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29 de Maio de 2024

A Profissionalização de Menores no Brasil

há 7 anos


1 Introdução

Nosso objetivo no presente artigo é o estudo da inclusão do menor no mercado de trabalho brasileiro dentro do direito e seus aspectos jurídicos. Trataremos da inclusão do menor no mercado de trabalho, nas suas relações de emprego e de como o mercado está adaptado para a profissionalização desses menores, bem como da legalidade da proteção trabalhista a estes cidadãos, como garantia do Estado Democrático de Direito.

Na sociedade pós-moderna, e no cenário internacional, a temática do trabalho de menores tem trazido grandes preocupações. A Declaração de Genébra de 1924 já apresentava precedentes de normatização internacional para o trabalho do menor, mas temas específicos de regulação vieram em 1950 com a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, que elaborou regras para as medidas não privativas de liberdade e formas de prevenção da delinquência juvenil por meio da Declaração de Riad (Meireles 2011). Em 1959 é aprovada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, aprimorada com as chamadas:

a) regras de Beijing, de 1985;

b) regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) Adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990., e;

c) as Diretrizes de Riad, para prevenção da delinquência juvenil 1990.

No continente americano, o tratado celebrado em 1969 o Pacto de San José da Costa Rica - estabeleceu, em seu artigo 19, que “toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte da família, da sociedade e do Estado”. Entretanto apenas em 1989, através da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, foram editados princípios fundamentais norteadores, a saber: o direito à vida, à liberdade, as obrigações dos pais, da sociedade e do Estado em relação à criança e adolescente. Os estados signatários ainda comprometem-se a assegurar a proteção dos menores contra as agressões, ressaltando em seu artigo 19 o combate à sevícia, exploração e violência sexual.

Eixos da participação na sociedade, da sobrevivência e do desenvolvimento, bem como do interesse do menor e a não descriminalização também foram tratados. No campo da participação, os menores passam a pessoas sujeitos de direito, cabendo a eles, sempre que possível expressar-se, devendo o poder público escutá-los na formação econômica e ou educacional do país, como formadores de decisões como parte da sociedade civil na qual estão incluídos.

Os Estados membros devem garantir lhes o desenvolvimento, bem como preservar a qualidade de vida dos menores, nos aspectos físico, psicológico, moral e social, levando sempre em conta as aptidões de cada um. Nos casos que houver alguma decisão por parte de instituições, seja no âmbito público ou privado que envolver o menor, deve ser considerada aquela medida que lhe ofereça o menor prejuízo e maior bem estar. E para finalizar, nenhuma criança deve ser prejudicada de forma alguma por motivos de raça, credo, cor, gênero, idioma, casta, situação ao nascer ou por padecer de alguma deficiência física (Corrarino 2016).

A OIT da Convenção 138, estabelece a vedação ao trabalho perigoso e insalubre aos menores, fixando a idade mínima em 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14, da qual o Brasil é signatário.

2 Relações de Emprego, Mercado e Profissionalização

Nas palavras do professor Brito Filho: “a diginidade da pessoa humana é a base da vida em sociedade e dos direitos humanos (Filho 2004), lembrando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) , é estabelecido que:

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Nesse sentido, Kant determina que “cada um deles jamais trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si”. Continua o autor:

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente então ela tem dignidade. [...] O que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do homem tem um preço venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade, é conforme a um certo gosto, isto é a uma satisfação no jogo livre e sem finalidade das nossas faculdades, anímicas, tem um preço de afeição ou de sentimento; aquilo, porém que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é um preço, mas um valor íntimo, isto é, dignidade (Kant 1995).

É tratada também na Constituição brasileira de 1988, desde o preâmbulo o valor essencial, consagrado nos seguintes termos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da Republica Federativa do Brasil (grifos nossos).

Quem determina o conjunto de normas e regras, as atribuições bem como os limites e direitos dos cidadãos, das instituições privadas e públicas e do Estado, é a Constituição de um país. No Brasil ela é a lei fundamental, e se encontra no topo de todo o ordenamento jurídico, não cabendo a nenhum outro dispositivo contraria-la.

