Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
30 de Abril de 2024

STJ Out23 - Coaf - Quebra de Sigilo Ilegal

há 6 meses

HABEAS CORPUS Nº 816944 - SP (2023/0126697-0) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO

DECISÃO Trata-se habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de XXXXXXXXXXXX em face de acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (HC n. 2024192- 60.2023.8.26.0000).

Consta dos autos que foi instaurado inquérito policial em desfavor do paciente para apurar a suposta prática de delito de estelionato (talvez em conjunto com outros crimes, como tributários, organização criminosa e lavagem de bens e valores).

Neste writ, sustenta a defesa que deve ser determinado o trancamento do inquérito policial em curso contra o paciente, por ausência de justa causa. Invoca a inexistência de elementos capazes de autorizar a instauração do inquérito policial.

Alega a indevida solicitação e uso de dados sigilosos obtidos junto ao COAF, promovendo verdadeira devassa, por período de tempo longo, injustificado e absolutamente estranho ao tempo dos fatos que ensejaram a investigação.

Aduz que "a Unidade de Inteligência Financeira não é um órgão investigativo e, portanto, sua base de dados e seus relatórios de inteligência (RIF) não constituem prova criminal. Na verdade, os relatórios de inteligência disseminados pela UIF constituem um meio de obtenção de prova" (fl. 22).

Assevera que "a requisição de dados bancários e fiscais sigilosos, pedido diretamente pelas autoridades responsáveis pela investigação e persecução penal, sem autorização judicial, permanece ilegal" (fl. 24) Pondera que "não é autorizado à Autoridade Policial, sem qualquer justificativa, levar a efeito uma medida cautelar sem controle judicial, promovendo inequívoca quebra de sigilo bancário dos pacientes e de terceiros, compreendendo um intervalo de tempo de 05 (cinco) anos, sem previa autorização e controle judicial" (fl. 24).

Consigna que o STF firmou posicionamento de que o Ministério Público ou a autoridade policial não podem requisitar diretamente ao COAF ou à Receita Federal informações protegidas por sigilo fiscal. Requer, inclusive liminarmente, a suspensão na tramitação do inquérito policial, com a declaração da nulidade na obtenção da prova e o reconhecimento da ausência de justa causa para a investigação.

No mérito, o trancamento do inquérito policial, com o desentranhamento e inutilização de todas as informações nulas. Ordem de habeas corpus concedida, para que o Tribunal de origem apreciasse matéria objeto de indevida negativa de prestação jurisdicional, às fls. 136-138. Após pleito de reconsideração, às fls. 148-163, a ordem de habeas corpus foi novamente concedida, às fls. 165-166. Tendo em vista a apreciação da matéria pelo Tribunal de origem, a defesa apenas reiterou os pleitos da inicial, às fls. 173-185. Regular processamento do writ deferido, às fls. 187-188. Informações, às fls. 194-198 e 211-245. O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 201-210, pela extinção do writ ou denegação da ordem, nos termos de parecer, com as seguinte ementa:

"HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. LAVAGEM DE DINHEIRO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REVOLVIMENTO FÁTICOPROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPARTILHAMENTO DE DADOS PELO COAF COM A POLÍCIA FEDERAL, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL N. 990/STF (RE N.1.055.941 RG/SP). PARECER PELA EXTINÇÃO DO WRIT SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO OU PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."

O Ministério Público Federal reiterou as razões do parecer anterior (fl. 249). É o relatório. DECIDO. No presente caso, da análise dos elementos informativos constantes dos autos, restou verificada a flagrante ilegalidade a legitimar a atuação deste Sodalício. No presente caso, as investigações, que incluem o ora paciente, foram iniciadas a partir de requerimento da instituição financeira Itaú S/A, para apuração de, inicialmente, possível crime de estelionato. Aqui, trecho do relatório final do inquérito (fl. 43):

