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2 de Maio de 2024
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    TRF rejeita denúncia contra acusado de usar passaporte falso para entrar nos EUA

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 19 anos

    Apartheid econômico:"Atitude do denunciado foi conseqüência da exclusão social e econômica a que está sujeita uma parcela dos cidadãos brasileiros"

    A 1ªTurma Especializada do TRF - Tribunal Regional Federal - da 2ª Região rejeitou a denúncia formulada pelo Ministério Público Federal - MPF - contra acusado de Coronel Fabriciano (região do vale do Rio Doce, a 200 km de Belo Horizonte), que usou passaporte falso para tentar ingressar nos Estados Unidos da América e acabou sendo deportado para o Brasil ao desembarcar em Miami, em junho de 2001.Em dezembro do mesmo ano, ele conseguiu entrar em Portugal, onde mora atualmente. A mãe do réu, que depôs no lugar do filho por esse se encontrar na Europa, alegou que o crime (uso de documento falso, previsto no artigo 304 do Código Penal) teria sido cometido pelo acusado em um ato de desespero, diante das dificuldades de obter emprego no Brasil.

    O Ministério Público Federal apresentou a denúncia contra o réu à Justiça Federal, alegando que, pelo fato de ter sido comprovado que houve o crime de uso de documento falso, além de existirem indícios da autoria do acusado, não seria razoável que a Justiça refutasse a denúncia por conta da realidade social do país. O MPF sustentou ainda que conforme o artigo 43 do Código de Processo Penal , a denúncia deve ser recebida pela Justiça nas situações em que o fato narrado constitui efetivamente crime, como seria o caso do acusado.

    No TRF da 2ª Região, porém, a 1ª Turma Especializada ratificou a decisão da 1ª instancia, que já havia rejeitado a denúncia, por entender que a atitude do denunciado foi conseqüência da exclusão social e econômica a que está sujeita uma parcela dos cidadãos brasileiros. Com isso, para o relator do processo, aplica-se a esta causa específica o conceito de inexigibilidade de conduta diversa, pelo qual deve ser excluída a culpabilidade.

    Por este conceito, previsto na lei penal, a conduta questionada do acusado deixa de ser censurável, quando, devido às circunstâncias, não se pode exigir dele uma atitude diferente da que tomou. Para o magistrado, a questão que envolve o mineiro "não é de política criminal, mas de indigência econômica, configurando-se de forma inequívoca o dogmático conceito de inexigibilidade de conduta diversa".

    Proc. 2001.51.01.529656-0

    Leia a íntegra da decisão:

    "RELATOR:JUIZ FEDERAL CONVOCADO ALEXANDRE LIBONATI EM SUBSTITUIÇÃO A DES. FED. MARIA HELENARECORRENTE:MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRECORRIDO:RENATO MOREIRA ANDRADEADVOGADO:SEM ADVOGADOORIGEM:SETIMA VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO (200151015296560)

    RELATÓRIO

    Trata-se de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO interposto pelo Ministério Público Federal (fls. 98/102) em face da r. sentença (fls. 86/94) que, com fulcro no artigo 43 , I e III , do Código de Processo Penal , rejeitou a denúncia oferecida em face de RENATO MOREIRA ANDRADE.

    A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público Federal em face de RENATO MOREIRA ANDRADE pela prática do crime de uso de documento falso, previsto no artigo 304 , do Código Penal , por tentar ingressar nos Estados Unidos da América, em 16/06/2001, utilizando passaporte em nome de uma terceira pessoa, REGINALDO FERREIRA LIMA FILHO, sendo, entretanto, deportado em decorrência da constatação do falsum.

    O MM. Juiz a quo entendeu que está configurada, na questão em apreço, uma causa excludente de culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que o denunciado, diante de uma quase absoluta falta de oportunidades de empregos ou meios de subsistência com dignidade, pretendeu emigrar para os Estados Unidos da América em busca de emprego e melhores condições de vida. Nesse sentido é o depoimento prestado em sede policial pela mãe do denunciado, no qual afirma que este estava desempregado e atualmente encontra-se em Portugal, haja vista não ter obtido emprego no Brasil (fls. 57/58).

    Em suas razões de recurso, o MPF, aduz, em síntese, que restam comprovados todos os elementos do crime de uso de documento falso, assim como existem indícios de autoria do denunciado. Acrescenta que as causas excludentes de culpabilidade não devem ser interpretadas em sentido amplo, considerando a triste realidade social brasileira justificativa para o cometimento de crimes. Por último, ressalta que o crime cometido no caso em tela é parte de uma cadeia de outros crimes, como, por exemplo, falsificação, corrupção e lavagem de dinheiro, não podendo o agente ativo do crime em questão, assim, ficar impune.

