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5 de Maio de 2024

STF Nov22 - Dosimetria Irregular - delito tributário

ano passado

Inteiro Teor

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 218.888 PE RNAMBUCO

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

AGTE.(S) : JOSE ADERVAL CLEMENTE

ADV.(A/S) : CELIO AVELINO DE ANDRADE E OUTRO (A/S)

AGDO.(A/S) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão por mim proferida nestes autos (doc. eletrônico 22).

Neste recurso, a defesa, em síntese, reitera os argumentos veiculados na petição inicial, requerendo, ao final, a reconsideração da decisão agravada "para admitir o writ e conceder a ordem de habeas corpus , ou, se assim não entender, que submeta o presente recurso à judiciosa apreciação da Segunda Turma desse egrégio Pretório Excelso". (doc. eletrônico 23).

Em ambiente virtual, apresentei voto pela manutenção da decisão de negativa de seguimento ao habeas corpus , por não vislumbrar nenhuma ilegalidade ou teratologia no ato impugnado que justificasse a atuação desta Suprema Corte, especialmente porque a pena de 4 anos de 2 meses de reclusão, num patamar que varia de 2 a 5 anos, encontrava-se proporcional ao caso em apreço.

Em seguida, o Ministro Gilmar Mendes pediu destaque para que o processo fosse levado a julgamento em sessão presencial da Segunda Turma desta Suprema Corte.

Na Sessão de 25/10/2022, diante dos valiosos fundamentos apresentados por Sua Excelência em seu voto previamente distribuído aos integrantes daquele Colegiado, solicitei a retirada do processo de mesa para melhor análise das questões envolvidas.

É o relatório. Decido.

Pois bem. A decisão agravada possui o seguinte teor:

"Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal Justiça - STJ, que negou provimento ao Agravo Regimental no Agravo Regimental no AREsp 497.989/PE, assim ementado, no que importa:

‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. , II E V, DA LEI N. 8.137/1990. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. MERA TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. ACÓRDÃO EM HABEAS CORPUS COMO PARADIGMA. IMPOSSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÃO APÓS SENTENÇA CONDENATÓRIA. NÃO CABIMENTO. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

[...]

5. De acordo com a orientação jurisprudencial desta Corte, o cálculo da pena é questão afeta à discricionariedade motivada do magistrado, passível de revisão apenas quando ficar evidenciada notória ilegalidade, sem a necessidade de aprofundamento no acervo fático-probatório.

6. No caso, a persuasão racional dos julgadores para fixar o aumento da pena-base não revela flagrante ilegalidade, haja vista a menção à maior reprovabilidade da conduta do agravante.

7. Ademais, ao que se dessume das razões do apelo nobre, verifica-se que ‘o recorrente não explicitou de maneira precisa como se deu a suscitada afronta ao art. 59 do Estatuto Repressivo, limitando-se à alegação genérica de que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal sem a imprescindível fundamentação, o que atrai a incidência do óbice previsto na Súmula 284/STF’ ( AgRg no AREsp n. 237.445/RS, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2017, DJe 29/11/2017).

8. Agravo regimental a que se nega provimento.’

Busca-se a concessão da ordem ‘[...] para realizar a adequação da dosimetria da pena imposta ao paciente, reduzindo a reprimenda aplicada a patamar adequado à jurisprudência desse colendo Pretório Excelso’. (pág. 19 da petição inicial).

É o relatório suficiente. Decido.

Como visto, a defesa volta-se contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ que negou provimento ao Agravo Regimental no Agravo Regimental no AREsp 497.989/PE. No ponto que é objeto desta impetração, aquela Corte pronunciou-se nos seguintes termos:

‘[...]

Por fim, quanto à dosimetria, expus que, na hipótese, ao que se dessumiu das razões do apelo nobre, ‘o recorrente não explicitou de maneira precisa como se deu a suscitada afronta ao art. 59 do Estatuto Repressivo, limitando-se à alegação genérica de que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal sem a imprescindível fundamentação, o que atrai a incidência do óbice previsto na Súmula 284/STF’ ( AgRg no AREsp n. 237.445/RS, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2017, DJe 29/11/2017).

[...]

Sobre o tema, rememoro, ainda, que, de acordo com a orientação jurisprudencial desta Corte, o cálculo da pena é questão afeta à discricionariedade motivada do magistrado, passível de revisão no âmbito desta angusta via apenas quando ficar evidenciada notória ilegalidade, sem a necessidade de maior aprofundamento no acervo fático-probatório.

