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23 de Maio de 2024

Alguns apontamentos sobre a responsabilidade civil do médico

Publicado por Rogério Tadeu Romano
há 11 meses

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

Rogério Tadeu Romano

I - A RESPONSABILIDADE CIVIL

Enfoque-se a questão do chamado erro médico.

Disse Daniele U. Oliveira (A responsabilidade civil por erro médico):

“A Responsabilidade Civil tem seu fundamento no fato de que ninguém pode lesar interesse ou direito de outrem. Descreve o artigo 927 do Código Civil brasileiro que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” e segue em seu parágrafo único “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

A idéia de responsabilidade civil vem do princípio de que aquele que causar dano a outra pessoa, seja ele moral ou material deverá restabelecer o bem ao estado em que se encontrava antes do seu ato danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível, deverá compensar aquele que sofreu o dano.

Maria Helena Diniz (2003, pag. 34) assim define a responsabilidade civil:

“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”

De regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que o causou. O ato ilícito gera o dever de compensação da vítima, mas nem toda obrigação de indenização deriva de ato ilícito. Não se cogita indenização e dever de reparação somente nos casos em que haja conduta injurídica causadora de dano, a responsabilidade civil pode ter origem na violação de direito que causa prejuízo a alguém, desde que observados certos pressupostos. Neste sentido, afirma Silvio de Salvo Venosa (2003, pag. 12):

“Na realidade, o que se avalia geralmente em matéria de responsabilidade é uma conduta do agente, qual seja, um encadeamento ou série de atos ou fatos, o que não impede que um único ato gere por si o dever de indenizar.

No vasto campo da responsabilidade civil, o que interessa saber é identificar aquele conduto que reflete na obrigação de indenizar. Nesse âmbito, uma pessoa é responsável quando suscetível de ser sancionada, independentemente de ter cometido pessoalmente um ato antijurídico. Nesse sentido, a responsabilidade pode ser direta, se diz respeito ao próprio causador do dano, ou indireta, quando se refere a terceiro, o qual, de uma forma ou de outra, no ordenamento, está ligado ao ofensor.”

Quando se trata de responsabilidade civil, a conduta do agente é a causadora do dano, surgindo daí o dever de reparação. Para que se configure o dever de indenizar advindo da responsabilidade civil, deverá haver a conduta do agente e nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente.”

Necessário, pois, que para a hipótese narrada haja a comprovação de conduta humana, nexo de causalidade e dano.

Maria Helena Diniz (2003, pag. 37) define conduta humana como sendo "o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, (...) que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”. Afirma ainda que a ação ou omissão que gera a responsabilidade civil pode ser ilícita ou lícita e que a “responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco, (...) principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos”. E continua sua lição afirmando que o comportamento pode ser comissivo ou omissivo, sendo que a “comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se.”

O nexo causal ou a relação de causalidade é um dos pressupostos fundamentais para a configuração da responsabilidade civil e do dever de indenizar. A relação de causalidade é o liame entre o ato lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. Se o dano sofrido não for ocasionado por ato do agente, inexiste a relação de causalidade. Sílvio de Salvo Venosa (2003, pag. 39) ao definir nexo de causalidade como ensina que:

“O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.”

A conduta do agente para acarretar responsabilidade civil deve comprovadamente causar dano ou prejuízo a vítima. Sem o dano não há que se falar em responsabilidade civil, pois sem ele não há o que reparar. Maria Helena Diniz (2003, pag. 112) conceitua dano como a “lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.”

Na responsabilidade civil a culpa se caracteriza quando o causador do dano não tinha intenção de provocá-lo, mas por imprudência, negligência, imperícia causa dano e deve repará-lo.

O artigo 186 do Código Civil estabelece a regra da responsabilidade civil subjetiva. O agente somente pode ser responsabilizado quando, culposamente, não respeita um dever de cuidado objetivamente devido (sua conduta é ilícita).

Em linhas gerais, a responsabilidade subjetiva é aquela em que além do ato lesivo do agente causador de lesão, do dano estar presente no lesado e do nexo causal estar estabelecido entre o ato lesivo e o dano ao lesado, tem que se achar presente, nesta relação, a culpa do agente causador do dano. E, esta culpa, caracteriza-se pela presença no agir deste de dolo ou pela presença só de culpa no sentido estrito, ou seja, de imprudência ou negligência ou imperícia.

Consoante Fabrício Zamprogna Matielo (Responsabilidade Civil do Médico, Porto Alegre, Sagra Luzzato, 1998, pág. 15):

“O liame entre dano e responsabilidade é fundamental para a existência da obrigação de reparar, vista aquela sob o ângulo subjetivo. (...) Essa espécie é dita subjetiva porque estratificada na convicção de que está presente, no caso concreto, a ligação psíquica do agente com o resultado danoso, de modo que este quer diretamente produzir o efeito que efetivamente veio a ser constatado ou no mínimo se porta de modo a aceitar como perfeitamente viável a ocorrência do evento a partir da conduta assumida”.

