do paciente e outros 7 (sete) coacusados - relativamente ao delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, c/c o art. 29 do CP.

    Acolho em parte a pretensão aduzida neste writ.

    Da alegada nulidade da ratificação da denúncia

    Os impetrantes sustentam que a denúncia originariamente oferecida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro - e depois ratificada pelo Ministério Público eleitoral - seria nula em virtude da ilegitimidade de parte.

    Arguem que" o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas ocasiões, fixou a competência da Justiça Eleitoral para o processamento e julgamento da presente ação penal ". Logo, o Parquet estadual careceria de atribuição para oferecer a inicial acusatória (eDOC 1, p. 5).

    Ademais," ainda que se entenda pela possibilidade de ratificação da denúncia, é certo que tal ratificação deveria ter sido realizada pelo Ministério Público Eleitoral no primeiro momento em que foi oportunizada a manifestação do órgão "(p. 6).

    Entendo não assistir razão aos impetrantes.

    Não há qualquer nulidade no fato de a denúncia ter sido originalmente oferecida pela Subprocuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em 17.12.2020 (eDOC 2) e, depois, em decorrência da mudança superveniente de competência do órgão julgador, ter sido ratificada pelo Ministério Público eleitoral em 12.12.2022 (eDOC 4). Uma vez reconhecida a competência da justiça eleitoral para apreciar o feito, a ratificação da denúncia ou o oferecimento de nova peça acusatória é atribuição do órgão ministerial que atua perante o juízo competente.

    Ao acolher o pedido de remessa dos autos para a Justiça Eleitoral, na RCL 46.389, afirmei que o juízo competente poderia convalidar os atos decisórios, nos termos do art. 567 do CPP. O dispositivo também autoriza a convalidação da denúncia pelo órgão competente do Ministério Público, até porque não faria sentido admitir a convalidação de atos judiciais, mas rejeitar essa possibilidade para as manifestações do Ministério Público.

    Inexistem, portanto, óbices legais para que o oferecimento da denúncia seja ratificado por membro do Parquet eleitoral com atribuição para desencadear o processo crime.

    Na situação em comento, a denúncia foi confirmada por cinco promotores eleitorais, que postularam a"ratificação de todos os atos decisórios proferidos pelo Órgão jurisdicional competente, à época, bem como de todas as medidas cautelares instrumentais"(eDOC 4, p. 3).

    Além disso, é descabido o argumento de que a ratificação deveria ter ocorrido na primeira oportunidade em que o Ministério Público eleitoral se manifestou nos autos (eDOC 5, p. 9).

    A ratificação da denúncia é espécie de aditamento impróprio e

    ocorre nos casos em que," apesar de não se acrescentar um fato novo ou outro acusado, busca-se corrigir alguma falha na denúncia, seja através de retificação, ratificação , suprimento ou esclarecimento de algum dado narrado originariamente na peça acusatória "(in LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único - 11 ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Ed. JusPodvim, 2022, p. 343). Ela também acontecerá quando" a alteração da competência do Juiz conduza à necessidade de ratificação de todos os atos, inclusive os praticados por um promotor agora considerado sem atribuições para tanto . É a situação prevista no art. 108, § 1º, do CPP"(in LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal - 20 ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 262).

    O entendimento tanto jurisprudencial quanto doutrinário é de que o aditamento deverá ser realizado antes da sentença, observados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa :

    "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS . CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. WRIT SUCEDÂNEO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE VÍCIO NO ADITAMENTO À DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO NÃO CONFIGURADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. 1. Inadmissível o emprego do habeas corpus como sucedâneo de recurso ou revisão criminal. Precedentes. 2. A orientação de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os vícios alegados na denúncia ficam superados com a superveniência da sentença penal condenatória, independentemente do momento processual em que tais vícios foram arguidos. Precedentes. 3. Não há falar em arquivamento implícito, porquanto, na linha da jurisprudência desta Suprema Corte, a denúncia pode ser aditada a qualquer tempo antes da sentença final, assegurado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Precedente . 4. O trancamento da ação penal ou de inquérito policial pela via do habeas corpus somente é admitido em situações excepcionalíssimas, quando envolvida a percepção, de plano, (i) da atipicidade da conduta, (ii) da incidência da causa de extinção punibilidade ou (iii) da ausência de indícios de autoria e materialidade. Precedentes. 5. Agravo regimental conhecido e não provido". ( HC 202.728 AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe-190, 23.9.2021)

    Assim, rejeito a suscitada nulidade de ratificação da denúncia.

    Da alegada nulidade da nova denúncia oferecida pelo Ministério Público eleitoral. Arquivamento anterior das investigações sobre o crime eleitoral.