A ponderação das peculiaridades da causa não se resume a uma simples operação aritmética, uma conta matemática que fixa pesos estratificados a cada uma delas. Tal apreciação enseja um verdadeiro processo que impõe ao magistrado apontar, de forma motivada, as balizas para aplicar a reprimenda que melhor servirá para a prevenção e repressão do fato delituoso.

Ao Superior Tribunal de Justiça cabe a revisão dos casos flagrantemente desproporcionais ou desarrazoados, não lhe competindo a análise de toda irresignação defensiva relativa à fração de aumento ou à redução da pena.

No caso em apreço, a persuasão racional dos julgadores para fixar o aumento da pena-base não revela flagrante ilegalidade, tendo em vista os fundamentos alinhavados a seguir (e-STJ fl. 504):

‘2. No tocante a dosimetria da pena, o pleito recursal também não merece acolhimento .

Considerando-se que o apenamento em abstrato para o delito em apreço é de 02 a 05 anos de reclusão, a condenação em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão , pouco acima do mínimo legal, em face da fundamentação que dá lastro ao édito sentencia, não feriu as disposições estabelecidas nos arts. 59 e 68 do Código Penal , não se olvidando que não se faz necessário, para proceder ao referido aumento, que todas as circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao réu, consoante entendimento jurisprudencial, a saber: ‘ Não há necessidade, para que a pena-base seja superior ao mínimo legal, de que todas as circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao condenado . Exige-se, tão-somente, ao se observar o critério legal, fundamentação válida para a exacerbação do quantum inicial (...).’ ( EDcl no HC 28619/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2004, DJ 23/08/2004, p. 256)

In casu , observo que o togado monocrático sopesou com acerto as circunstâncias judiciais, ao considerar serem desfavoráveis ao condenado. Vejamos:

Conquanto não se verifique a existência de antecedentes criminais, a grande quantidade de autos de infração lavrados contra as empresas que dirigia, demonstra, induvidosamente, que o apenado é pessoa dotada de personalidade voltada para a prática de delitos desse jaez. Além disso, o fato de o acusado, de forma sistemática e premeditadamente, abrir inúmeras empresas, mediante a inclusão meramente formal de pessoas no quadro societário das referidas empresas, por faltar-lhe idoneidade para registrar essas novas empresas, em face de débitos anteriores com o Fisco Estadual, revela elevada culpabilidade.

De igual modo, as circunstâncias do crime não foram favoráveis ao réu, considerando o número de notas fiscais que não foram registradas no livro obrigatório de entrada, presume-se que, também, foram 68 (sessenta e oito) operações de vendas de mercadorias que deixaram de ter o seu registro em livro próprio, configurando elevada supressão de tributo ao Estado, devendo, pois, ser mantida a sanção aplicada, por se mostrar proporcional e razoável. (Grifos no original.)

Ante o exposto, ratifico os termos da decisão de e-STJ fls. 754/760 e nego provimento ao agravo regimental." (págs. 8-10 do doc. eletrônico 9; grifos no original).

Ao comentar o art. 59 do Código Penal, Guilherme de Souza Nucci anota que ‘a culpabilidade prevista nes[s]e artigo é o conjunto de todos os demais fatores unidos: antecedentes + conduta social + personalidade do agente + motivos do crime + circunstâncias do delito + consequências do crime + comportamento da vítima = culpabilidade maior ou menor, conforme o caso’. (In Código Penal comentado. 13. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 427).

Ruy Rosado de Aguiar Júnior, a seu turno, ensina:

‘Ao juiz cumpre avaliar o grau de censurabilidade do réu por adotar um comportamento ilícito, tendo condições de se conduzir de acordo com o direito. [...] O crime representa uma quebra na expectativa de que o agente atenderia ao princípio ético vigorante na comunidade assim expresso na lei; seu ato será tanto mais censurável quanto maior a frustração . A avaliação do juiz ponderará o conjunto dos elementos subjetivos que atuaram para a deflagração do delito, os motivos, os fins, as condições pessoais, analisados de acordo com o sentimento ético da comunidade em relação a tais comportamentos ’. (Aplicação da Pena . 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. Pp. 68-69; grifei).

Depreendo, portanto, que houve motivação adequada para a valoração negativa das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) apontadas no acórdão condenatório, bem como para a escolha da fração de exasperação operada na primeira fase da dosimetria, que levou em conta justamente o maior grau de censurabilidade da conduta do paciente, a partir das consequências do crime.