E Carlos Roberto Gonçalves (Responsabilidade Civil, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 22):

“Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova de culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa”.

Excepcionalmente, em casos específicos, a lei estabelece a reparação independente de culpa. A reparação é objetiva, bastando a verificação do dano e do nexo de causalidade. Esta responsabilidade é fundamentada no risco e em hipóteses de presunção legal de culpa.

Quando restar comprovada a presença de um dos três elementos: negligência, imperícia ou imprudência fica caracterizada a culpa do agente, surgindo o dever de reparação, pois mesmo sem intenção o agente causou dano.

Sílvio de Salvo Venosa (2003, pag. 28) afirma que:

“Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto. Em concepção mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. [...] Trata-se, em última análise, de interesse que são atingidos injustamente. O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano acorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima.”

A responsabilidade civil do médico sempre foi objeto de controvérsias. A responsabilidade civil do médico tem por base as teorias subjetivas, fundada na culpa e a teoria objetiva fundada no risco. No entanto, para compreensão da responsabilidade civil do médico há que se ter em mente que responsabilidade civil é a obrigação de repara o prejuízo decorrente de uma ação ou omissão.

Para que haja a responsabilização do médico por evento danoso ao paciente, deve haver conduta imprudente, negligente ou imperita, causando tal ato dano ao paciente. Pode ocorrer também a responsabilização do médico nos casos em que se configure obrigação de resultado e o mesmo não seja atingido.

O profissional da medicina deve sempre agir com cuidado perícia no exercício de sua profissão. Deve seguir regras de conduta relativas ao dever de informação, dever de atualização dever de assistir e dever de abstenção de uso.

II - DEVER DE INFORMAÇÃO

O dever de informar consiste na obrigação do médico prestar ao paciente todas as informações necessárias ao tratamento, tais como a necessidade de intervenções, riscos, possíveis efeitos da medicação prescrita, consequências do tratamento, preço e demais informações relativas ao serviço a ser prestado, além de informações relativas a sua especialização em determinada área médica. O dever de informar é pré-requisito a obtenção consentimento do paciente. Ensinou Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil, volume I, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, pág. 288) que “se o médico não achou necessário obter o consentimento do cliente, foi exatamente porque o tratamento não oferecia contraindicação. Se ao próprio profissional, no caso, a consequência surpreende, como poderia advertir o cliente de que tais e tais resultados poderiam ocorrer? Não queremos sustentar, com isso, a irresponsabilidade do médico. Ela ocorrerá conforme tenha agido ou não com culpa. Mas o que frisamos é que essa culpa não reside no fato de não haver obtido o consentimento do cliente, mas em qualquer outro capaz de acarrear o resultado danoso, diferente do normalmente obtido com o tratamento”.

Esse consentimento pode ser provado por presunções, mesmo porque serão excepcionais os casos de contrato médico por escrito.

Mas há casos em que o consentimento do enfermo, não pode ser dado. Será o caso de um alienado ou de menor (o consentimento será obtido das pessoas em cuja guarda estejam). Veja-se ainda o caso do propósito suicida do paciente, quando o médico não pode ater-se a consideração da vontade de quem manifesta claramente não a possuir.

Não há de se cogitar em consentimento quando o tratamento é legalmente compulsório.

O Conselho Federal de Medicina em seu Código de Ética Médica, Resolução nº 1.246, de 1988, do Conselho Federal de Medicina traz a obrigação do médico de prestar informações ao paciente em seu artigo 59 afirmando que é vedado ao médico:

“Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.”

O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo , inciso III, elenca como direito do consumidor a informação sobre o serviço e os riscos que ele oferece quando afirma que

“São direitos básicos do consumidor

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;”

Ainda o Código de Defesa do Consumidor elenca o dever do médico de informar o paciente dos riscos do serviço em seu artigo :

“Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”

Deste modo o médico tem a obrigação de informar de forma clara o paciente, caso não o faça, o paciente que se sentir lesado pela falta de informação poderá buscar a reparação dos danos ou prejuízos decorrentes do tratamento médico, pois em muitos casos, se tivesse ciência dos riscos ou consequências do tratamento não se submeteria a ele.

Cabe ao médico informar ao paciente e documentar a informação sob a forma termo de consentimento autorizando a realização do tratamento, demonstrando a ciência dos riscos a que está se submetendo. Desta forma, o médico demonstra que cumpriu seu dever de informação, estabelecendo relação de confiança com o paciente e agindo dentro dos ditames da ética médica.