No caso do menor, somado à Constituição está o Estatuto da Criança e do AdolescenteECA, lei de número 8.069 de 1990. O Eca é um marco na história de proteção a infância e adolescente, pois nele estão determinadas questões dos direitos fundamentais, sanções, tipificações de crimes contra a criança, órgãos que devem prestar assistência, entre outros. Trazendo para nosso tema, a aprendizagem está presente no ECA, conforme artigo 69 que determina:

Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros:

I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.

O menor, como parte do povo e cidadão, tem direito à profissionalização e a proteção no trabalho pautado no seu desenvolvimento e numa capacitação adequada à sua idade e ao mercado. Não sendo um assunto novo, a aprendizagem já estava prevista desde 1943 na Consolidação das Leis do TrabalhoCLT., logo após a criação do SENAI em 1942. (Feliz 2008)

A Lei de Aprendizagem, também conhecida como a Lei do Aprendiz, é uma alternativa para que jovens, entre 14 e 24 anos incompletos e é regulamentada pela lei nº 10.097 de 2000. A contratação através dessa modalidade tem carga horária reduzida, inscrição em curso de ensino técnico e atividades específicas que não sejam prejudiciais ao desenvolvimento do adolescente e não interfiram nos estudos regulares.

Ela assegura o ingresso do menor no mercado de trabalho ao mesmo tempo que lhe oferece garantias de direitos já estabelecidos e condições especiais, tais como: máximo de dois anos de duração e não pode ultrapassar o limite de 24 anos de idade incompletos; a carga horária diária de trabalho não pode exceder seis horas (para aqueles que não completaram o Ensino Fundamental); não pode haver prorrogação e compensação de horários, de conformidade com o artigo 432 da CLT, se o Ensino Fundamental já tiver sido concluído; o limite diário será de no máximo oito horas; são assegurados o contrato de aprendizagem com anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CNTPS. Será fiscalizada a frequência de curso de formação técnico-profissional para os casos em que já houver concluído o Ensino fundamental e, caso o aprendiz não tenha concluído o Ensino Fundamental, matrícula e frequência à escola.

3 Proteção contra Abusos do Trabalho do Menor

Além do Ministério do Trabalho, o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil é responsável pela defesa do menor contra abusos relacionados ao trabalho e ao mercado de trabalho. Também a Consolidação das Leis TrabalhistasCLT., no artigo 405, I, limita atividades de prestação de serviços em locais e condições de perigo e insalubridade. Conjuntamente, o Ministério Público edita portarias divulgando uma listagem descritiva de quais atividades são insalubres e perigosas.

A Emenda Constitucional 20/98 subiu o limite etário, que antes era de 14 anos para 16 anos, mas possibilitou para menores a partir de 14 anos o trabalho nos contratos de aprendizagem. Essa mudança acabou atingindo a prática dos atos da vida civil do menor, que antes era absolutamente incapaz, mas que, a jurisprudência tem entendido que nestes contratos de aprendizagem, em que envolve os aprendizes a partir de 14 anos, tornam-se relativamente incapazes, dando uma certa autonomia no que tange os atos da vida civil.

Vale ressaltar que, o menor nesta situação continua impedido de dar quitação ao seu empregador quanto as verbas rescisórias, exceto quando assistido pelo responsável legal. Neste sentido afirma o artigo 439 da CLT.: É lícito ao menor firmar recibo pelo pagamento dos salários. Tratando-se, porém, de rescisão do contrato de trabalho, é vedado ao menor de 18 (dezoito) anos dar, sem assistência dos seus responsáveis legais, quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida. (Trabalhista 1943)

É na CLT. que encontramos maior aporte de medidas protetivas para assegurar a dignidade do menor trabalhador. Alguns exemplos são:

a) vedação de trabalho noturno (22 as 5hs) para trabalhadores urbanos;

b) vedação de trabalho noturno (20 as 4hs) para trabalhadores rurais da pecuária;

c) vedação de trabalho noturno (21 as 5hs) para trabalhadores rurais da agricultura;

d) vedação de atividades em locais que possam prejudicar o desenvolvimento moral;

e) autoriza o trabalho em praças, ruas e logradouros quando for indispensável para sua subsistência e ou de sua família;

f) proíbe o trabalho de menor em subsolo ou que demande força muscular superior a 20 quilos para trabalho contínuo e de 25 para trabalhos ocasionais.

g) Limita a jornada de trabalho admitindo-se apenas a compensação de jornada e a sua prorrogação e ainda sim, quanto a esta última, apenas quando for decorrente de força maior;

h) fazer coincidir o período de suas férias escolares com as férias do trabalho.