A propósito, vejam-se os seguintes precedentes desta Suprema Corte:

‘RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. EXASPERAÇÃO. EXCESSO NÃO VERIFICADO. DISCRICIONARIEDADE REGRADA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. RECURSO DESPROVIDO. 1. É razoável a fundamentação que justifica a exasperação da pena-base tendo em vista a constatação de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado e que extrapolam os elementos típicos inerentes à figura penal cominada. 2. Inexiste excesso no quantum da exasperação quando, presentes diversos vetores negativos, a pena foi fixada abaixo do termo médio. Dosimetria efetuada segundo os critérios de discricionariedade regrada que naturam a individualização da pena. 3. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.’ ( RHC 117.806/PE, rel. Min. Marco Aurélio, relator para o acordão Min. Edson Fachin).

‘AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPU S. CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. BIS IN IDEM . INOCORRÊNCIA. REGIME INICIAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Precedentes. 2. Exasperação da pena-base estabelecida dentro da margem de discricionariedade permitida ao julgador e cuja resultante não teve desfecho flagrantemente desproporcional. 3. Para concluir em sentido diverso quanto à exasperação da pena-base, imprescindíveis o reexame e a valoração de fatos e provas, para o que não se presta a via eleita. Precedentes. [...] 7. Agravo regimental conhecido e não provido.’ ( HC 197.390 AgR/SP, rel. Min. Rosa Weber).

‘HABEAS CORPUS . PENAL E CONSTITUCIONAL. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME DE LATROCÍNIO. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. EXASPERAÇÃO DEVIDAMENTE MOTIVADA EM ELEMENTOS IDÔNEOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. I - Embora as instâncias a quo tenham aumentado o quantum de redução decorrente da incidência das atenuantes genéricas de confissão espontânea e menoridade relativa, mantiveram inalterada a pena-base fixada em 25 anos. II - De acordo com a jurisprudência desta Corte, somente em situações excepcionais é que se admite o reexame dos fundamentos da dosimetria levada a efeito pelo juiz a partir do sistema trifásico. Precedentes. III - No caso concreto, não há excepcionalidade a justificar a interferência desta Suprema Corte na fixação da reprimenda básica, tendo em vista que o magistrado sentenciante, ao proceder à análise da primeira fase da dosimetria da pena, considerou desfavoráveis ao paciente quatro das oito circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal (a culpabilidade, a conduta social, a personalidade do agente e os motivos do crime), indicando, adequadamente, os fundamentos justificativos e autorizadores da exasperação realizada, conforme determina os princípios constitucionais da individualização da pena (art. , XLVI, da CF) e da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF). IV - Resta, assim, devidamente motivado o quantum de pena fixado pelo juízo sentenciante de pelos Tribunais posteriores, além de proporcional ao caso em apreço, sendo certo que não se pode utilizar ‘o habeas corpus para realizar novo juízo de reprovabilidade, ponderando, em concreto, qual seria a pena adequada ao fato pelo qual condenado o Paciente’ ( HC 94.655/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia). V - Ordem denegada.’ ( HC 108.023/MS, de minha relatoria).

‘RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. DOSIMETRIA DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CULPABILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. QUANTUM DE DIMINUIÇÃO. FRAÇÃO PROPORCIONAL E ADEQUADA. CAUSA DE

DIMINUIÇÃO DA PENA. APLICAÇÃO DO PATAMAR MÍNIMO DE DIMINUIÇÃO. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. 1. A dosimetria da pena, além de não admitir soluções arbitrárias e voluntaristas, supõe, como pressuposto de legitimidade, adequada fundamentação racional, revestida dos predicados de logicidade, harmonia e proporcionalidade com os dados empíricos em que se deve basear. 2. No caso, o magistrado exasperou a pena-base em decorrência da valoração negativa da circunstância judicial da culpabilidade, com esteio no modus operandi da conduta, dotada de excessiva violência, com destaque para os vários golpes desferidos contra a vítima, que, adormecida, não conseguiu mobilizar qualquer reação a tempo. Fundamentação adequada. 3. A diminuição da pena pela atenuante da confissão em escala adequada à prudente convicção do magistrado não revela arbitrariedade, ilegalidade ou desproporção a justificar qualquer modificação na via estreita do habeas corpus . 4. Indevida a redução da pena no patamar mínimo previsto no homicídio privilegiado sem valoração adequada. 5. Recurso ordinário parcialmente provido.’ ( RHC 130.524/ES, rel. Min. Teori Zavascki).