III --DEVER DE ATUALIZAÇÃO

Para praticar a medicina, bem como qualquer outra profissão, além da habilitação legal, o médico deve manter-se atualizado. A aprimoração constante e atualização das técnicas é necessária. O médico deve manter-se atualizado com o objetivo de poder aplicar a seus pacientes sempre a melhor técnica existente.

IV - DEVER DE ASSISTIR

O médico deve assessorar seu paciente da melhor forma possível, sempre buscando atender seus chamados, respondendo as solicitações, prestando esclarecimentos. Deve proporcionar ao paciente meios de encontrá-lo com facilidade, pois a ocorrência de danos por falta de assistência poderá caracterizar a culpa do médico.

Não pode o médico agir com descaso em relação a seu paciente. O médico que não cumpre seu dever de dar assistência ao paciente está incorrendo em negligência, sendo, portanto responsabilizado no caso de dano ou prejuízo ao paciente.

V - DEVER DE ABSTENÇÃO DE ABUSO

Consiste na obrigação do médico de pautar-se nos princípios da ética em sua atuação, não devendo visar apenas o lucro ou obtenção de vantagens. Ocorre o abuso quando o médico age por oportunismo, como nos casos em que delega sua atividade a estudantes, casos em que se houver dano está incorrendo em culpa, ou quando desrespeita a vontade do paciente (exceto em caso de risco de morte do paciente)

VI - A OBRIGAÇÃO DO MÉDICO COMO DE MEIOS

A obrigação do médico é vista como obrigação de meios.

Sendo assim, como revelou Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil, volume I, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, pág. 284) ao prejudicado incumbe a prova de que o profissional agiu com culpa. Tal prova pode ser feita por testemunhas, quando não haja uma questão técnica a elucidar; caso contrário não se pode admiti-la. A perícia será o caminho natural do julgador, devendo estabelecer-se a relação de causa e efeito entre o dano e a falta do médico que acarreta essa responsabilidade, a ser feita em análise isenta.

A obrigação de meio é aquela em que o profissional não está obrigado a um resultado específico e determinado, são os casos em que de regra se busca a cura ou a melhora no estado do paciente. O contrato entre o médico e o paciente – caso exista – é no sentido de que o médico aplicará toda sua técnica e habilidade, mas sem garantir resultados, pois estes dependem de outros fatores, como a resposta do paciente a medicação, o tipo de moléstia sofrida pelo paciente, entre outros.

Consiste na obrigação do médico de pautar-se nos princípios da ética em sua atuação, não devendo visar apenas o lucro ou obtenção de vantagens. Ocorre o abuso quando o médico age por oportunismo, como nos casos em que delega sua atividade a estudantes, casos em que se houver dano está incorrendo em culpa, ou quando desrespeita a vontade do paciente (exceto em caso de risco de morte do paciente)

A prestação de serviços médicos possui natureza jurídica controvertida entre os doutrinadores. Alguns consideram como obrigação de meio, outros como obrigação de resultado. Seguramente a grande maioria dos médicos atuam em áreas onde a obrigação de meio é a regra, já que realizam atividade na busca da melhora do paciente, no entanto não podem garantir a cura por fatores que fogem a sua responsabilidade. Porém, em algumas atividades médicas, como a medicina estética, o profissional dá a seu paciente a garantia de obter determinados resultados. Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil brasileiro, 2003, pag. 271) em relação à natureza da responsabilidade médica afirma que:

“A responsabilidade do médico é contratual, por haver entre o médico e seu cliente um contrato, que se apresenta como uma obrigação de meio, pôr não comportar o dever de curar o paciente, mas de prestar-lhe cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina. “Todavia, há casos em que se supõe a obrigação de resultado, com sentido de cláusula de incolumidade, nas cirurgias estéticas e nos contratos de acidentes.”

Assentada a responsabilidade civil do médico como contratual, os autores decompõem as obrigações dos médicos em: a) deveres de conselho; b) cuidados e assistência; c) abstenção de abusos e desvios de poder. Em consequência se caracterizam como “faltas profissionais” a infringência a esses deveres básicos, como ensinavam Lalou (Traité Pratique de la Responsabilité Civile, n. 422, Savatier (Traité de la Responsabilité Civile, II, n. 780).

O antigo Código Civil, no seu artigo 1.545, ao mencionar os médicos, cirurgiões, dentistas, farmacêuticos, parteiras, tinha em vista que esses profissionais sujeitavam-se a exigências destinadas a considerá-los aptos para o exercício de suas atividades. Por isso mesmo, como bem acentuou Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade Civil, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, pág. 148), presume-se habilitado “todo aquele que exercita uma arte, ofício ou profissão”, daí decorrendo a presunção de culpa se incide em imperícia na execução das respectivas atividades, como já revelava Carvalho Santos ( Código Civil Brasileiro interpretado, volume XXI, pág. 247).