"O inquérito policial 2296408/2022, cujo objeto é o delito tipificado no artigo 171, “caput”, do Código Penal, instaurado mediante requerimento do Banco XXXXXXXX informa que, após ação rotineira realizada pelo setor antifraudes da instituição, identificou-se um significativo prejuízo decorrente da atuação de agentes criminosos, voltados à prática de fraudes eletrônicas em contas de clientes da Instituição Financeira, utilizando-se de engenharia social, pela qual, a partir da obtenção de dados sensíveis dos clientes, os agentes realizam contato identificando-se como funcionários do banco, oportunidade em que solicitam TOKEN da conta para atualização. No caso em específico deste caderno inquisitório, a Instituição Financeira vítima constatou que o cliente XXXXXXXXXXXX contestou a transferência de 73 (setenta e três) transferências de débitos indevidos, todas datadas de 20 de julho de 2020, perfazendo o montante de R$ 516.296,01 (quinhentos e dezesseis mil duzentos e noventa e seis reais e um centavo). Após tomar conhecimento da contestação formulada pelo cliente, a Instituição Financeira, por meio de setor antifraude, apurou que o correntista teria recebido a ligação de um indivíduo passando-se por funcionário do banco, solicitando a atualização do TOKEN. Acreditando-se que se tratava de uma ligação da Instituição Financeira, o correntista realizou o procedimento solicitado pelo fraudador, tomando conhecimento de que, na mesma data, foram realizadas diversas transferências espúrias em sua conta. Ante a pronta comunicação do correntista, a Instituição Financeira conseguiu estornar parte dos valores transferidos, contudo, acabou suportando o prejuízo de R$346.111,33, que fora ressarcido ao cliente. Dessa feita, a instituição financeira vítima, banco XXXXXXXXXX, passou a se aprofundar na apuração dos fatos, constatando que os beneficiários da fraude, no geral, residiam na Zona Leste de São Paulo, bem como constatando que as contas beneficiárias tiveram acesso pelo mesmo dispositivo (DEVICE). Certo é que foi apurado ainda que o disposto utilizado para acessar as contas beneficiárias possui HABITUALIDADE para acesso das contas correntes de XXXXXXXXXXXXXXXXXX, registrando-se que referidas contas foram acessadas pelo mesmo dispositivo 91 (noventa e uma) vezes. Assim, a instituição financeira vítima ofertou representação para apuração da prática do delito de estelionato, dando-se origem ao presente. O representante do estabelecimento vítima HXXXXXXXXXXXX, por meio de suas declarações, ratificou a petição inicial, manifestando-se pela representação. Observou-se a constituição de uma quadrilha especializada em fraudes bancárias, que se utiliza de engenharia social para convencer clientes da instituição bancária e obter dados sensíveis deste para a prática do golpe, havendo indícios de que KXXXXXXXXXXXXXA detinha o acesso das contas dos beneficiários da fraude. É possível afirmar que a fraude investigada é efetuada por uma quadrilha que se especializou no crime, sendo uma modalidade complexa, onde o cliente é vítima de engenharia social, os investigados já possuem as contas bancarias onde os valores serão transferidos e as contas são monitoradas para a realização de saques. Com as informações trazidas pela instituição financeira vítima, iniciaram-se as investigações, tendo como principal investigada a pessoa de XXXXXXXXXXXXXA, razão pela qual foi solicitado Relatório de Inteligência Financeira junto ao COAF (...)" (grifei).

No curso das investigações, tem-se que a autoridade policial solicitou ao então COAF (atual Unidade de Inteligência Financeira - UIF) a elaboração e o encaminhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) relativamente aos investigados e às pessoas jurídicas por eles administradas envolvidas nas apurações. Ora, a principal investigada no presente inquérito seria, em tese, ZXXXXXXXXXXXXA, sobre a qual, principalmente, dispunha o Relatório de inteligência do antigo COAF (atual UIF). Da análise do Relatório supra, foi que a Polícia Judiciária percebeu os desdobramentos das operações bancárias de KXXXXXXXXXXXXA, protegidas pelo sigilo constitucional, com outras pessoas, e destas com outras ainda, que levaram as investigações, então, até o ora paciente. In verbis (fls. 44-48):