‘[...]

5. Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, ‘em sede de habeas corpus , a discussão a respeito da dosimetria da pena cinge-se ao controle da legalidade dos critérios utilizados, restringindo-se, portanto, ’ao exame da motivação [formalmente idônea] de mérito e à congruência lógico-jurídica entre os motivos declarados e a conclusão’ ( HC 69.419, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)’ - RHC nº 119.894/BA-AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 10/6/14.

6. Ao juiz compete demonstrar, fundamentadamente, com base empírica idônea, os critérios e as circunstâncias de que se valeu na concretização da pena imposta, notadamente nas hipóteses de grande exasperação, em que a pena é fixada no máximo legal ou próximo a esse limite, a fim de se evitarem soluções arbitrárias ( HC nº 101.118/MS, Segunda Turma, Relator para o acórdão o Ministro Celso de Mello, DJe de 27/8/10).

7. As instâncias ordinárias, após indicarem os vetores que justificavam a exacerbação da pena-base, fixaram-na de forma conglobada, vale dizer, sem especificar o quantum de pena especificamente atribuído a cada um vetores considerados negativos.

8. Esse proceder não viola os princípios da individualização da pena e da motivação (arts. , XLVI, e 93, IX, CF).

9. Para satisfazer ao imperativo de motivar a fixação da pena, ‘a sentença não se há de subordinar necessariamente a fórmulas rígidas, particularmente à compartimentação estanque de sua fundamentação’ ( HC nº 67.589/MS, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 15/12/89).

10. Ainda que recomendável a atribuição de um quantum de pena, isoladamente, a cada vetor considerado na primeira fase da dosimetria, sua inobservância não gera nulidade.

11. Com efeito, a fixação de pena-base conglobada não impede que as instâncias superiores exerçam o controle de sua legalidade e determinem seu reajustamento, se não houver base empírica idônea que confira suporte aos vetores invocados ou se desarrazoada a majoração havida.

12. Na espécie, houve motivação adequada para a valoração negativa da culpabilidade, das circunstâncias do crime e da conduta social do paciente, demonstrando-se, com base em elementos concretos, o maior grau de censurabilidade da conduta, a justificar a acentuada exasperação de sua pena-base.

[...]

20. Ademais, ‘é pacífica a jurisprudência da Corte de

que a via estreita do habeas corpu s não permite que se proceda à ponderação e o reexame das circunstâncias judiciais referidas no art. 59 do Código Penal, consideradas na sentença condenatória’ ( HC nº 120.146/SP, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 22/4/14).

21. Outrossim, o habeas corpus não é meio idôneo ‘para realizar novo juízo de reprovabilidade, ponderando, em concreto, qual seria a pena adequada ao fato pelo qual condenado o paciente’ ( HC 94.655/MT, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 10/10/08; RHC 121.602/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 6/6/14).

[...]

33. Habeas corpus do qual não se conhece.

34. Concessão, de ofício, do writ para decotar o vetor ‘consequências do crime’ da primeira fase da dosimetria da pena do crime descrito no art. 12 da Lei nº 6.368/76, determinando-se ao juízo de primeiro grau que, motivadamente, fixe o quantum correspondente de redução da pena-base e, por via de consequência, redimensione a pena final.’ ( HC 134.193/GO, rel. Min. Dias Toffoli).

No mais, reafirmo ser inviável, na via do habeas corpus , refutar os fundamentos utilizados pela instância antecedente para exasperar a reprimenda do acusado. Este remédio constitucional não se presta para fazer juízo de valor sobre os aspectos fáticos utilizados pelo Juízo de primeira instância e pelo Tribunal de Justiça local para dosar a reprimenda do paciente.

Não vislumbro, nesse contexto, nenhuma ilegalidade ou teratologia no ato impugnado que justifique a atuação desta Suprema Corte, especialmente porque a pena de 4 anos e 2 meses de reclusão, num patamar que varia de 2 a 5 anos, encontra-se proporcional ao caso em apreço.

Certo é que não se pode utilizar ‘o habeas corpus para realizar novo juízo de reprovabilidade, ponderando, em concreto, qual seria a pena adequada ao fato pelo qual condenado o Paciente’. ( HC 94.655/MT, rel. Min. Cármen Lúcia).