Os médicos, cirurgiões, dentistas, farmacêuticos e parteiras respondem uns e outros pelos danos que venham a causar a alguém por imperícia, imprudência ou negligência deles.

Em se tratando de cirurgião, a regra é que nenhuma operação pode ser feita sem o consentimento do paciente ou de pessoas de sua família.

Em face do consentimento do cliente é necessário ver se essa pessoa era consciente e responsável e foi devidamente esclarecida sobre os efeitos do tratamento e dos riscos, agravando-se a deliberação do médico se obteve a anuência sem os interessados estarem devidamente esclarecidos.

Discute-se se a responsabilidade é do médico ou do hospital se algo acontecer ao paciente ou de ambos.

Bem alerta Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 153) que se o médico não pertence ao hospital, e apenas se utiliza dele, a responsabilidade é pessoal. Em caso contrário, sendo o médico integrante da equipe hospitalar ou vinculado por uma relação de emprego, o hospital é simplesmente o responsável como ensinou Aguiar Dias (Da responsabilidade Civil).

Aliás, observou Aguiar Dias: compreende a responsabilidade civil do hospital a assistência médica, ao mesmo tempo que obrigações como hospedeiro. Nesta última qualidade, responde pelos danos causados ao doente que se interna. Como, entretanto, o internamento tem a finalidade específica de se submeter a tratamento, o hospital é responsável pela omissão do médica da casa, que deixa, por exemplo, de acompanhar o estado do paciente, daí resultando a agravação de seu estado.

Em casos de infecção hospitalar, se esta se deveu a condição de assepsia deficiente ou à ausência de cautelas idôneas a evitar a doença nosocômica, o hospital pode ser responsabilizado (Revista de Jurisprudência, volume 73, pág. 111). Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que ocorre a responsabilidade se, em cirurgia estética, a infecção hospitalar obstrui a continuação do tratamento (RTJ, 91, pág. 975; Revista dos Tribunais, vol. 529, pág. 254).

Assim o hospital responde pelo que ocorre ao paciente.

O médico escolhido para substituto do assistente não se presume preposto deste. A condição de profissional liberal repele a ideia de preposição, cabendo ao prejudicado provar a circunstância se, não obstante a presunção em contrário, o substituto é realmente auxiliar ou assistente do médico habitual, como ensinou Aguiar Dias (obra citada, pág. 286).

A responsabilidade civil do médico advém, também, da regra geral. Trata-se de responsabilidade civil subjetiva. O médico deve atuar de forma diligente, valendo-se de todos os meios adequados, com um cuidado objetivo. Deve, pois, somente, ser indenizado, aquele que, submetido a tratamento médico, venha, por causa deste tratamento e de culpa do profissional, a sofrer um prejuízo, seja de ordem material ou imaterial - patrimonial ou não patrimonial.

Nas palavras de Delton Croce (Erro médico e direito, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 3):

“(...) Se denomina responsabilidade médica situação jurídica que, de acordo com o Código Civil, gira tanto na orbita contratual como na extracontratual estabelecida entre o facultativo e o cliente, no qual o esculápio assume uma obrigação de meio e não de resultado, compromissando-se a tratar do enfermo com desvelo ardente, atenção e diligência adequadas, a adverti-lo ou esclarecê-lo dos riscos da terapia ou da intervenção cirúrgica propostas e sobre a natureza de certos exames prescritos, pelo que se não conseguir curá-lo ou ele veio a falecer, isso não significa que deixou de cumprir o contrato”.

Conceitua Yuri A. Mendes de Almeida (Obrigações de meio e obrigações de resultado,2007):

“A obrigação de meio é aquela em que o profissional não se obriga a um objetivo específico e determinado. O que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem o compromisso de atingi-lo. O contratado se obriga a emprestar atenção, cuidado, diligência, lisura, dedicação e toda a técnica disponível sem garantir êxito. Nesta modalidade o objeto do contrato é a própria atividade do devedor, cabendo a este enveredar todos os esforços possíveis, bem como o uso diligente de todo seu conhecimento técnico para realizar o objeto do contrato, mas não estaria inserido aí assegurar um resultado que pode estar alheio ou além do alcance de seus esforços. (...) Na obrigação de resultado, há o compromisso do contratado com um resultado específico, que é o ápice da própria obrigação, sem o qual não haverá o cumprimento desta. O contratado compromete-se a atingir objetivo determinado, de forma que quando o fim almejado não é alcançado ou é alcançado de forma parcial, tem-se a inexecução da obrigação”.

A doutrina e a jurisprudência já travaram um intenso debate acerca da caracterização da obrigação médica como de meio ou de resultado, especialmente quando relacionada à medicina estética. Hoje, todavia, é quase pacífico que a obrigação do profissional médico é de meio.