    Os impetrantes sustentam que" o Parquet não poderia, sem qualquer fato novo, ter apresentado essa nova denúncia para imputar ao defendente a prática de delitos em relação aos quais havia promovido o arquivamento "(eDOC 1, p. 8).

    Tal atuação, no entender da defesa, ofenderia o disposto no art. 18 do CPP ("Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia") e no Enunciado 524 da Súmula desta Corte ("Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas").

    No caso, após o declínio da competência para a justiça eleitoral, o Ministério Público lá oficiante promoveu o arquivamento do processo exclusivamente em relação ao crime eleitoral. Essa conclusão foi confirmada pela 2a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público federal, em 13.8.2021 (eDOC 7).

    Entretanto, em 15.12.2022, a 16a Promotoria Eleitoral ofereceu

    denúncia contra o paciente e 7 (sete) coacusados, como incursos nas penas do art. 350 do Código Eleitoral, c/c o art. 29 do CP (eDOC 3, p. 8).

    Considerando o argumento de que as investigações sobre o suposto delito eleitoral teriam sido desarquivadas sem que tivessem surgido provas novas, oficiei àquela promotoria e ao Juízo da 16a Zona Eleitoral do Rio de Janeiro para que apresentassem informações sobre:"1) quais diligências foram realizadas antes do desarquivamento das investigações; 2) qual o resultado dessas diligências"(eDOC 16).

    O juízo eleitoral nada mencionou a respeito (eDOC 24). Por outro lado, a promotoria eleitoral assinalou não ter havido o arquivamento de inquérito policial instaurado para investigar o crime eleitoral. Por isso, refuta a alegação de desarquivamento (eDOC 27).

    Reputo assistir razão aos impetrantes.

    A Súmula 524 do STF disciplina o exercício da ação penal fundado em inquérito arquivado.

    Ao examinar os autos, não identifico o surgimento de provas novas que pudessem justificar o desarquivamento da investigação sobre o delito eleitoral e o consequente oferecimento da nova denúncia.

    Nas informações prestadas, a 16a Promotoria Eleitoral do Rio de Janeiro afirmou que a convicção ministerial foi formada a partir das provas já existentes nos autos . Afirma também que não teria havido arquivamento de inquérito policial para investigar o art. 350 do Código Eleitoral, uma vez que ele foi instaurado após o pronunciamento deste relator nos autos da Rcl 49.739/RJ. Transcrevo:

    "A Exma. Promotora Eleitoral designada para atuar na 16a Promotoria Eleitoral à época dos fatos , por entender que não havia elemento de prova que conduzisse à conclusão da efetiva utilização do dinheiro recebido em campanha eleitoral, requereu o arquivamento dos autos em relação aos crimes eleitorais e a remessa do feito à justiça comum estadual para prosseguimento da ação penal referida. Tal providência foi devidamente submetida e homologada pela Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal .

    Na sequência, nos autos da Reclamação 49.739/RJ, sobreveio a determinação de remessa definitiva dos autos à Justiça Eleitoral em 18 de outubro de 2021 sob o argumento de que ‘as condutas apontadas ao reclamante se amoldam aos termos do delito descrito no artigo 350 do Código Eleitoral e (...) não caberia ao Ministério Público do Rio de Janeiro ignorar os indícios desses crimes’.

    Com o retorno dos autos outro integrante do Ministério Público, em exercício da função eleitoral, requisitou, em abril de 2022, a instauração de Inquérito Policial indicando as diligências que entendia cabíveis acerca da prática do crime previsto no artigo 350 do Código Eleitoral (‘caixa dois’), em tese, supostamente cometidos pelos noticiados.

    Contudo, em dezembro de 2022, novos integrantes do Ministério Público Eleitoral , designados junto à 16a Promotoria Eleitoral, ratificaram a inicial acusatória oferecida pela Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e ofereceram denúncia pela prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral por entenderem que havia elementos suficientes de autoria e materialidade nos autos do processo judicial , conforme bem destacado pelo Ministro Relator.

    Não foi necessário o aguardo das investigações no âmbito do inquérito policial, pois a formação da opinio ministerial se fez com a prova já existente nos autos do processo judicial . Registre-se, portanto, que nunca houve o arquivamento de inquérito policial instaurado para investigar o art. 350 do Código Eleitoral, daí não ter sido o mesmo ‘desarquivado’ . A manifestação do Ministério Público, quando recebeu pela primeira vez os autos oriundos da Vara Criminal especializada, repita-se, se baseou apenas na prova dos autos. Tanto assim, que a ratificação e a nova denúncia foram fundamentadamente recebidas pelo juízo da 16a Zona Eleitoral, ambas tendo em conta o contido no processo judicial .