Na mesma compreensão, menciono os seguintes julgados: HC 138.168/MG, de minha relatoria; RHC 133.974/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli; HC 130.886 AgR/SP, de relatoria do Ministro Luiz Fux; RHC 131.894 AgR/AM, de relatoria do Ministro Edson Fachin; HC 95.864/SE, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia; e HC 95.679/RJ, de relatoria da Ministra Ellen Gracie.

De resto, esta Suprema Corte também admite impetração de habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal apenas nas hipóteses excepcionais de manifesta ilegalidade ou teratologia, o que, como demonstrado no acórdão questionado, não ocorre na espécie ( vide RHC 118.994/BA, de minha relatoria; HC 116.633/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia; HC 136.558 AgR/AM, rel. Min. Roberto Barroso; RHC 135.548 AgR/MS, rel. Min. Luiz Fux; RHC 125.242 AgR/PA, rel. Min. Celso de Mello).

Isso posto, nego seguimento a este habeas corpus (RISTF, art. 21, § 1º)."

A orientação jurisprudencial desta Suprema Corte é firme no sentido de que somente em situações excepcionais é admissível o reexame dos fundamentos da dosimetria da pena fixada pelo juiz natural da causa a partir do sistema trifásico ( vide HC 108.858/SP, de minha relatoria, Segunda Turma e HC 125.772/PE, rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma).

No caso, contudo, reanalisando os autos com mais verticalidade, chamou-me a atenção a fundamentação genérica adotada pelo Magistrado sentenciante para fixar a pena-base do paciente, in verbis:

"[...]

a) Circunstâncias Judiciais (art. 59, CP):

a.1) culpabilidade: há elevado grau de culpabilidade, vez que o agente praticou a ação de forma consciente, sem nenhum juízo de reprovabilidade da conduta, eis que era ao tempo da infração comerciante, podendo agir de outra forma não o fez. Desfavorável.

a.2) antecedentes: Não há registros de antecedentes. Favorável.

a.3) conduta social: não há informação segura de que o réu mantinha má conduta social anteriormente a este fato. Favorável.

a.4) personalidade: pelo que consta dos autos, o acusado tem sua personalidade voltada para a prática de delitos da mesma natureza, posto que foram lavrados vários autos de infração. Desfavorável.

a.5) motivos do crime: a motivação aparente é a de que não se adéqua à regra de boa convivência social de não obter enriquecimento ilícito. Desfavorável.

a.6) circunstâncias do crime: o crime foi praticado em circunstâncias em que não se evidenciava a necessidade da conduta. Desfavorável.

a.7) consequências do crime: as consequências do crime de sonegação recaem sobre toda a sociedade, principalmente os mais necessitados, já que com a falta de arrecadação de impostos, há menos benefícios sociais implementados. Desfavorável.

a.8) comportamento da vítima: desinfluente.

b) Dosimetria (art. 68, CP):

b.l) pena-base: considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu em cinco itens (a.1, a.4, a.5, a.6 e a.7) sendo que a cada circunstância desfavorável afasta-se mais a pena do quantum mínimo cominado, fixo-a em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 120 dias-multa, fixando o valor do dia-multa em 01 (um) salário mínimo, por entender ser o necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

b.2) atenuantes e agravantes: considerando que o réu confessou a prática do delito perante a autoridade policial, atenuo a pena para 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e pagamento de 100 dias-multa, fixando o valor do dia- multa em 01 (um) salário mínimo.

b.3) causas de diminuição e aumento: não há.

b.4) pena definitiva: fixo-a em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e pagamento de 100 (cem) dias-multa, fixando o valor do dia-multa em 01 (um) salário mínimo vigente na época dos fatos, devidamente atualizado."(págs. 10- 12 do doc. eletrônico 3).

Ve-se que a fundamentação que lastreia a condenação do paciente revela-se insuficiente para a fixação da pena-base em 4 anos e 2 meses de reclusão, mais que o dobro da pena mínima abstratamente prevista para a prática do delito tributário em questão (art. , II e V, da Lei 8.137/1990).

Sendo a culpabilidade do agente a base para a individualização da sanção penal, não poderia o juízo a quo , na análise do art. 59 do Código Penal, avaliar o grau de culpa do paciente a partir do argumento genérico de que"o agente praticou a ação de forma consciente, sem nenhum juízo de reprovabilidade da conduta, eis que era ao tempo da infração comerciante, podendo agir de outra forma não o fez".

Também não cabe aferir negativamente os motivos do crime apontando que o paciente" não se adéqua à regra de boa convivência social de não obter enriquecimento ilícito ".

