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15 de Maio de 2024
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    A desconsideração da personalidade jurídica

    Publicado por Rogério Tadeu Romano
    há 3 anos

    A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

    Rogério Tadeu Romano

    É sabido que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o da pessoa física.

    Desconsidera-se a separação patrimonial existente entre o capital de uma empresa e o patrimônio de seus sócios para os efeitos de determinadas obrigações, com a finalidade de evitar sua utilização de forma indevida, ou quando este for obstáculo ao ressarcimento de dano causado ao consumidor.

    Sabe-se que o mais curioso é que a disregard doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para outros fins legítimos.

    Wormeser, jurista americano, desde 1912, versou a doutrina, procurando delinear o seu conceito, professando que "quando o conceito de pessoa jurídica (corporate entity) se emprega para defraudar os credores, para subtrair-se a uma obrigação existente, para desviar a aplicação de uma lei, para constituir ou conservar um monopólio ou para proteger velhacos ou delinquentes, os tribunais poderão prescindir da personalidade jurídica e considerar que a sociedade é um conjunto de homens que participam ativamente de tais atos e farão justiça entre pessoas reais".

    Pedro Batista Martins (Abuso do direito e o ato ilícito) resumiu essa situação de abuso da seguinte forma: "O titular de um direito que, entre vários meios de realizá-los, escolhe precisamente o que, sendo mais danoso para outrem, não é o mais útil para si, ou mais adequado ao espírito da instituição, como, sem dúvida, um ato abusivo, atentando contra a justa medida dos interesses em conflito e contra o equilíbrio das relações jurídicas".

    Daí virou, nos tribunais americanos e nos tribunais germânicos, uma constante que entendeu pelo levantamento do véu da personalidade jurídica, pela aplicação dessa teoria estudada. Mas ela tem um verdadeiro caráter excepcional.

    É certo que o artigo 350 do Código Comercial é assim visto:

    Art. 350 - Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados todos os bens sociais.

    Ora, como ensinou Rubens Requião (obra citada, pág. 72), "o direito, enfim, foi criado em atenção ao indivíduo, tendo por objeto ordenar sua convivência com outros indivíduos. O exercício de seus direitos, embora privados, deve atender a uma finalidade social. A função social do direito, que se refere, sobretudo aos contratos e à propriedade, deve pelo indivíduo ser atendida".

    O artigo 50 do Código Civil de 2002 dá dois requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica: abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Assim, somente estas situações justificariam a desconsideração, que deve ser reconhecida por decisão judicial.

    Desvio indica o “uso indevido ou anormal”, visto que “o sócio que detém a liberdade de iniciativa de se servir de uma personalidade jurídica, distinta dos membros que compõem a pessoa jurídica, emprega seus esforços para dar outro destino à tal personalidade.Observa-se assim que, para que ocorra o desvio de finalidade, o exercício da personalidade jurídica deve ser abusivo, direcionado a um fim estranho à sua função.

    Fábio Konder Comparato (O poder de controle na sociedade anônima, 1976, pág. 293/294) ensina que:

    “A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica externa corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois a pessoa jurídica nada mais é, afinal, do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador, que é o maior interessado na manutenção desse princípio, descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra puramente unilateral.”

    Ainda pode-se ter a desconsideração da personalidade jurídica, mediante a execução fiscal em todos os âmbitos, matéria regida pela Lei 6.830/80.

    Já em relação ao Código de Defesa do Consumidor, os requisitos estão apresentados no art. 28, quais sejam: abuso de direito; excesso de poder; infração da lei; ato e fato ilícito e; violação dos estatutos e contratos. Há também a modalidade de desconsideração trazida pela má administração da empresa que seria: falência; insolvência; encerramento e; inatividade.

    A primeira hipótese de desconsideração elencada pelo artigo 28 do CDC, é o abuso de direito, que representa o exercício não regular de um direito. A personalidade jurídica é atribuída visando determinada finalidade social, se qualquer ato é praticado em desacordo com tal finalidade, causando prejuízos a outrem, tal ato é abusivo e, por conseguinte atentatório ao direito, sendo a desconsideração um meio efetivo de repressão a tais práticas. Neste particular, o CDC acolhe a doutrina que consagrou e sistematizou a desconsideração.

    O CDC refere-se ao excesso de poder, que diz respeito aos administradores que praticam atos para os quais não tem poder. Ora, os poderes dos administradores são definidos pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, cuja violação também é indicada como hipótese de desconsideração. Assim, pode-se reunir em um grupo o excesso de poder, a violação ao contrato social ou ao estatuto, a infração a lei e os fatos ou atos ilícitos.