"(...) Com as informações trazidas pela instituição financeira vítima, iniciaram-se as investigações, tendo como principal investigada"(...) Com as informações trazidas pela instituição financeira vítima, iniciaram-se as investigações, tendo como principal investigada a pessoa de KSSSSSSSSS SILVA, razão pela qual foi solicitado Relatório de Inteligência Financeira junto ao COAF. Analisando-se os dados constatou-se que, KARINA, beneficiária do auxílio emergencial, figura como proprietária da empresa KASSSSSSSSSSSSA, optante pelo MEI, constituída com um capital social de R$ 1.700,00(mil e setecentos reais). Por meio do RIF 56883.131.4161.6199, constou-se que na conta corrente da empresa KAsSSSSSSSSSSSS houve uma movimentação de R$168.060,00(cento e sessenta e oito mil e sessenta reais), no período compreendido entre 01/05/2020 e 30/11/2020, movimentados por meio de transferências bancárias e depósitos em espécie realizados em caixas eletrônicos, com indícios de fracionamento. Destaca-se que a conta corrente pessoa física de KSSSSSSSSSSSSSA movimento no período de 01/03/2019 a 30/11/2020, a quantia de R$ 318.389.00(trezentos e dezoito mil trezentos e oitenta e nove reais), constando no RIF que a investigada possa fazer parte de fraudes praticadas. O relatório de inteligência elaborado traz entre as pessoas que transacionaram com a investigada, a pessoa de WSSSSSSSSSSSSSOS, indivíduo que possui um envolvimento amoroso com a investigada KARINA e que possui antecedentes pela Delegacia de Crimes Cibernéticos do DEIC. WILLIAN declarou prestar atividade de vendedor autônomo, auferindo a quantia de R$1.200,00(mil e duzentos reais) por mês, contudo, entre os meses de setembro de 2020 e dezembro de 2020, os créditos em sua conta bancária perfaziam o montante de R$ 124.157,58(cento e vinte e quatro mil cento e cinquenta e sete reais com cinquenta e oito centavos), provenientes de 51 (cinquenta e um) depósitos em terminais de autoatendimento e R$58.636,00,(cinquenta e oito mil seiscentos e trinta e seis reais) de transferências interbancárias, tendo como principais depositantes KSSSSSSSSSSSSSSSSTICA. Em pesquisas às redes sociais, nota-se que KARINA e WILLIAN ostentam uma vida luxuosa, com viagens e passeios suntuosos. Além de KASSSSSSSSSSSSSVA, o COAF também aponta para a pessoa de RSSSSSSSSSSSSSTO como um dos principais favorecidos de transferências efetuadas por WILLIAN, destacando que RODRIGO figura como proprietário da pessoa jurídica ASSSSSSSSSSSSSSK, e que sua movimentação financeira seria incompatível com sua capacidade financeira. Insta consignar que RODRIGO foi beneficiário do auxílio emergência e que, conforme fotos anexadas ao relatório de investigação, sua adega possui características simples de comércio de bairro, salientando-se que esse tipo de comércio vem rotineiramente sendo utilizado para receber créditos provenientes de golpes financeiros. Também foi apontada pelo COAF a pessoa de ASSSSSSSSA como uma das beneficiárias de WILLIAN, indicando que esta teve movimentações suspeitas apresentando incompatibilidade com sua capacidade econômica, a qual declara renda no valor de R$1.200,00(mil e duzentos reais) e teve como incidência transações em espécie, dificultando a indicação quanto à origem. A investigada ASSSSSSSSSSSSOS SILVA possui empresa cadastrada CNPJ nº 29.0SSSSSSSSSSSSS, em pesquisas nos Sistemas da Policia Civil foi identificado que a empresa consta como endereço a Estrada Itaquera Guaianazes nº 527, Parada XV de Novembro, nesta capital, em diligências ao local, a equipe de investigação constatou que o endereço se trata de um prédio residencial, o que indica que AMANDA possa estar utilizando sua conta empresarial para receber e movimentar valores oriundos de fraudes. Em pesquisas junto aos sistemas da Policia Civil, identificou-se que a investigada possui cadastrado em seu nome os veículos VW/NIVUS, de placas SSSSSSSS, avaliado pela tabela FIPE em R$126.400,00 e o veículo Mercedes-Benz/A200, de placas FSSSSSSSSSSS, avaliado pela tabela FIPE em R$239.137,00 reais. Outra pessoa citada no RIF de KARINA, como sendo uma de suas beneficiárias, seria a pessoa LASSSSSSSSSSSSSSSSA, que também foi beneficiada pelo auxílio emergencial. Em pesquisas nos sistemas da Policia Civil identificamos que LARISSA atualmente está com 22 anos de idade, declarando renda mensal de R$ 4.000,00(quatro mil reais), exercendo a função “gerente”, porém não especificou onde exerceu a profissão, foi comunicada sua movimentação suspeita na RIF 58440.131.4161.6199, pelo Banco Santander no valor de R$ 1.375.053,00 (um milhão trezentos e setenta e cinco mil cinquenta e três reais), no período de 01/01/2020 á 28/04/2020, tendo outra comunicação do Banco Itaú de movimentação suspeita no valor de R$2.151.870,00(dois milhões cento e cinquenta e um mil oitocentos e setenta reais) no período compreendido entre os anos de 2019 a janeiro de 2021. Registra- se que também foi apontada a possibilidade de fazer parte da quadrilha de fraudes, denominada “Bank Line”. Na relação emitida a diversos pagamentos de valores, os quais saíram da conta de LARISSA para contas de terceiro, o que indica que a conta de LARISSA, após receber valores em espécie de diversas localidades do país, efetua pagamentos para demais integrantes da quadrilha, há suspeita que a investigada esteja movimentando valores de forma informal em benefícios de terceiros. Destaca-se que LARISSA possui relacionamento amoroso com a pessoa de LUCAS RSSSSSSSSSSSSSSSSTINO, que é apontando pelo COAF como um dos beneficiários de seus depósitos. Nota-se que, pesquisas aos sistemas da Policia Civil foi localizado o RDO 4003/19 21º Distrito Policial, onde LARISSA juntamente a LSSSSSSSSSS foram averiguados em crime de Estelionato na modalidade de falso empréstimo. A investigação apurou ainda que LUCAS figura como proprietário da empresa LUSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSINO (ADEGA), localizada na Rua TSSSSSSSSSSSSSSSSter, nesta capital. Apurou-se ainda ter o investigado havia recebido auxílio emergencial, bem como ter sido beneficiário de LASSSSSSSSSSSSSA em 08 (oito) transações, totalizando R$ 9.460,00(nove mil quatrocentos e sessenta reais). Por meio de pesquisas em fontes abertas, a equipe de investigação constatou que LARISSA e LUCAS possuem relação íntima com outros dois investigados: MSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSA, ambos apontados no COAF de LARISSA. Segundo o relatório de inteligência financeira, MSSSSSSSSSSSSSS