STJ Fev23 - Homicídio - Dosimetria Irregular - bis in idem - Uso do fundamento da Qualificadora para Exasperar Pena
Decisão Monocrática
HABEAS CORPUS Nº 789425 - SP (2022/0387914-5)
XXXXXXXXXXXX alega sofrer constrangimento ilegal em seu direito a locomoção, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação n. 0000132-17.2018.8.26.0555.
Nesta impetração, a defesa pretende a diminuição da reprimenda, porquanto não haveria fundamentação adequada a permitir o aumento da pena- base. Também, entende que o incremento da sanção deve ser limitado à fração de 1/6 e que, na segunda fase da dosimetria, a condenação deve ser reduzida ao mínimo legal, tendo em vista a preponderância da atenuante da confissão.
A liminar foi indeferida e o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ e, caso conhecido, pela denegação da ordem.
Decido.
Conforme informação prestada pelo Tribunal de origem, o acórdão ora recorrido transitou em julgado, de modo que o presente mandamus é substituto de revisão criminal .
Por força do art. 105, I, e, da Constituição Federal, a competência desta Corte para processar e julgar revisão criminal limita-se às hipóteses de seus próprios julgados. Como não existe no STJ julgamento de mérito passível de revisão em relação à condenação sofrida pelo sentenciado, forçoso reconhecer a incompetência deste Tribunal para o processamento do presente pedido .
O óbice acima apontado só pode ser superado nos casos em que constatada flagrante ilegalidade, hipótese verificada nestes autos.
Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o insurgente foi condenado a 12 anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II, do CP.
Na ocasião, o apenamento se deu sob a seguinte motivação (fls. 13-14, grifei):
Observando todos os elementos formadores do artigo 59, do Código Penal, especialmente o grau de culpabilidade da conduta pela forma brutal como a vítima foi atacada com múltiplos golpes de faca, demonstrando grande intensidade da deliberação homicida , a merecer um juízo maior de reprovabilidade do ato praticado; os motivos banais e ainda decorrentes do estado de embriaguez em que o réu se encontrava e possivelmente pelo uso de droga que admitiu ter feito, sem esquecer o comportamento da vítima que também se mostrou reprovável por questionar insistentemente o réu sobre o desacerto que ele teve com a companheira, bem como que se trata de réu primário e sem antecedentes desabonadores; considerando finalmente a necessidade de uma resposta que seja suficiente e adequada para a reprovação e prevenção da ação cometida, que envolve a perda de uma vida humana, impõe- se a exasperação da pena base nesta primeira fase, estabelecendo-a em 15 anos de reclusão. Na segunda fase, ausente circunstância agravante e presente a atenuante da confissão espontânea, imponho a redução de um sexto , resultando a pena definitiva de doze anos e seis meses de reclusão.
Condeno, pois, XXXXXXXXXX à pena de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de reclusão, por te infringido do artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal.
Ao negar provimento ao apelo defensivo, a Corte estadual assentou (fl. 40):
As circunstâncias do delito foram consideradas para exasperação da pena-base, conforme autoriza o art. 59 do CP. Em seguida foi contabilizada a atenuante da confissão. O regime inicial fechado é o único compatível com a quantidade de pena e com a gravidade do crime.
Lembro que o STJ é firme na compreensão de que:
A dosimetria da pena está inserida no âmbito de discricionariedade regrada do julgador, estando atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas dos agentes, elementos que somente podem ser revistos por esta Corte em situações excepcionais, quando malferida alguma regra de direito ( AgRg no AREsp 864.464/DF, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, DJe 30/5/2017)"( AgRg no AREsp n. 2.055.438/PA, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5a T., DJe 19/5/2022, destaquei).
Em que pese aos argumentos defensivos, a forma brutal como a vítima foi atacada, com múltiplos golpes de faca, justifica a valoração negativa da culpabilidade do réu.
Nesse sentido:
[...]
1. A violência exacerbada, consubstanciada nos diversos golpes de faca desferidos pelo recorrente na vítima, e as consequências descritas - vítima perdeu a mobilidade em dois dedos, teve a região genital mutilada e passou por diversos procedimentos cirúrgicos - são elementos concretos e denotam culpabilidade do agente e consequências do delito mais reprováveis. Precedentes. [...] ( AgRg no REsp n. 1.993.277/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior , 6a T., DJe 17/11/2022)
[...]
1. É firme a jurisprudência desta Corte de que a quantidade excessiva de golpes de faca desferidos contra a vítima é fundamento idôneo para a valoração negativa da circunstância relativa à culpabilidade, por indicar a acentuada reprovabilidade da conduta delituosa praticada.