    Por fim, o caput do artigo 28 menciona a falência, insolvência, o encerramento das atividades provocado por má administração. .

    A doutrina põe a conhecimento que o primeiro processo judicial que efetivamente enfrentou o debate sobre a desconsideração da pessoa jurídica foi o caso “Salomon versus Salomon & Co Ltda” ocorrido na Inglaterra, em 1897”.

    Destaca-se, nos Estados Unidos, em 1.809, o caso Bank of United States vs. Deveaux, no qual o Juiz Marshall conheceu do caso e levantou o véu da pessoa jurídica (piercing the corporate veil) e considerou a característica dos sócios individualmente falando. Não se trata propriamente de um leading case a respeito da desconsideração da pessoa jurídica, mas apenas de uma primeira manifestação que olhou além da pessoa jurídica e considerou as características individuais dos sócios.

    Pretendia-se, no caso, pelos credores da sociedade, a superação da personalidade jurídica, de modo a afastar uma manobra do sócio majoritário da sociedade que em razão de titulo preferencial que possuía em decorrência de suposto empréstimo, alegava preferencia do recebimento de créditos contra sociedade de que era participante, em detrimento dos demais credores.

    No Brasil, O Código de Defesa do Consumidor foi o primeiro dispositivo legal a se referir à desconsideração da personalidade jurídica. Posteriormente, foi inserida em outras leis: art. 18 da Lei n.º 8.884/1994 (Lei do CADE); art. da Lei 9.605 de 12.2.98 (dispõe sobre as sanções derivadas de danos ao meio ambiente); e art. 50 do Código Civil de 2002. Particularmente, na doutrina, tem a lição de Rubens Requião, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, onde a matéria é tratada, publicada em 1969.

    Prevê o Enunciado n.º 51 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil que “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”

    Há duas teorias para explicitar a matéria.

    As teorias maior e menor da desconsideração explicitam as duas formulações existentes que expõem a superação da personalidade jurídica a partir dos requisitos a serem preenchidos para sua aplicação.

    A teoria maior tem base sólida e se trata da verdadeira desconsideração, vinculada à verificação do uso fraudulento da personalidade jurídica, ou seja, apresenta requisitos específicos para que seja concretizada.

    Adotando-se a teoria maior, a desconsideração só será levada a efeito caso restem preenchidos e demonstrados os requisitos legais configuradores do uso abusivo da pessoa jurídica.

    Para a teoria menor bastaria para a caracterização da desconsideração a mera comprovação da insolvência da pessoa jurídica, sem aferir nenhum desvio, confusão patrimonial e nem irregularidade do ato.

    A teoria menor é adotada pelos sistemas jurídicos protetivos, já que justifica-se na impossibilidade de transferência a terceiros dos riscos inerentes das atividades exploradas pelas pessoas jurídicas, e por conta disso, quem se beneficia a atividade explorada pela sociedade personificada, ou seja, os sócios, também devem arcar com as obrigações surgidas.

    A teoria menor da desconsideração é adotada pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Crimes Ambientais.

    Em matéria de ilícitos ambientais é adotado o instituto da disregard doctrine, com a desconsideração da personalidade jurídica, sempre que for criado um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Supera-se o conflito entre as soluções éticas, que questionam a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar sempre os sócios, e as técnicas que se apegam, de forma inflexível, ao primado da separação subjetiva das sociedades. Especificamente, na Lei de crimes contra o ambiente, no artigo 24, há previsão de que a pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciario Nacional.

    Já o Código Civil, em seu artigo 50, adota a teoria maior da desconsideração, na medida em que se faz necessária a configuração de certos requisitos.

    “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

    Primeiramente, verifica-se que a desconsideração da personalidade jurídica não pode ser aplicada de ofício pelo Juiz, dependendo, portanto, de requerimento do Ministério Público, nas causas que possui legitimidade para atuar como demandante ou como fiscal da lei, ou ainda da parte interessada.

    A matéria é versada no Código de Processo Civil de 2015.

    Trata-se de incidente processual. Mas lembre-se que o simples incidente processual jamais gera uma relação processual nova

    É o que diz o artigo 133 do CPC de 2015 quando a norma determina que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. Os pressupostos previstos em lei devem observar a sua instauração.

    O art. 134, reforça o tratamento incidental que é conferido à disregard doctrine no novo CPC posto que reitera o fato de que sua aplicação "é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial".

    Mas, a teor do parágrafo segundo do artigo 134 do diploma legal em referência, dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que deve ser citado o sócio ou a pessoa jurídica.

    Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis em prazo peremptório de 15 (quinze) dias. Melhor seria dizer: será intimado.