    Nesta esteira, equivoca-se o impetrante ao dizer que, antes de denunciar, deveria o Ministério Público Eleitoral ter desarquivado o inquérito policial referido. Isso porque, não ocorreu o arquivamento do mesmo. Este somente foi instaurado após a determinação de prosseguimento do feito por decisão tomada nos autos da Reclamação 49.739/RJ. Assim, como é intuitivo, não há como desarquivar o que não fora arquivado . E ainda que tenha havido o movimento do Ministério Público Eleitoral no sentido da instauração do inquérito policial, cabe ressalvar que o Parquet tem autonomia funcional para fazer suas manifestações. Não há regra que determine que a ação penal seja proposta tão somente após o fim da investigação policial. Em suma, o Ministério Público Eleitoral não está restrito à investigação policial para a formação de sua convicção, desde que peças de informação baseiem a sua opinio delicti". (eDOC 27, pp. 1-2, grifei)

    As conclusões do eminente promotor colidem com dados constantes dos autos. O documento eDOC 8, p.7, indica que, em 2.9.2021, o Juízo Eleitoral da 16a Zona Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro atendeu"A DELIBERAÇÃO DA SEGUNDA CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em obediência estrita ao que dispõe o artigo 28, in fine , do Código de Processo Penal em vigor, com o ARQUIVAMENTO DO FEITO QUANTO A CRIMES ELETORAIS". Infere-se, portanto, ter havido a homologação judicial de arquivamento promovido pelo Ministério Público.

    Ademais, a citada Rcl 49.739/RJ somente foi ajuizada no Supremo em 30.9.2021, ou seja, posteriormente ao suposto arquivamento. Assim, se instaurada nova investigação, esta deveria decorrer de fatos novos.

    Já tive a oportunidade de me pronunciar sobre o tema, por ocasião do julgamento da Rcl 20.132 AgR-Segundo/SP, cujo voto-vista foi acatado pela maioria da Turma:

    "De acordo com o art. 18 do CPP, após o arquivamento do inquérito por falta de provas, pode-se proceder ‘a novas pesquisas’ se de outras provas houver notícia:

    ‘Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia’.

    Contrario sensu, a reabertura da investigação não pode decorrer da simples mudança de opinião ou reavaliação da situação. É indispensável que haja novas provas ou, ao menos, novas linhas de investigação em perspectiva.

    Tampouco, é possível a reabertura de investigações para aprofundar linhas de investigação que já estavam disponíveis para exploração anterior. O arquivamento da investigação, ainda que não faça coisa julgada, é um ato sério, que só pode ser revisto com motivos igualmente sérios e surgidos posteriormente.

    No presente caso, com a devida vênia do entendimento do Relator, tenho que a reabertura das investigações decorreu do puro e simples inconformismo com o arquivamento requerido pelo Procurador-Geral da República, sem que uma linha de investigação nova tenha surgido após o arquivamento". ( Rcl 20.132 AgR-Segundo/SP, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 28.4.2016, grifei)

    O reenquadramento dos fatos ou a mudança de opinião do órgão

    acusador não autorizam o desarquivamento do inquérito. É necessário, como dito, que surjam provas novas para a reabertura das investigações.

    Nesse mesmo sentido, destaco a lição de Renato Brasileiro de Lima:

    "Perceba-se, então, que uma coisa é o desarquivamento do inquérito policial, cujo pressuposto é tão somente a notícia de provas novas; outra coisa é o ulterior oferecimento da denúncia, que somente será possível caso as investigações sejam capazes de introduzir nos autos provas novas propriamente ditas . Para o desarquivamento do inquérito policial, é necessária apenas a existência de notícia de provas novas, tal qual prevê o art. 18 do CPP. Lado outro, para que o Ministério Público possa oferecer denúncia, é indispensável a existência de provas novas, nos termos da Súmula n. 524 do Supremo. Assim, enquanto o art. 18 do CPP regula o desarquivamento de inquérito policial, quando decorrente da carência de provas (falta de base para a denúncia), só permitindo o prosseguimento das investigações se houver notícia de novas provas, a Súmula 524 cria uma condição específica para o desencadeamento da ação penal, caso tenha sido antes arquivado o procedimento, qual seja, a produção de novas provas.

    Como observa Afrânio Silva Jardim, é lógico que o desarquivamento pode ensejar a imediata propositura a ação penal, se as novas provas tornarem dispensável qualquer outra diligência policial, mas isso não significa que esses dois momentos - o desarquivamento e a apresentação da demanda - possam ser confundidos. O desarquivamento do inquérito policial constitui tão-só uma decisão administrativa de natureza persecutória, no sentido de alterar os efeitos do arquivamento; enquanto este tem como consequência a cessação das investigações, aquele tem como efeito a retomada das investigações inicialmente paralisadas pela decisão de arquivamento. Sem notícia de prova nova, o inquérito policial não pode ser desarquivado; sem produção de prova nova, não pode ser oferecida a denúncia.