possivelmente é integrante de uma quadrilha de fraudes “Bank Line”, na modalidade em que a vítima recebe contato de falso funcionário, sendo induzido a baixar aplicativo que permita o fraudador efetuar o “acesso remoto” do equipamente da vítima, fraude semelhante a que deu origem a este caderno inquisitório. Também foi destacada a incompatibilidade entre a movimentação do investigado e a renda por ele declinada, salientando uma expressiva movimentação em espécie nos depósitos e saques. Foram apontadas 37 (trinta e sete) transações no valor de R$81.835,00 (oitenta e um mil oitocentos e trinta e cinco reais) com a investigada LSSSSSSSSSSSSssA no período compreendido entre os dias 07/09/2020 à 19/02/2021. Registra-se que o investigado MICHEL possui envolvimento amoroso com LSSSSSSSSSSSSA, também apontada no RIF de LSSSSSSSSSSSSSSSSsA. A investigada declarou possuir renda mensal no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), sendo estudante/bolsista, contudo possui uma movimentação financeira no valor de R$336.256,00 (trezentos e trinta e seis mil duzentos e cinquenta e seis reais) dentro do período de cinco meses, indicando que possa fazer parte da quadrilha de fraudes “Bank Line”, atuando da mesma forma que o investigado MICHEL. Oportuno dizer que a maior parte dos recursos da investigada é originada de depósitos em espécie realizados na “boca do caixa”. Outra transação realizada por LARISSA, que salta aos olhos da investigação, tem como beneficiário a pessoa de TCCCCCCCCCCCCCCCCCW, tendo este recebido um transação da investigada no valor de R$ 326.332,00 (trezentos e vinte seis mil, trezentos e trinta e dois reais). Segundo o relatório de inteligência financeira, LARISSA fez outra transação em de alto valor para outro investigado, quem seja, MACCCCCCCCCCCCCCCTO, beneficiário da quantia de R$ 156.807,00 (cento e cinquenta e seis mil, oitocentos e sete reais). O investigado MSSSSSSSSSSSSSSSS, beneficiário do auxílio emergencial, possui cadastrada em seu nome a empresa MSSSSSSSSSSSSss, que possui capital social de R$ 20.000,00 (vinte e mil reais), tendo como sócia a pessoa de LSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS, com quem MARCOS possui um relacionamento amoroso. A empresa MPC possui cadastrado em seu nome o veículo KIA/SPORTAGE, de placas SSSSSSSSSSSSS, ano 2022, avaliado pela tabela FIPE em R$203.967,00 (duzentos e três mil novecentos e sessenta e sete reais). Em diligências de campo identificou-se que a empresa está localizada na Rua SSSSSSSSSSSSSSSSSSS167, Parque Cisper, nesta capital, e ocupando 02 salas no 1º andar do endereço, no térreo está instalado um auto elétrico, não foi notada movimentação de pessoas ou veículos no referido endereço. Informa-se que MSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSO transacionou por volta de R$ 28.000,91 (vinte e oito mil reais e noventa e um centavos) entre sua conta física e da empresa com diversos alvos da investigação entre eles, BXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXA no valor de R$ 156.807,00(cento e cinquenta e seis mil e oitocentos e sete reais) e LXXXXXXXXXXXXXXXA, valores estes que envolvem o pagamento de boleto bancário, bem como adquiriu um imóvel na Praia Grande avaliado em R$ 950.000,00 (novecentos e cinquenta mil reais), sendo o total movimentado por dele de R$ 1.319.614,00 (um milhão trezentos e dezenove mil e seicentos e catorze reais). Quanto a LXXXXXXXXXXXXXXXXXS, esposa de MARCOS e sócia da empresa MPC, constatando-se que LETICIA pagou a investigada LXXXXXXXXXXXXXXXXXXX BARBOSA um boleto no valor de R$24.440,00 (vinte e quatro mil, quatrocentos e quarenta reais) em seu nome e de MXXXXXXXXXXXXXXXO seu companheiro. Observa-se que LETÍCIA também é beneficiária do auxílio emergencial, contudo, mesmo dizendo necessitar de auxílio governamenta, ostenta em suas redes sociais, na companhia de seu companheiro MXXXXXXXXXXXXXXXXxO, diversas viagens internacionais, demonstrando gastos incompatíveis com suas rendas ou mesmo com sua ausencia de renda, já que faz uso de programas sociais do governo. O relatório de investigação financeira de LARISSA também apontou a pessoa de BXXXXXXXXXXXXXXXXXI como um dos beneficiários de transações oriundas de sua conta bancária. Informações obtidas através do COAF (RIF) indicam que o investigado demonstra incompatibilidade entre a movimentação analisada e a renda informada, movimentação expressiva em espécie nos depósitos com indícios de fracionamento e de outras localidades distante da residência do investigado, forma aparentemente utilizada para dissimular a real origem dos recursos, suspeita-se que o investigado possa apresentar parte de sua renda em atividade não declarada, podendo vir movimentar recursos de atividade ilícita ou em benefício de terceiro. No período compreendido entre 15/12/2020 a 16/03/2021, a conta movimentou a créditos R$285.358,01 (duzentos e oitenta e cinco mil e trezentos e cinquenta e oito reais e um centavo). As entradas dos recursos foram através de depósitos em espécie, transferências entre contas e transferências interbancárias. Recebeu de LXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXGA duas transações totalizando a quantia de R$4.347,00 (quatro mil trezentos e quarenta e sete reais). Consta em seu nome a empresa XXXXXXXXXXXXXXXXX em diligências no local constatamos que se trata de uma loja de venda de roupas na periferia de São Paulo/SP. Observa-se que BRUNO também mantém intensa atividade em redes sociais ostentando viagens de luxo. Por meio de LARISSA, também foi possível chegar a pessoa de BEAXXXXXXXXXXXXXXXXXRÃES, irmã da também investigada LETICIA, que exerce a função de auxiliar de escritório, com renda declarada no valor de R$ 5.760,74 (cinco mil setecentos e sessenta reais e setenta e quatro centavos), que teve três comunicações de movimentação suspeita ao COAF, em datas diferentes no período de 23/04/2019 a 08/02/201, sendo a 1ª com movimentação de R$559.664,00 (quinhentos e cinquenta e nove mil seissentos e sessenta e quatro reais), a 2ª com movimentação de R$719.575,00 (setecentos e dezenove mil quinhentos e setenta e cinco reais) e a 3ª com movimentação de R$240.587,00 (duzentos e quarenta mil quinhentos e oitenta e sete reais). Conforme aponta a investigação BEATRIZ é suspeita de integrar quadrilha de fraude “Bank Line”, movimentando em sua conta valores totalmente incompatíveis com sua capacidade financeira. A equipe de investigação chegou também a pessoa de CXXXXXXXXXXXL, que possui um