    Mantida a decisão por seus próprios fundamentos (fl. 104), vieram os autos do processo a este Tribunal, ocasião em que o douto órgão do Ministério Público Federal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, sob o argumento de que o juízo de admissibilidade da denúncia ultrapassou os limites a ele impostos pela lei e teceu considerações sobre o próprio mérito da demanda. Acrescenta que a denúncia expõe com clareza o sujeito ativo do crime, os meios por ele empregados, o mal produzido, o lugar do crime, os motivos, a maneira pelo qual foi praticado e o tempo do fato. Por fim, sustenta que a decisão recorrida nega vigência aos artigos 41 e 43 , do Código de Processo Penal , e contraria o artigo , LV e 129, I, da Constituição Federal .

    É o relatório.

    Sem revisão.

    ALEXANDRE LIBONATIJuiz Federal Convocado

    VOTO

    Conforme relatado, trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal em face de r. sentença que rejeitou a denúncia oferecida em face de RENATO MOREIRA ANDRADE pela prática da conduta capitulada no artigo 304 , do Código Penal .

    A r. sentença merece ser mantida.

    O denunciado RENATO MOREIRA ANDRADE foi deportado dos Estados Unidos da América, uma vez que portava passaporte falsificado, em nome de terceira pessoa, Reginaldo Ferreira Lima Filho.

    Está comprovada a falsidade do documento apresentado pelo réu, conforme se depreende do Laudo de Exame Documentoscópico (fls. 39/40), no qual os peritos concluem que há presença de dupla plastificação no passaporte, o que sugere a substituição da fotografia original pela fotografia do denunciado.

    Em que pese o posicionamento do órgão ministerial, entendo que a situação do denunciado, nos presentes autos, não difere da de inúmeros outros brasileiros, também excluídos socialmente, e que buscam no exterior melhores condições de vida. Adoto, no particular, como razões de decidir, os fundamentos já tantas outras vezes acolhido:

    “Esse tipo de processo se refere a exilados econômicos, que à semelhança dos exilados políticos, tentam encontrar condições de vida mais satisfatórias em outro país.

    Ao longo de muitas instruções realizadas, pude constatar que todos esses cidadãos brasileiros tentam desesperadamente livrar-se da marginalidade social e econômica a que estão condenados, sem vislumbrar em que momento do tempo os princípios programáticos constitucionais, a existência digna, a Justiça Social, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego contidas no artigo 170 da Constituição Federal , transformar-se-ão em realidade.Muitos deles, são oriundos dos, acertadamente chamados, “grotões” de Minas Gerais, desconhecendo as elementares exigências e proibições do ordenamento jurídico.Por esta razão, acolhi em outras oportunidades a manifestação da ilustre representante do MPF, Dra. Silvana B. C. Góes, como uma decisão corajosa, ditada pela constatação de que a questão não é de política criminal, mas de indigência econômica, configurando-se de forma inequívoca o dogmático conceito de inexigibilidade de conduta diversa. De resto, a postura do MPF é reconhecida na doutrina como descriminalização de fato.