4 Conclusão

Foi com o olhar voltado para a proteção da dignidade da pessoa do menor, que a produção de melhorias na condição social dos menores começou a surtir efeito sobre sua realidade.

É fato que ainda assim, encontramos diversos casos, principalmente em zonas urbanas mais desenvolvidas de menores escravizados, entretanto os direitos individuais trabalhistas são indisponíveis e não podem ser renunciados ou abdicados. A lei assegura um piso salarial mínimo, juntamente as associações e sindicatos de classe a fim de consolidar a dignidade do trabalhador.

A dignidade do menor passa também por seu bom desenvolvimento físico e moral. A Constituição Federal de 1988, junto com a Consolidação das Leis trabalhista e o Eca têm papel fundamental para regular as normas que viabilizam e determinam os direitos concernentes ao menor trabalhador. A fiscalização também torna-se primordial, para fazer valer a aplicação daquelas.

Lembramos o caso de uma apresentadora de 6 anos, numa emissora de grande porte, em que o Ministério Público interviu instaurando inquérito civil público para verificar se havia violação e desrespeito a dignidade do menor em desenvolvimento. Para demonstração trazemos a jurisprudência transcrita in verbis:

RESP 278356 - ECA - PARTICIPAÇÃO DE MENOR EM ESPETÁCULO PÚBLICO - PROGRAMA DE TV - ALVARÁ JUDICIAL. RECURSO ESPECIAL Nº 278.356 - RJ (20000095440-3)

EMENTA

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA); PARTICIPAÇÃO DE MENOR EM ESPETÁCULO PÚBLICO; PROGRAMA TELEVISIVO; ALVARÁ JUDICIAL; IMPRESCINDIBILIDADE; ART. 149, II DO ECA; MULTA; ART. 258 DO ECA; PRECEDENTES.

Os programas de televisão têm natureza de espetáculo público, enquadrando-se a situação na hipótese prevista no inciso II, do art. 149 do ECA.

A participação da criança e/ou adolescente em espetáculo televisivo, acompanhado ou não dos pais ou responsáveis, não dispensa o alvará judicial, a teor do disposto no art. 149, II do ECA.

A falta do alvará judicial autoriza a aplicação da multa prevista no art. 258 do ECA. Recurso especial não conhecido.

Falamos da técnica constitucional, da interpretação, das normas nacionais e internacionais e de como elas tem se preocupado com a dignidade da pessoa do menor, buscando elementos para estabelecer critérios que limitem, protejam e ao mesmo tempo assegurem os direitos do trabalhador menor e que não lhe prejudique o desenvolvimento físico e moral.

Dessa forma concluímos que apesar das melhoras nos quadros sociais no âmbito do trabalho do menor, a proteção da dignidade da pessoa do menor no mercado de trabalho é de natureza contínua e algumas distorções legais ainda demandam reparos.

Referência Bibliográfica

Corrarino, B. Shaw Drake and Megan. U.S. Stands Alone: Not Signing U.N. Child Rights Treaty Leaves Migrant Children Vulnerable. S.L., 13 de Out de 2016.

Feliz, Claudia. “Os avanços e os entraves da Lei do Aprendiz.” Projeto Viver Vida. 10 de Jun de 2008. http://projetovivervida.blogspot.com.br/search?q=os+avan%C3%A7os+e+os+entraves+ (acesso em 09 de Out de 2017).

Filho, Jose Claudio Monteiro de Brito. Trabalho com redução do homem a condição análoga de escravo e dignidade da pessoa humana. Belem, 14 de Abr de 2004.

Kant, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução: Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995.

Meireles, José Humberto Abrão. Trabalho infantil: brechas autorizam trabalho de menor de 14 anos. 02 de Fev de 2011.

Trabalhista, Consolidação das Leis. “Planalto Federal.” 01 de Mai de 1943. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm (acesso em 09 de Out de 2017).

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