pequeno comércio varejista, que atua no ramo bebidas em São Paulo/SP, com capital social R$5.000,00 (Adega). CAIQUE também é beneficiário do auxílio emergencial, declara possuir renda mensal de R$5.657,00 (cinco mil seissentos e cinquenta e sete reais), contudo, sua conta Pessoa Fisica e Pessoa Juridica, tiveram movimentações suspeitas entre janeiro e setembro de 2020, totalizando o valor R$ 1.130.751,00 (um milhão cento e trinta mil setecentos e cinquenta e um reais). O investigado, CAIQUE, teve ainda comunicação em sua conta bancária, na mesma agencia nº 4628, conta corrente nº 1300503020, no valor de R$595.400,00(quinhentos e noventa e cinco mil e quatrocentos reais), transacionando com a investigada KXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXA, totalizando transações no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), sendo esta com a conta pessoa jurídica de KARINA e duas transações com a conta pessoa física de KARINA no valor de R$11.850,00 (onze mil oitocentos e cinquenta reais) e também quantias da investigada BEXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXÃES por meio de TED de diferente titularidade de forma contumaz totalizando o valor de R$ 271.510,00 (setecentos e setenta e um mil e quinhentos e dez reais). Nota-se que o comércio do qual CAIQUE é proprietário, uma adega situada na zona leste da capital, não teria o condão de sozinho movimentar mais de um milhão de reais no período de nove meses. Por meio de redes sociais, foi possível destacar que o investigado CAIQUE possui estreito laço de amizade com o também investigado MXXXXXXXXXXXXXX. Identificou-se também a pessoa de BRXXXXXXXXSIENA, que transacionou com as investigadas BEATRIZ, LARISSA e LAYLA, por volta de R$26.260,00 (vinte e seis mil, duzentos e sessenta reais), já que consta um pagamento, em dinheiro, no valor de R$178.000,00 (cento e setenta e oito mil reais). Assim, movimentando o valor total de R$204.260,00 (duzentos e quatro mil duzentos e sessenta reais). Notório é que outra pessoa ligada a MAXXXXXXXTO foi apontada pelo relatório de inteligência financeira, sendo ela KAXXXXXXXXXXXXS DICESSA, que declarou inicialmente uma renda de R$2.000,00 (dois mil reais) (COAF), movimentando no ano de 2017 a quantia de R$155.535,00 (cento e cinquenta e cinco mil quinhentos e trinta e cinco reais). O Banco Itaú teve outras comunicações de movimentação suspeita no ano de 2018 nos valores de R$160.430,00 reais e de R$94.310,00, em 2019 de R$83.980,00 reais e no mesmo ano pelo Banco Original de R$134.896,00 e em 2020 de R$1.682.135,00, pelo Banco Itaú e por último teve uma comunicação no período compreendido entre os dias 25/08/2020 a 18/02/2021 no valor de R$ 458.434,00. A movimentação em suas contas indica que KAIO faz parte da quadrilha “Bank Line”, indicando ainda que este transacionou com outros investigados recebendo a quantia de LARISSA que totalizam R$ 120.888,00. No total, KAIO movimentou o valor de R$ 2.770.720,00. Notório é que KAIO têm um relacionamento amoroso com outra investigada, quem seja, a pessoa de NAXXXXXXXXXXXXXXZA. A investigada declarou ser comerciante com renda de R$6.998,00 reais, porém entre os anos de 2020 á 2021 teve comunicação incluída no COAF por movimentação suspeita no valor de R$205.798,25, valores recebidos em espécie de forma fracionada, sendo KAXXXXXXXXXXXA a principal contraparte, recebendo ainda de LXXXXXXXXXXXXA a quantia de R$127.366,00 em 08 transações, consta ainda movimentação suspeita no valor de R$981.355,00 no período datado entre os dias 11/10/2018 a 05/04/2019, teve nova comunicação no período datado entre os dias 25/11/2019 a 13/05/2020 no valor de R$ 657.594,00 reais, por fim foi novamente comunicada no período datado entre os dias 25/08/2020 a 16/02/2021 com movimentação suspeita no valor deR$351.182,00 reais. No total, a investigada movimentou a quantia de R$2.323.295,25, registrando-se ainda que possui intensa atividade em redes sociais demonstrando uma vida de luxo e ostentação. Por meio da investigada LARISSA foi possível chegar ao investigado RXXXXXXXXXXXXRA, também beneficiário do auxilio emergencial, recebendo 5 parcelas de R$600,00 reais. RAFAEL, teve movimentação financeira no valor informado de R$ 110.970,00, originada na rela XXXXXXXXXXXXXXXOS NÓBREGA, o que indica sua participação na quadrilha recebendo proventos através de transferência bancária. O investigado, RACCCCCCCCCCCCCA, também teve comunicação suspeita no valor de R$3.933.103,00, no período compreendido entre os dias 04/01/2021 a 16/10/2021, sendo diversos depósitos em espécie de diferentes localidades do país, efetuadas em terminais de auto atendimento. (possivelmente valores transferidos para contas aliciadas, e retornam em forma de depósitos fracionados em sua conta bancária). Salta aos olhos a aquisição por parte do investigado RAFAEL de um de um veículo Marca PORSCHE 911/CARRERA, de placas RXXXXXXXXXXx - CHASSI: WP0XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX – avaliada em R$925.000,00, bem como o comunicado de um Título Bradesco Vida e Previdência S.A. no valor de R$ 1.672.000,00. Possui duas empresas cadastradas em seu nome, contudo, a equipe de investigação identificou que o endereço consta uma residência, o que indica que o investigado possa estar utilizando o CNPJ das empresas para fazer movimentações bancarias, sem prestar nenhum tipo de serviço. Por fim, a equipe de investigação identificou o investigado CXXXXXXXXXXXXDA, que teve sua comunicação incluída na RIF de KXXXXXXXXXRES DICESSA com movimentação suspeita no valor de R$ 382.100,00 reais. Após confecção do relatório de investigação, representou-se pela concessão de mandado de busca e apreensão nos endereços imputados aos alvos. Registra-se que, após a representação, o caderno inquisitório inicialmente distribuído ao DIPO foi encaminhado à vara especializada, entendendo-se haver indícios de lavagem de dinheiro, que deferiu a medida nos autos do processo 1521914- 27.2022.8.26.0050. No mesmo procedimento, representou-se pelo bloqueio das contas cadastradas em nome dos investigados, bem como pelo sequestro e bloqueio dos seguintes veículos: VW/NIVUS, de placas GXXXXXXXXXXx7, em nome de AXXXXXXXXXXXA; MERCEDES-BENZ A200, de placas FPA-1C04, em nome de AXXXXXXXXA; KIA/SPORTAGE, de placas XXXXXX em nome da empresa MPC XXXXXXXXXXs Ltda e PORSCHE/911CARRERA, de placas RFXXXXXX0, constando comunicação de venda para o investigado RXXXXXXXNTRA, medidas também concedidas pelo Judiciário (...)"(grifei).