    Mas o que se entende por provas novas, capazes de autorizar o oferecimento de denúncia, mesmo após o inquérito já ter sido arquivado por ausência de lastro probatório? Provas novas são as que produzem alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito policial. De acordo com a doutrina, há duas espécies de provas novas :

    a) Substancialmente novas: as que são inéditas, ou

    seja, desconhecidas até então, porque ocultas ou ainda inexistentes. Suponha-se que a arma do crime, até então escondida, contendo a impressão digital do acusado, seja encontrada posteriormente;

    b) Formalmente novas: as que já são conhecidas e até

    mesmo foram utilizadas pelo Estado, mas que ganham nova versão , como, por exemplo, uma testemunha que já havia sido inquerida, mas que altera sua versão porque fora ameaçada quando do primeiro depoimento.

    Nessa linha, como se pronunciou o STJ, ’três são os requisitos necessários à caraterização da prova autorizadora do desarquivamento de inquérito policial (artigo 18 do CPP): a) que seja formalmente nova, isto é, sejam apresentados novos fatos, anteriormente desconhecidos; b) que seja substancialmente nova, isto é, tenha idoneidade para alterar o juízo anteriormente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal; c) seja apta a produzir alteração no panorama probatório dentro do qual foi concedido e acolhido o pedido de arquivamento . Preenchidos os requisitos - isto é, tida a nova prova por pertinente aos motivos declarados para o arquivamento do inquérito policial, colhidos novos depoimentos, ainda que de testemunha anteriormente, ouvida, e diante da retificação do testemunho anteriormente prestado -, é de se concluir pela ocorrência de novas provas, suficientes para o desarquivamento do inquérito policial e o consequente oferecimento da denúncia.

    Destarte, surgindo provas novas, capazes de alterar o contexto probatório dentro do qual foi proferida a decisão de arquivamento, é possível, então que o órgão Ministerial ofereça denúncia em face do agente . É esse o teor, aliás, da Súmula nº 524 do STF (‘Arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a requerimento do Promotor, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas’), a qual, diante da nova redação do art. 28, caput , do CPP, há de ser lida nos seguintes termos: ‘Ordenado o arquivamento do inquérito policial pelo Ministério Público, não poderá o processo penal ser iniciado sem novas provas’. Como se percebe, uma vez arquivado o procedimento investigatório por ausência de lastro probatório quanto à autoria (e/ou materialidade), só é possível o oferecimento de denúncia diante do surgimento de provas novas. Logo, pode-se dizer que, nessa hipótese, essas provas novas funcionam como condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. Caso a denúncia seja oferecida sem a efetiva produção de prova nova, procedendo o juiz ao seu recebimento, é possível a oposição de exceção de coisa julgada formal ( CPP, art. 95, V), assim como a impetração de habeas corpus ". (in Manual de Processo Penal: volume único - 11 ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Ed. JusPodvim, 2022, pp. 224- 225, grifei)

    Por isso, identifico vício insanável na nova denúncia oferecida pelo Ministério Público eleitoral, em 15.12.2022 (eDOC 3).

    Registro, por fim, que a exclusão do delito eleitoral não acarreta a cessação da competência da Justiça Eleitoral para julgamento dos demais delitos imputados na Ação Penal nº 0600108-60.2021.6.19.0016, muito pelo contrário. Na RCL 49.739, afirmei que o arquivamento das investigações pelo crime eleitoral representou tentativa de burla ao precedente firmado pelo STF no INQ 4435. Por isso, o processo deveria permanecer na Justiça Eleitoral, a despeito do arquivamento - arbitrário - do inquérito em relação ao delito do art. 350 do Código Eleitoral.

    Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para trancar, em parte , a Ação Penal nº 0600108-60.2021.6.19.0016, exclusivamente quanto ao delito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral.

    No entanto, reafirmo a competência da Justiça Eleitoral para julgar a Ação Penal nº 0600108-60.2021.6.19.0016, como decidido na RCL 49.739.

    Oficie-se ao TSE e ao TRE/RJ.

    Atribuo à presente decisão força de mandado/ofício.

    Intimem-se.

    Brasília, 28 de janeiro de 2024.

    Ministro GILMAR MENDES

    Relator

    Documento assinado digitalmente

    (STF - HC: 233259 RJ, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 28/01/2024, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 29/01/2024 PUBLIC 30/01/2024)

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