[...]
( AgRg no AREsp n. 1.084.313/TO, Rel. Ministro Rogerio Schietti , 6a T., DJe 4/4/2019)
Entretanto, assiste razão à defesa quando argumenta ter havido bis in idem quanto aos motivos do delito , porquanto serviram tanto para qualificar abstratamente o delito - ante o reconhecimento da adjetivadora do motivo fútil - quanto para incrementar a pena-base. Dessa forma, a avaliação negativa dessa vetorial deve ser decotada.
Confira-se:
[...]
2. Se a circunstância de o crime ter sido praticado por motivo fútil já foi considerada pelo Tribunal do Júri para qualificar o delito de homicídio, a mesma motivação não pode ser valorada de forma negativa para exasperação da pena-base, sob pena de se configurar bis in idem. [...] ( HC n. 262.945/PI, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze , 6a T., DJe 2/4/2013)
Antes de proceder à nova dosimetria, assinalo não ser desproporcional o incremento da reprimenda em 3 anos em virtude da existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, tendo em vista não só o máximo e o mínimo de pena cominados ao delito de homicídio qualificado - 12 a 30 anos de reclusão -, mas também porque:
A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme em garantir a discricionariedade do julgador, sem a fixação de critério aritmético, na escolha da sanção a ser estabelecida na primeira etapa da dosimetria. Assim, o magistrado, dentro do seu livre convencimento motivado e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, decidirá o quantum de exasperação da pena- base, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ( AgRg no AREsp n. 2.118.426/GO , Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6a T., DJe 21/10/2022).
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. DISCRICIONARIEDADE DO ÓRGÃO JULGADOR. CULPABILIDADE. ANÁLISE DESFAVORÁVEL. AUMENTO EM 3 ANOS. PROPORCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O índice de aumento da reprimenda na primeira fase da dosimetria integra a esfera de discricionariedade do magistrado, o qual, de forma fundamentada, exasperará a pena de acordo com as circunstâncias do caso concreto, sem que haja, a priori, a imposição de um critério aritmético único a ser adotado.
2. A individualização da sanção está sujeita à revisão no recurso especial nas hipóteses de flagrante ilegalidade ou de teratologia, quando não observados os parâmetros legais estabelecidos ou o princípio da proporcionalidade.
3.No caso em exame, as instâncias ordinárias aumentaram a pena- base do réu, condenado por homicídio qualificado, em 3 anos acima do mínimo legal pelo fato de ele, três dias depois de uma discussão com a vítima, haver desferido dois golpes com um pedaço de pau na cabeça dela, com frieza e brutalidade. A exasperação é proporcional e foi devidamente motivada, razão pela qual deve ser mantida.
4. Agravo regimental não provido. ( AgRg no AREsp n. 2.078.105/PA, Rel. Ministro Rogerio
Schietti, 6a T., DJe 10/6/2022)
Também, registro que, segundo a jurisprudência do STJ,
Quanto à incidência da atenuante de confissão, embora o Código Penal não estabeleça percentuais mínimo e máximo de redução para as atenuantes, o julgador deve aplicá-las observando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Diante disso, esta Corte firmou entendimento no sentido de que é razoável a redução da pena, pela aplicação da atenuante de confissão, no patamar de 1/6, o que foi feito no caso dos autos ( AgRg no HC n. 658.156/SP , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5a T., DJe 14/5/2021)
Assim, não se nota ilegalidade na redução da reprimenda feita na segunda fase do processo dosimétrico pelo Juízo singular .
Como já dito, o Magistrado primevo aumentou a pena-base em 3 anos, tendo em vista a valoração negativa de duas vetoriais. Dessa forma, decotado o vetor relativo aos motivos do crime , a sanção-básica alcança o patamar de 12 anos e 6 meses de reclusão.
Diante do reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, da manutenção da fração de 1/6 para a redução da reprimenda em função da citada atenuante, da necessidade de se observar a orientação prescrita na Súmula n. 231 do STJ -"A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal"- e, ainda, da inexistência de outras causas modificativas da sanção, fixo a reprimenda definitiva em 12 anos de reclusão.
À vista do exposto, não conheço do habeas corpus, mas, de ofício, concedo parcialmente a ordem , a fim de diminuir a pena atribuída ao paciente ao patamar de 12 anos de reclusão, conservados os demais termos do acórdão recorrido.
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(STJ - HC: 789425 SP 2022/0387914-5, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 27/01/2023)
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