Sendo assim, a discussão posta nos presentes autos refere-se à possibilidade de solicitação de Relatórios de Inteligência Financeira diretamente pela autoridade policial ao antigo COAF (atual UIF), sem decisão judicial, nos autos do procedimento supra. De um lado, o Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 201-210 entende que a situação estaria albergada pelo

Tema de Repercussão Geral n. 990 do Supremo Tribunal Federal, de maneira que a obtenção da prova deve ser considerada lícita, com prosseguimento das apurações. De outro, a defesa entende que o procedimento utilizado seria ilícito e acarretaria a nulidade da obtenção dos Relatórios de Inteligência Financeira e de todas as provas deles decorrentes, à vista do entendimento sufragado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RHC 83.233 e no julgamento do RHC 83.447. A Suprema Corte, no julgamento do RE nº 1.055.941, sob a sistemática da repercussão geral, fixou a seguinte tese vinculante relativa ao Tema nº 990:

"I - É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional; II - O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios."

A leitura da tese firmada no julgamento do referido Tema de Repercussão Geral e dos votos a ela concernentes não revela a possibilidade de requerimento de dados constitucionalmente protegidos por sigilo diretamente pelos órgãos de persecução criminal (Polícia Judiciária e Ministério Público) ao COAF (atual UIF).