São igualmente genéricas as circunstâncias de" o crime [ter sido] praticado em circunstâncias em que não se evidenciava a necessidade da conduta ".

A mesma generalidade pode ser constatada, ainda, nas consequências do crime, inferidas a partir do fato de o" crime de sonegação [recair] sobre toda a sociedade, principalmente os mais necessitados, já que com a falta de arrecadação de impostos, há menos benefícios sociais implementados ".

Tais aspectos, com efeito, não constituem fundamentação idônea para exasperar a pena-base na primeira fase da dosimetria.

Conforme assentado em precedente desta Suprema Corte ( HC 69.419/MS, rel. Min. Sepúlveda Pertence),

" A exigência de motivação da individualização da pena - hoje, garantia constitucional do condenado ( CF, arts. , XLVI, e 93, IX)-, não se satisfaz com a existência na sentença de frases ou palavras ou palavras quaisquer, a pretexto de cumpri-la: a fundamentação há de explicitar a sua base empírica e essa, de sua vez, há de aguardar relação de pertinência, legalmente adequada, com a exasperação da sanção penal, que visou a justificar. [...] O mais comum dos vícios da sentença, no ponto, é a utilização de juízos de valor abstratos, sem referir as circunstâncias do caso concreto que os lastreiem. "

Até mesmo os fundamentos adotados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco - TJPE para manter a reprimenda do paciente não foram suficientes para afastar a generalidade utilizada em primeira instância. Veja-se:

"[...]

2. No tocante a dosimetria da pena, o pleito recursal também não merece acolhimento .

Considerando-se que o apenamento em abstrato para o delito em apreço é de 02 a 05 anos de reclusão, a condenação em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão , pouco acima do mínimo legal, em face da fundamentação que dá lastro ao édito sentencia, não feriu as disposições estabelecidas nos arts. 59 e 68 do Código Penal , não se olvidando que não se faz necessário, para proceder ao referido aumento, que todas as circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao réu, consoante entendimento jurisprudencial, a saber: ‘ Não há necessidade, para que a pena-base seja superior ao mínimo legal, de que todas as circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis ao condenado . Exige-se, tão-somente, ao se observar o critério legal, fundamentação válida para a exacerbação do quantum inicial (...).’ ( EDcl no HC 28619/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2004, DJ 23/08/2004,

p. 256) In casu, observo que o togado monocrático sopesou com

acerto as circunstâncias judiciais, ao considerar serem desfavoráveis ao condenado. Vejamos:

Conquanto não se verifique a existência de antecedentes criminais, a grande quantidade de autos de infração lavrados contra as empresas que dirigia, demonstra, induvidosamente, que o apenado é pessoa dotada de personalidade voltada para a prática de delitos desse jaez . Além disso, o fato de o acusado, de forma sistemática e premeditadamente, abrir inúmeras empresas, mediante a inclusão meramente formal de pessoas no quadro societário das referidas empresas, por faltar-lhe idoneidade para registrar essas novas empresas, em face de débitos anteriores com o Fisco Estadual, revela elevada culpabilidade.

De igual modo, as circunstâncias do crime não foram favoráveis ao réu, considerando o número de notas fiscais que não foram registradas no livro obrigatório de entrada, presume- se que, também, foram 68 (sessenta e oito) operações de vendas de mercadorias que deixaram de ter o seu registro em livro próprio, configurando elevada supressão de tributo ao Estado, devendo, pois, ser mantida a sanção aplicada, por se mostrar proporcional e razoável."(pág. 16 do doc. eletrônico 4; grifos no original).

Aliás, somente a defesa apelou da sentença condenatória e, portanto, é inadequada a invocação, pelo TJPE, de fundamentos não utilizados pelo Magistrado sentenciante para manter a reprimenda inicial, como se verifica no caso. Isso porque" [n]ão há mero redimensionamento de circunstância judicial desfavorável para o reconhecimento de outra, quando, na apelação, o Tribunal inova, levando em consideração fato não reconhecido na sentença proferida em primeira instância ". ( HC 98.307/MG, de minha relatoria).

Isso posto, reconsidero a decisão agravada para conceder a ordem e declarar a nulidade da sentença no que concerne à dosimetria da pena, determinando ao Juízo de primeiro grau que profira outra de forma motivada, sem prejuízo da condenação imposta.

Publique-se.

Brasília, 27 de outubro de 2022.

Ministro Ricardo Lewandowski

Relator

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(STF - HC: 218888 PE, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 27/10/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 28/10/2022 PUBLIC 03/11/2022)

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