    Como tal sendo um incidente, a decisão será interlocutória, que ocorrerá após a instrução, cabendo recurso de agravo de instrumento. Se a decisão for do relator, o recurso será agravo interno (artigo 136, caput, e parágrafo único, respectivamente)

    O Superior Tribuna de Justiça enfrentou recentemente o tema no julgamento do REsp 1862557.

    Prevista pelo artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, a teoria menor de desconsideração da personalidade jurídica – segundo a qual poderá ser desconsiderada a personalidade quando ela for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor – não é aplicável ao gestor que não integra o quadro societário da empresa. Esses administradores só poderão ser atingidos pessoalmente pela desconsideração no caso da incidência da teoria maior da desconsideração, disciplinada pelo artigo 50 do Código Civil.

    Consoante informou o site do STJ, em 25 de agosto do corrente ano, entretanto, o ministro ponderou que o artigo 28, parágrafo 5º, do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de que não integra o quadro societário da empresa, ainda que atue nela como gestor.

    Com base em lições da doutrina, o relator apontou que só é possível responsabilizar administrador não sócio por incidência da teoria maior, especificamente quando houver comprovado abuso da personalidade jurídica.

    No caso dos autos, contudo, Villas Bôas Cueva apontou que o pedido de desconsideração foi embasado apenas no dispositivo do CDC, em razão do estado de insolvência da empresa executada. Dessa forma, ressaltou, aos administradores não sócios não foi sequer imputada a prática de atos com abuso de direito, excesso de poder ou infração à lei.

    "Desse modo, ao acolherem a pretensão do exequente, ambas as instâncias ordinárias conferiram ao artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor interpretação que não se harmoniza com o entendimento desta corte superior", concluiu o magistrado ao afastar os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica em relação aos gestores não sócios.

    Na matéria já entendeu o STJ:

    "CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ROMPIMENTO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. AUSÊNCIA DE ATIVOS FINANCEIROS DA EMPRESA EXECUTADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, II, DO NCPC. NÃO CONFIGURADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. ART. 28, § 5.º, DO CDC (TEORIA MENOR) QUE NÃO EXIGE A PRÁTICA DE ATOS FRAUDULENTOS, MAS NÃO POSSUI A HIPÓTESE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ADMINISTRADOR. ART. 50 DO CC (TEORIA MAIOR) QUE PERMITE A RESPONSABILIZAÇÃO DO ADMINISTRADOR NÃO-SÓCIO, MAS EXIGE QUE AS OBRIGAÇÕES CONTRAÍDAS TENHAM SIDO REALIZADAS COM EXCESSO DE PODER OU DESVIO DO OBJETO SOCIAL. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE NÃO INDICOU NENHUMA PRÁTICA DE ATO IRREGULAR OU FRAUDULENTO PELO ADMINISTRADOR NÃO-SÓCIO. RESPONSABILIZAÇÃO INDEVIDA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Esta Corte já consolidou o entendimento de que nas relações jurídicas de natureza civil-empresarial, adota-se a teoria maior, segundo a qual a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional que permite sejam atingidos os bens das pessoas naturais (sócios ou administradores), de modo a responsabilizá-las pelos prejuízos que, em fraude ou abuso, causaram a terceiros, nos termos do art. 50 do CC. 4. É possível atribuir responsabilidade ao administrador não-sócio, por expressa previsão legal. Contudo, tal responsabilização decorre de atos praticados pelo administrador em relação as obrigações contraídas com excesso de poder ou desvio do objeto social. 5. A responsabilidade dos administradores, nestas hipóteses, é subjetiva, e depende da prática do ato abusivo ou fraudulento. No caso dos autos, não foi consignada nenhuma prática de ato irregular ou fraudulento do administrador. 6. O art. 50 do CC, que adota a teoria maior e permite a responsabilização do administrador não-sócio, não pode ser analisado em conjunto com o parágrafo 5º do art. 28 do CDC, que adota a teoria menor, pois este exclui a necessidade de preenchimento dos requisitos previstos no caput do art. 28 do CDC permitindo a desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, pelo simples inadimplemento ou pela ausência de bens suficientes para a satisfação do débito. Microssistemas independentes. 7. As premissas adotadas pelo Tribunal de origem não indicaram nenhuma prática de ato irregular ou fraudulento pelo administrador não-sócio. 8. Assim, não havendo previsão expressa no código consumeirista quanto à possibilidade de se atingir os bens do administrador não-sócio, pelo simples inadimplemento da pessoa jurídica (ausência de bens) ou mesmo pela baixa registral da empresa executada, é forçoso reconhecer a impossibilidade de atribuição dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica ao administrador não-sócio. 9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (REsp 1.658.648/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/11/2017, DJe 20/11/2017).