Além disso, de acordo com o Voto do Ministro Dias Toffoli, Relator do RE nº 1.055.941, observa-se que, naquele caso,"a celeuma versa (r) acerca de situação na qual a Receita Federal, após procedimento administrativo e constituição do crédito tributário encaminhou ao Ministério Público Federal representação fiscal para fins penais (acompanhada de dados regularmente obtidos no curso da fiscalização)".

Ora, o exame sobre a possibilidade de compartilhamento das informações repassadas pelo antigo COAF (atual UIF) decorreu da ampliação do objeto do tema apreciado, inclusive com rejeição, por maioria, da preliminar arguida pela Procuradoria Geral da República quanto ao alcance do julgamento. Vale dizer, no caso analisado no leading case, as informações não foram solicitadas pelos órgãos de persecução criminal (Polícia Judiciária e Ministério Público), mas remetidas por iniciativa dos órgãos fiscais depois de constatarem a suposta prática de crime dentro do escopo das suas atribuições.

Nesse prisma, o caso em análise não se encaixa no Tema de Repercussão Geral n. 990, no qual não se aferiu a possibilidade de requisição direta de dados sigilosos pelo Ministério Público ou Polícia Judiciária ao antigo COAF. Por sua vez, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou a compreensão de que a tese fixada no Tema 990 do STF diz respeito ao compartilhamento passivo - de ofício - pela Receita Federal de dados relacionados a supostos ilícitos tributários e previdenciários após o devido procedimento administrativo fiscal.

Nesse sentido, segue a ementa do acórdão mencionado:

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. OBTENÇÃO DE DADOS FISCAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. QUESTÃO NÃO COMPREENDIDA NO JULGAMENTO DO TEMA 990 PELO STF. ACESSO DIRETO PELO ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO, QUE NÃO SE CONFUNDE COM A REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS, PREVISTA LEGALMENTE E RECONHECIDAMENTE POSSÍVEL PELA CORTE SUPREMA. COMPARTILHAMENTO QUE OCORRE, DE OFÍCIO, PELA RECEITA FEDERAL, APÓS DEVIDO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM QUE, POSTERIORMENTE AO LANÇAMENTO DO TRIBUTO, VERIFICA-SE A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DE CRIME. ILEGALIDADE CONFIGURADA. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DOS DADOS OBTIDOS PELO ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO E OS DELES DECORRENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, em sede de repercussão geral, firmou a orientação de que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional (Tema 990). 2. Da leitura desatenta da ementa do julgado, poder-se-ia chegar à conclusão de que o entendimento consolidado autorizaria a requisição direta de dados pelo Ministério Público à Receita Federal, para fins criminais. No entanto, a análise acurada do acórdão demonstra que tal conclusão não foi compreendida no julgado, que trata da Representação Fiscal para fins penais, instituto legal que autoriza o compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários após devido procedimento administrativo fiscal. 3. Assim, a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito da repercussão geral em questão. Ainda, as poucas referências que o acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade. 4. Hipótese dos autos que consiste no fato de que o Ministério Público Federal solicitou, diretamente ao Superintendente da Receita Federal, as declarações de imposto de renda da recorrente, de seus familiares e de diversas pessoas jurídicas, ou seja, obteve-se diretamente do referido órgão documentação fiscal sem que tenha havido qualquer espécie de ordem judicial. 5. A possibilidade de a Receita Federal valer-se da representação fiscal para fins penais, a fim de encaminhar, de ofício, os dados coletados no âmbito do procedimento administrativo fiscal, quando identificada a existência de indícios da prática de crime, ao Ministério Público, para fins de persecução criminal, não autoriza o órgão da acusação a requisitar diretamente esses mesmos dados sem autorização judicial. 6. Recurso provido para reconhecer a ilicitude dos dados (fiscais) obtidos pelo Ministério Público por meio da Receita Federal na Ação Penal n. 0003084-80.2016.4.03.6126, sem autorização judicial, devendo todos os elementos de informação e os deles decorrentes ser desentranhados da ação penal, cabendo ao Juízo de Direito da 3ª Vara Federal de Santo André/SP identificá-los, verificar em quais ações penais foram utilizados e analisar, pormenorizadamente, se as ações penais se sustentariam sem esses indícios"(RHC n. 83.233/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 15/3/2022, grifei).

No caso concreto, a autoridade policial diretamente solicitou dados sigilosos ao antigo COAF, sem amparo em autorização judicial específica, em desacordo com a jurisprudência sedimentada da Suprema Corte e deste Tribunal Superior.