Esclarece Fabrício Zamprogna Matielo (Obra citada, 1998, p. 53):

“Obrigação de meios é a que vincula o profissional à aplicação diligente de todos os recursos disponíveis para a melhor condução possível do caso clínico que será alvo de seus préstimos. O médico não fica adstrito a um resultado final, mas tem de envidar todos os esforços e utilizar-se dos aparatos técnicos que estiverem razoavelmente ao seu alcance. A cura do paciente não é, certamente, o objetivo jurídico da contratação, embora se coloque como finalidade primacial do atendimento prestado. (...) A existência da obrigação de meios é a única solução que pode justificar a liberdade de atuação do profissional de saúde, pois se fosse ele jungido a um resultado específico, fatalmente estaria derrubada até mesmo a teoria da contratualidade nas relações médico/paciente. (...) O compromisso de curar definitivamente um canceroso em etapa terminal, ou um aidético nas mesmas condições é carga insustentável face ao estado atual de evolução da ciência. Aceitar o encargo de curar, (...) equivaleria a estabelecer no contrato obrigação juridicamente impossível. (...) Na relação que envolve obrigação de meios o objeto do contrato é a atuação zelosa e tecnicamente correta do médico, mantendo-se dentro dos parâmetros apontados pela ciência.”

E complementa Marcos Vinicius Coltri (Alerta no Centro Cirúrgico, in Revista Consulux, ano XIV, n. 320, 2010, p. 54):

“Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual- vínculo estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar a culpa do profissional.”

Deverá ser demonstrado, pelo paciente, que o médico agiu com culpa. Não há qualquer presunção de culpa do médico em razão da não consecução de um determinado resultado. Não há obrigação de cura.

Responde pelos danos consequentes o médico que, contrariando o pedido do doente ou de sua família, não requisita a presença de especialista, for por aqueles julgada necessária. O mesmo sucede quando o médico assistente recusa adotar indicações do especialista convocado a participar da assistência ao enfermo, salvo se fundado em bons motivos e desde que o doente ou a família lhe tenha dado liberdade para seguir ou desprezar o parecer do especialista, como ensinou Aguiar Dias (obra citada, pág. 290). Quando não lhe é dado essa faculdade, ou segue o conselho ou se retira.

O medico responde também pelo fato de terceiro. Este é o caso dos proprietários e dos diretores das casas de saúde, responsáveis pelos médicos, enfermeiros e auxiliares, como ensinou ainda Aguiar Dias (obra citada, pág. 291).

VII - O ERRO MÉDICO

O erro médico é uma falha do profissional no exercício de sua profissão. Ocorre uma falha na prestação de serviços, devido a ato lesivo do médico ocasionado por sua conduta culposa. Genival Veloso França (1994, pag. 242) afirma que:

“(...) o erro médico, no âmbito da responsabilidade civil, pode ser de ordem pessoal ou estrutural. Será pessoal quando o ato lesivo se der na ação ou na omissão, por despreparo técnico e intelectual, por grosseiro descaso ou por motivos ocasionais que se referem às condições físicas ou emocionais do profissional. Já as falhas estruturais, se referem quando os meios e as condições de trabalho foram insuficientes ou ineficazes para a obtenção de uma resposta satisfatória.”

Erro médico é o mau resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou da omissão do médico. O erro médico pode se verificar por três vias principais. A primeira delas é o caminho da imperícia decorrente da" falta de observação das normas técnicas "," por despreparo prático "ou" insuficiência de conhecimento "como Genival Veloso de França. É mais frequente na iniciativa privada por motivação mercantilista. O segundo caminho é o da imprudência e daí nasce o erro quando o médico por ação ou omissão assume procedimentos de risco para o paciente sem respaldo científico ou, sobretudo, sem esclarecimentos à parte interessada. O terceiro caminho é o da negligência, a forma mais frequente de erro médico no serviço público, quando o profissional negligencia, trata com descaso ou pouco interesse os deveres e compromissos éticos com o paciente e até com a instituição. O erro médico pode também se realizar por vias esconsas quando decorre do resultado adverso da ação médica, do conjunto de ações coletivas de planejamento para prevenção ou combate às doenças. Cabe ao médico lidar com o bem mais precioso para a espécie humana: a vida, com as múltiplas funções de órgãos vitais, com a honra do ser humano e seus valores mais caros e íntimos e ainda com o patrimônio afetivo das pessoas, incluídos seus entes mais queridos.

Erro médico é o dano provocado no paciente pela ação ou inação do médico, no exercício da profissão, e sem a intenção de cometê-lo. Há três possibilidades de suscitar o dano e alcançar o erro: imprudência, imperícia e negligência. Esta, a negligência, consiste em não fazer o que deveria ser feito; a imprudência consiste em fazer o que não deveria ser feito e a imperícia em fazer mal o que deveria ser bem feito. Isto traduzido em linguagem mais simples.