    ‘Existe decriminalización de facto, según dicha autora, cuando el sistema penal deja accionar sin que formalmente haya perdido competencia para ello, es decir: desde el punto de vista técnico-jurídico queda en estos casos intacto el caráter de ilícito penal, eliminándose sólamente la aplicación efectiva de la pena’.Ou como entende o Comitê Europeu:‘(...) la decriminalización de facto es el “fenómeno de reducción (gradual) de las actividades del sistema de justicia penal frente a ciertas formas de comportamiento o ciertas situaciones, aunque no haya habido cambios en la competencia formal del sistema’ (Los Procesos de Decriminalización - Raul Cervini, pg. 63 e 64).É o seguinte o teor da manifestação do MPF:‘Trata-se de mais um dentre os inúmeros inquéritos que versam sobre o uso de passaporte falso (art. 304 do Código Penal) por nacional que pretendia iludir o experimentado e internacionalmente famoso Departamento de Imigração dos E.E.U.U., permissão de entrada naquele país como turista.A repetição incessante destas patéticas jornadas rumo ao sonho dourado do “american way of life” faz-nos meditar qual seria a verdadeira causa deste problema, e qual solução que se poderia encontrar para o mesmo.Lançando nossa vista para a causa, desde logo cumpre afastar aquilo que de óbvio já se demonstra: o uso de documento falso não é, no caso, delito propiciador de lucro. Portanto, não se há de afirmar que é o propósito do lucro fácil que anima os indiciados nestes procedimentos investigatórios.Por outro lado, notamos também que, dado o perfil normal destes cidadãos, normalmente também não visam com sua partida ruma às agruras do estrangeiro, furtar-se à responsabilização criminal em solo pátrio. Já ficou comprovado que não se exigem as peripécias do “falsum” para isto obter. Que o diga a nata da corrupção política, mestra em desaparecer numa cortina de fumaça ante os olhos perplexos de nossa nação sedenta de justiça.Isto colocado, nada mais resta senão concordar que a causa para tantos pequenos delitos se devem às notórias dificuldades econômicas que se impõe ao nosso povo trabalhador. Deveras, não há outro motivo tão determinante quanto este para que isto aconteça. Nosso país, já desprovido de valores morais na condução de seus nortes políticos, vê sua juventude e força de trabalho viajar rumo à incerteza.É momento oportuno para que seja trazida ao texto uma segunda interrogação: qual a solução para esta perplexidade? Seria ela a multiplicação de procedimentos processuais penais à mesma razão de casos como este, de imigrantes frustrados?Anima a consciência deste órgão do MPF a certeza pela negativa ao questionamento acima esboçado. Não faz sentido ocupar o tempo e os meios materiais de nosso Judiciário com estas ações penais quando tantos outros crimes de lesividade infinitamente maior demandam a presteza de um pronunciamento deste Poder do Estado. Temos a certeza de que com a conduta tipificada nos inquéritos como este em questão, o grande prejuízo sofre o Brasil, com a perda desta preciosa mão de obra que emigra premida por uma crise interminável.Não é este, contudo, o único aspecto a ser abordado na análise destas potenciais ações penais. Fora o aspecto de pequena lesividade, há de se pensar na utilidade de uma possível ação penal. Já não se deseja, há muito, um Poder Judiciário seduzido pelo desejo de tornar-se o órgão de vingança do Estado, o demonstrativo de sua força brutal e desmedida de opressão.De fato, é justamente o contrário que se busca. É balizado com os princípios que protegem o homem, e com os pés firmemente calcados na realidade social que se espera um equilibrado pronunciamento judicial.Mais ainda: tem-se notado nos inúmeros inquéritos similares a este que semanalmente nos chegam, a sistemática inércia da polícia no sentido de perseguir os verdadeiros falsários, estes sim, hábeis meliantes que se locupletam com a venda dos passaportes falsos. Não raro os infelizes deportados declinam seus nomes e locais de atuação, sem que se tenha notícia de uma atitude enérgica da polícia com o objetivo de coibir tal comércio clandestino.Tecidas estas considerações, alimenta-se com novos dados o presente requerimento. É notório que a deportação de alguém que se encontra clandestinamente nos E.E.U.U. não se faz sem uma devida dose de constrangimento e humilhação pelas ciosas autoridades daquele país, e uma também constrangedora recepção em solo brasileiro pelos agentes de Polícia Federal. Com efeito, não se corre o risco de deixar uma conduta criminosa livre de punição. A própria trajetória da investigação destes delitos já fornece este ingrediente.Em vista do exposto, pugna o MPF pelo ARQUIVAMENTO do Inquérito policial’.

    O entendimento ora acolhido, por outro lado, encontra guarida neste Tribunal, conforme o precedente adiante transcrito:

    “USO DE DOCUMENTO FALSO. NÃO CARACTERIZAÇÃO.A ineficácia incontornável do meio de que se serviu o agente não permitiu se aperfeiçoa-se o tipo.(TJSP - Ap. C.113.6863/8- Rel. RenatoNatini)”.……………….“PASSAPORTE FALSO. ABSOLVIÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS.1 - Não é punível a conduta de brasileiro que utiliza passaporte falso apenas para tentar livrar-se da marginalidade social e econômica a que está fadado no Brasil buscando melhores condições de vida em outro país, caracterizada, nesta hipótese, a inexigibilidade de comportamento diverso;2 - Inexistindo quaisquer outras provas, a simples confissão do co-réu não é suficiente para fundamentar uma condenação;3 - Apelação a que se nega provimento, mantendo-se a absolvição dos acusados.”(TRF-2ª Reg. Ap. C. 98.02.07729-1 - Rel. Rogério V. de Carvalho)

    Diante do exposto, CONHEÇO DO RECURSO E NEGO-LHE PROVIMENTO.

    É como voto.

    ALEXANDRE LIBONATIJuiz Federal Convocado

    EMENTA

    PENAL E PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – USO DE DOCUMENTO FALSO – PASSAPORTE FALSIFICADO PARA INGRESSAR NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - ART. 304 , DO CÓDIGO PENAL – NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM RAZÃO DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - A situação do réu, nos presentes autos, não difere da de inúmeros outros brasileiros, também excluídos socialmente, e que buscam no exterior melhores condições de vida.- Todos esses cidadãos brasileiros tentam desesperadamente livrar-se da marginalidade social e econômica a que estão condenados, sem vislumbrar em que momento do tempo os princípios programáticos constitucionais, a existência digna, a Justiça Social, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego contidas no artigo 170 da Constituição Federal , transformar-se-ão em realidade.- Acolhi a manifestação da ilustre representante do MPF, Dra. Silvana B. C. Góes, que constatou que a questão não é de política criminal, mas de indigência econômica, configurando-se de forma inequívoca o dogmático conceito de inexigibilidade de conduta diversa.

    ACÓRDÃO

    Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

    Rio de Janeiro, 13 de abril de 2005. (data do julgamento)

    ALEXANDRE LIBONATIJuiz Federal Convocado"

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