É cediço que a inviolabilidade do sigilo dos dados fiscais caracteriza direito fundamental plasmado na Constituição da Republica, especificamente no art. 5º, incisos X e XII, como decorrência da proteção aos direitos à intimidade e à vida privada, verbis:"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) XII - e inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Muito embora se saiba que os direitos fundamentais não são em regra absolutos, a relativização de tais direitos deve obediência às limitações legais, dirigidas a casos excepcionais, sempre à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A esse respeito, inclusive, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em seu artigo 29:

"1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas"

A Lei n. 9.613/98, que criou o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, dispôs que tal órgão teria a iniciativa de comunicar a suposta existência de crimes às autoridades competentes. Referida norma ainda previu o acesso direto do Ministério Público a dados cadastrais do investigado e não a dados financeiros ou protegidos por sigilo. Confiram-se os dispositivos pertinentes:

"Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito. (...) Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito. (Incluído pela Lei n. 12.683, de 2012) Art. 17-C. Os encaminhamentos das instituições financeiras e tributárias em resposta às ordens judiciais de quebra ou transferência de sigilo deverão ser, sempre que determinado, em meio informático, e apresentados em arquivos que possibilitem a migração de informações para os autos do processo sem redigitação. (Incluído pela Lei n. 12.683, de 2012)"

Portanto, a submissão da situação jurídica apresentada à interpretação da Constituição da Republica, das normas de regência e até mesmo dos normativos internacionais revela a impossibilidade de obtenção de dados fiscais diretamente pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária sem observância da reserva de jurisdição. Como dito acima, diferentemente da hipótese em exame, o Tema de Repercussão Geral n. 990 do Supremo Tribunal Federal retratou caso no qual o órgão fiscal cumpriu seu mister de encaminhar procedimento formal comunicando a possível ocorrência de crime.

Nesse prisma, inexiste autorização legal ou jurisprudencial que albergue a obtenção direta de dados sigilosos por iniciativa dos próprios órgãos encarregados da persecução penal, sem o crivo judicial. Nesse sentido, este Superior Tribunal de Justiça já consignou o entendimento pela impossibilidade de requerimento de relatórios de inteligência financeira sem autorização judicial, consoante julgado abaixo:

"PENAL. PROCESSO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. , § 2º, I, DA LEI N. 9.613/1998). RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA DO COAF. SITUAÇÃO DIVERSA DA DECIDIDA NO RE N. 1.055.941/SP. RELATÓRIOS SOLICITADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL DIRETAMENTE AO COAF SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 1.055.941/SP, em âmbito de repercussão geral, fixou as seguintes teses, a saber: "1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional; 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB referido no item anterior deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios." 2. Constata-se que foi julgado lícito o compartilhamento de provas entre o UIF (antigo COAF) e a Receita Federal do Brasil (RFB) com os órgãos de persecução penal, nos casos em que o UIF e a RFB constatam a ocorrência de ilegalidades e comunicam os fatos aos órgãos de persecução penal. 3. No presente caso, a autoridade policial solicitou diretamente ao COAF o envio dos relatórios de inteligência financeira, sem a existência de autorização judicial, situação, portanto, diversa da análise pelo STF. 4. A Terceira Seção desta Corte Superior analisou situação similar, ao julgar o RHC n. 83.233/SP, no qual o Ministério Público requisitou diretamente à Receita Federal do Brasil o envio da declaração de imposto de renda de determinadas pessoas, o que foi considerado ilícito por esta Corte Superior. 5. Dessa forma, o presente recurso em habeas corpus deve ser provido para declarar a ilicitude dos relatórios de inteligência financeira solicitados diretamente pela autoridade policial ao COAF. 6. Recurso em habeas corpus provido"( RHC n. 147.707/PA, Sexta Turma, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, DJe de 24/8/2023, grifei).

Corrobora esse entendimento, mutatis mutandis: RHC n. 83.447/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 15/3/2022; EDcl no AgRg no HC n. 234.857/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Des. Convocado do TJDFT, DJe de 25/2/2022; EDcl no AgRg nos EDcl no RHC n. 119.297/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 27/6/2022.

Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem de habeas corpus para declarar a ilicitude das provas consistentes nos Relatórios de Inteligência Financeira obtidos diretamente pela autoridade não judiciária junto ao COAF (ou instituição congênere), conforme a fundamentação supra, determinando que o juízo da origem desentranhe imediatamente dos autos de inquérito as citadas provas. Publique-se. Intime-se. Brasília, 23 de outubro de 2023. Ministro Messod Azulay Neto Relator

( HABEAS CORPUS Nº 816944 - SP (2023/0126697-0) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, 5 TURMA, Dje: 25/10/2023)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

  • Publicações1079
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações50
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-out23-coaf-quebra-de-sigilo-ilegal/2036305437

Informações relacionadas

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 6 meses

STJ Ago23 - Nulidade da Prova - Receita Federal Extrapolou sua Competência ao Investigar outros Crimes

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 8 meses

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS: RHC XXXXX PA XXXX/XXXXX-4

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 6 meses

STJ Out23 - Execução Penal - Exame Criminológico baseado na Gravidade do Crime para Progressão - Ilegalidade

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 6 meses

STF 2023 - Corrupção - Causa Especial de Aumento de Pena deve ter Nexo com A Função Exercida pelo Agente Público

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 6 meses

STJ Ago23 - Coaf - Quebra de Sigilo Ilegal sem Autorização Judicial

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)