A negligência ocorre quase sempre por omissão. É dita de caráter omissivo, enquanto a imprudência e a imperícia ocorrem por comissão.

O mal provocado pelo médico no exercício da sua profissão, quando involuntário, é considerado culposo, posto não ter havido a intenção de cometê-lo. Diverso, por natureza, dos delitos praticados contra a pessoa humana, se a intenção é ferir, provocar o sofrimento com dano psicológico e/ou físico para negociar a supressão do mal pela maldade pretendida.

A Medicina presume um compromisso de meios, portanto o erro médico deve ser separado do resultado adverso quando o médico empregou todos os recursos disponíveis sem obter o sucesso pretendido ou, ainda, diferenciá-lo do acidente imprevisível. O que assusta no chamado erro médico é a dramática inversão de expectativa de quem vai à procura de um bem e alcança o mal. O resultado danoso por sua vez é visível, imediato na maioria dos casos, irreparável quase sempre e revestido de sofrimento singular para a natureza humana. Muitos outros erros, de outras profissões, passam despercebidos. Menos os erros dos médicos.

Erro médico é a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência.

Fala-se em erro de tratamento e erro na dosagem de medicamentos.

Segundo Flamínio Fávero, “Deontologia Médica e Medicina Profissional" , publicação que abre a literatura ética em nosso país com rara maestria e, impregnada do saber filosófico com toques românticos ao sabor da época, anos 30, o erro se configura por exemplo "na aplicação de aparelhos de fratura, se realizada de modo inconveniente, podem sobrevir sérias complicações como a gangrena e até a morte"; aqui o autor reporta-se mais exatamente aos erros de ação por imperícia, inabilidade na execução de tarefas técnicas ou falta de adestramento no ato curativo. São erros cirúrgicos na atualidade, e a imperícia é a tônica prevalente neste tipo de erro. Erros na dosagem de medicamentos

É natural que na época, Flamínio Fávero tivesse como preocupação dominante na atividade curativa o controle da arte de formulação, tendo em vista que cabia ao médico prescrever por meio de fórmulas magistrais. Isso exigia farto conhecimento de terapêutica além de memória pródiga para recordar nomes exóticos de substâncias naturais e sua dosagem personalizada. Vale citar que na época prevalecia o nome "genérico" dos medicamentos. Arremata o mestre em suas notas pitorescas "a responsabilidade pelas conseqüências daí advindas, nestes casos, caberá também ao farmacêutico que aviou a receita". Neste caso a falta de conhecimentos técnicos adequados configura a imprudência em prescrever drogas não bem conhecidas.

Distingue também Genival Veloso França (Direito Médico, São Paulo, Saraiva, 1994, pag. 242) a responsabilidade moral da legal, afirmando que será “responsabilidade legal quando esta for atribuída pelos tribunais, como as ações penais e civis. A responsabilidade moral ocorrerá nos Conselhos de Medicina, através de processos ético-disciplinares”.

O erro médico deve tem por base aquilo que o médico fez e não o que deveria ter feito. A falha é na prestação do serviço pelo médico, por este motivo deve ser responsabilizado e reparar o erro. A prova do erro pode ocorrer por meio de fichas médicas, prontuários, perícia, em suma, todos os meios possíveis.

O erro médico deve ser comprovado pelo paciente lesado, que deve provar que houve dano provocado pelo médico que o atendeu, que o dano advém do ato do médico e que este agiu com culpa, sob a forma de negligencia, imprudência ou imperícia. O erro não fica restrito apenas a pessoa do médico, eis que o médico é responsável por sua equipe que trabalha sob suas ordens, podendo também atingir o hospital.

Para Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, Borsoi, 1967, vol. 53, pág. 437), “todas as operações ou quaisquer intervenções médicas são ataque3s à integridade física ou psíquica”.

São fatores concorrentes para o erro médico:

1- Condições adversas para o exercício da medicina, desde a escassez de recursos materiais, o número excessivo de pacientes ou a limitação dos meios de diagnósticos e cura impostos pelos contratos de medicina de grupo ou seguro-saúde; 2- O atendimento em massa, das massas desassistidas de baixa renda; um padrão massificado de cunho social adverso. A medicina a serviço das campanhas ou esmagada nos pequenos centros médicos localizados em comunidades muito pobres; 3- A morbi-mortalidade crescente da sociedade brasileira; 4- O contato mais frequente com o médico desprovido de recursos adequados na instituição pública; a par da extraordinária dificuldade de acesso ao próprio sistema público ou privado de alto poder resolutivo; 5- A formação médica deficiente em nível de graduação, que dispensa comentários. A inexistência de educação continuada na pós-graduação; 6- A utilização crescente em medicina de procedimentos de alta complexidade tecnológica, de difícil controle, além da introdução de procedimentos de altorisco; 7- A capacitação tecnológica em descobrir o erro médico, por exemplo: tomografia computadorizada, ecografia, etc.; 8- O mercantilismo desvairado e selvagem, por iniciativa isolada do médico em especialidades rendosas ou em conjunto por meio de cooperativas ou empresas médicas comprometidas com o lucro. É lícito ainda cogitar sobre o estímulo quantitativo existente na prática dos convênios, forma prevalente de remuneração do ato médico.