    Na lição de João Cánovas Bottazzo Ganacin (Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil [livro eletrônico], 1. ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020), “no ordenamento jurídico brasileiro, ao menos duas classes de obrigações foram colocadas à margem do regime de limitação de responsabilidade, recebendo especial proteção do legislador: as oriundas de relações de consumo e aquelas de natureza ambiental. No que diz respeito a essas específicas obrigações, mesmo nos tipos societários de responsabilidade limitada, a insolvência da sociedade será razão suficiente para que a dívida social recaia sobre os sócios – como se verifica nas sociedades de responsabilidade ilimitada com relação a toda e qualquer dívida. Em tais hipóteses, portanto, não se trata de responsabilidade extraordinária dos sócios, decorrente de abuso da personalidade jurídica, senão de responsabilidade ordinária, que a legislação lhes atribui independentemente de seu comportamento no âmbito societário. Logo, não há motivo para relacioná-la ao instituto da desconsideração – desenvolvido e consolidado como meio de sanção ao mau uso da personalidade jurídica (supra, n. 3). Ocorre que o legislador, decerto embalado pela tendência identificada por Maria de Fátima Ribeiro e Warde Jr., erroneamente associou à disregard doctrine normas que na verdade tratam da responsabilidade subsidiária dos sócios por obrigações de origem consumerista ou ambiental. O Código de Defesa do Consumidor prescreve que 'poderá [rectius: deverá] ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores' (art. 28, § 5º). Idêntica fórmula é encontrada no art. da Lei 9.605/1998, segundo o qual 'poderá [rectius: deverá] ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente'. Em substância, esses dispositivos simplesmente estabelecem que os sócios serão ordinária e subsidiariamente responsáveis por dívidas consumeristas ou ambientais da sociedade, preceituando que a insolvência da pessoa jurídica fará com que seus patrimônios particulares sejam acionados para a satisfação obrigações sociais. Eis o conteúdo e o sentido das normas em questão. E a imprópria referência do texto normativo à expressão 'desconsideração da personalidade jurídica' em nada altera essa realidade, pois em matéria legislativa 'não se consegue mascarar a natureza das coisas com o simples uso de outros vocábulos'. A despeito disso, o conteúdo literal dos dispositivos legais vertentes fez com que a doutrina e os tribunais neles vislumbrassem verdadeiras hipóteses de disregard. Em livros e artigos, tornou-se corriqueira a menção à coexistência de duas 'teorias' da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro: de regra, vigeria a 'teoria maior' da desconsideração, com incidência condicionada à comprovação de abuso da personalidade jurídica, conforme o artigo 50 do Código Civil; excepcionalmente, no direito do consumidor e no direito ambiental, vigoraria a 'teoria menor', para cuja aplicação bastaria a insolvência da sociedade, nos termos dos arts. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 9.605/1998. A jurisprudência, por sua vez, abraçou acriticamente essa classificação. Porém, pelas razões já expostas, o que se convencionou chamar de 'teoria menor' só impropriamente pode ser relacionado ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se, na verdade, de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios por dívidas sociais de origem consumerista ou ambiental, fruto de uma opção político-legislativa de não submeter essas específicas obrigações ao regime de limitação de responsabilidade que vigora em certos tipos societários. Ao contrário do que possa parecer a alguns, a conclusão apresentada não tem sabor puramente acadêmico. Há enorme relevância prática em reconhecer que os dispositivos legais mencionados (CDC, art. 28, § 5º; Lei 9.605/1998, art. ) não disciplinam hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, mas de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios. Em autênticos casos de disregard, o administrador não sócio pode ser atingido quando comprovado seu envolvimento no abuso da personalidade jurídica. Todavia, não é válido implicá-lo na 'desconsideração por mera insolvência', pois, repete-se, a hipótese aí verificada é de responsabilidade ordinária e subsidiária dos sócios (note-se bem: dos sócios) por obrigações sociais de determinada natureza. Em tais casos, a razão que veda a responsabilização do administrador não sócio é a mesma que o preserva de responder subsidiariamente por dívidas numa sociedade de responsabilidade ilimitada: ele não tem participação no capital social. Ubi eadem ratio ibi idem jus."

    Ao final, lembro a lição do ministro Moura Ribeiro (REsp nº 1.658.648/SP), ressaltando-se que" (...) só cabe responsabilizar o administrador não sócio por incidência da 'teoria maior', vale dizer, quando de sua parte houver comprovado abuso da personalidade jurídica (CC, art. 50)".

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    Excelente contribuição. Grato Dr. continuar lendo