São características do erro médico:

No erro médico não se pode perder de vista sua gravidade social quase sempre em desacordo com conceito de gravidade médica e que representa maior ou menor perda de órgão ou função. Ou, senão, a frustração do doente em não alcançar o resultado pretendido; claro, aqui o erro se esvai na falta de compromisso com resultados. Por fim, alguns caracteres do erro médico como subsídios para sua avaliação epidemiológica: - A irreversibilidade do dano; - O imediatismo do resultado adverso; - A reversão pura e simples da expectativa que motivou o ato médico (falso erro); - A falha persistente na ação do médico contraposta ao percentual quase desprezível de falha no equipamento, instrumentos ou drogas aplicadas; - A penúria ou escassez institucional de recursos como fator de indução do erro médico; - O erro institucional médico-hospitalar (erro médico sem culpa).

Discutem-se os cuidados que devem ter os anestesistas.

Os professores Osvaldo Loudet e Juan Márquez Miranda consideram regras elementares a observar pelo anestesista, em resguardo de sua responsabilidade:

a) Jamais deve o risco da anestesia ser maior que o risco da operação, isto é, em operações de menor importância, é desaconselhável aplicar anestesias gerais, convindo, sempre que possível guardar a proporção ou relação direta entre a anestesia e a importância da operação;

b) Não se deve praticar a anestesia sem o consentimento do paciente; esse pode ser dado diretamente pelo enfermo ou, em caso de impedimento, pelos que o tiverem a seu cargo;

c) Nunca se deve anestesiar sem testemunhas;

d) O anestesista deve sempre proceder a exame prévio das condições fisioquímicas do paciente, inclusive exames de laboratório e das peças dentárias;

e) Não deve proporcionar a anestesia a operação ilícita ou fraudulenta, como aborto ilegal, por exemplo;

f) Jamais usar drogas anestésicas ou entorpecentes, a não ser nas condições imperativas e precisas, para aliviar a dor;

A falta desses cuidados pressupõe por parte do anestesista de atos de imperícia, negligência, imprudência e até de torpeza.

Outras questões também nos levam a meditar.

Na responsabilidade pelos atos dos auxiliares e enfermeiros é preciso distinguir entre os danos cometidos por aqueles que estão diretamente sob as ordens do cirurgião, ou os destacados especialmente para servi-lo, daqueles cometidos por funcionários do hospital. No primeiro caso, o cirurgião responderá. No segundo, como explicou Tereza Ancona Lopes de Magalhães (Responsabilidade Civil dos Médicos, in Responsabilidade Civil, doutrina e jurisprudência, São Paulo, Saraiva, 2ª edição, pág. 323), .a culpa deve ser imputada ao hospital, a menos que a ordem tenha sido mal dada ou que tenha sido executada sob a fiscalização do médico-chefe. Se o dano ao paciente veio em virtude de anestesia há que se distinguir, segundo Teresa Ancona, entre o anestesista imposto pelo hospital, quando caberá a esta instituição responder, e o anestesista que faz efetivamente parte da equipe operadora.

Há o entendimento de que, nesse segundo caso, o paciente tacitamente aceitou toda a equipe e, desta forma, com este anestesista tem também um contrato, pois caso não quisesse poderia tê-lo impugnado. A responsabilidade será do anestesista. Mas tudo dependerá do exame do caso concreto.

VIII - A AVALIAÇÃO DA CULPA

Na lição de Yusssef Said Cahali (Dano e indenização, pág. 147), “o sistema legal, inspirado em superiores princípios de equidade, tem presente a intensidade da culpa (em sentido lato) do agente para determinar-lhe a responsabilidade civil, como também para agravar-lhe a reparação devida”. Disse ainda que no caso de concurso ou de concorrência de culpas, , em que o lesado também contribuiu culposamente para o dano, a jurisprudência tem consagrado a fórmula da condenação do agente na metade dos danos. Mas esse critério pode ser entendido como um casuísmo.

Visa-se a mais total e completa reparação, ressarcindo-se não só os danos materiais, como também o dano moral que possa ter advindo do erro ou culpa médica, se possível, colocando a vítima no estado em que se encontrava antes.

IX - A CIRURGIA PLÁSTICA

Como técnico, o médico está sujeito aos princípios gerais de responsabilidade médica já enunciados: dever de aconselhar, apontando os riscos do tratamento e os riscos cirúrgicos se for o caso, em razão, inclusive, das condições especiais do cliente (idade, estado de saúde, anomalias e deficiências); dever de assistência pré e pós-operatórias, além dos cuidados com a própria intervenção cirúrgica; abstenção de abusos ou desvios de poder, deixando de praticar experiências ou de adotar métodos não devidamente conhecidos. O cirurgião estético está subordinado, como qualquer outro, a responsabilidade civil por ato médico, respondendo por uma conduta que possa resultar a morte ou inabilitação do operado, por imprudência, imperícia ou negligência.

A cirurgia plástica gera obrigação de resultado e não de meios (Diário de Justiça do Rio de Janeiro, 1981, pág. 64). Sabe-se que com a cirurgia estática o cliente tem em vista a correção de uma imperfeição ou melhorar a sua aparência. Assim ele não é um doente que procura tratamento e o médico não se engaja na sua cura. O profissional deve estar empenhado em lhe dar o resultado pretendido, e se não tem condições de consegui-lo não deve efetuar a intervenção. Daí ser importante o que chamamos de dever de informação.

Mas deve-se distinguir a chamada cirurgia corretiva. Veja-se o caso de uma pessoa portadora de uma deformação (pode ser congênita, cirúrgica ou traumática), o médico nem sempre pode prometer eliminá-la, porém realizar o que seja melhor: nesse caso, a obrigação é de meios e não de resultados.

Se da operação plástica resulta um dano estético cabe a reparação, por danos materiais e morais. Já se decidiu que se na cirurgia plástica foi cometido erro profissional responde o hospital por culpa in elegendo de sua equipe (Revista dos Tribunais, volume 566, pág.. 191).

X- O SEGREDO PROFISSIONAL E CONSEQUÊNCIAS DE SUA REVELAÇÃO

O segredo médico é considerado a mais extraordinária reserva moral da medicina, como ensinou Wanderby Lacerda Panasco (A Responsabilidade Civil, pág. 180).

O médico que quebra o sigilo profissional pode estar lesando, com essa atitude, o direito do seu paciente à sua própria intimidade ou ao seu próprio recato.

Mas, todavia, para que se caracteriza essa responsabilidade é preciso que tenha havido dano. Necessário provar a sua culpa.

O Código de Ética Médica, artigo 37, na linha do Código Civil de 1916(artigo 144) já estabelecia que ninguém pode depor por fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo”.

Há um grave problema a resolver com relação a situação do profissional da área médica diante da comunicação ou não de um aborto.

Luiza A. Vasconcelos Oliver e Maria Luiza de Oliveira Jorge enfrentaram, no artigo intitulado “O aborto e a proteção do sigilo médico”, publicado na Folha, em 23.6.23, essa grave questão.

O Superior Tribunal de Justiça reafirmou recentemente, que o sigilo profissional é garantia constitucional, estando o profissional de saúde "proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão" (habeas corpus 783.927).

Consoante informou o site Migalhas, em 14 de março de 2023, a 6ª turma do STJ trancou ação penal que apurava crime de aborto provocado pela própria gestante. O colegiado, por unanimidade, concluiu pela nulidade das provas do processo, uma vez que elas foram fornecidas pelo médico que atendeu a acusada, o qual é proibido de revelar segredo que tem conhecimento em razão de sua profissão.

De acordo com o processo, a paciente teria aproximadamente 16 semanas de gravidez quando passou mal e procurou o hospital. Durante o atendimento, o médico suspeitou que o quadro fosse provocado pela ingestão de remédio abortivo e, por isso, decidiu acionar a Polícia Militar.

Ao votar, o ministro Sebastião Reis, relator do caso, destacou que segundo o art. 207 do CPP, são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Como disseram Luiza A. Vasconcelos Oliver e Maria Luiza de Oliveira Jorge, “a razão de ser do sigilo médico reside tanto na natureza de confiança da relação médico-paciente como na tutela da intimidade e na proteção contra a autoincriminação da paciente. Além de dever ético, o profissional de saúde tem o dever jurídico de guardar sigilo das informações que recebe em razão de seu ofício.”

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a prova obtida no processo penal mediante a quebra de sigilo médico é ilícita, de forma a contaminar a ação penal e ocasionar o seu trancamento.

Assim, o médico/enfermeiro que se deparar com um possível caso de aborto induzido pela gestante ou realizado com sua autorização — independentemente do caráter criminoso da conduta— está ética e legalmente proibido de levar a informação ao conhecimento das autoridades.

A matéria está sujeita a apreciação do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 442.

Orlene Veloso Dias, Ludmila Mourão Xavier Gomes, Thiago Luis de Andrade, Luís Paulo Souza e Souza, Antônio Lincoln de Freitas Rocha, Simone de Melo Costa (Segredo Profissional e sua Importância na Prática de enfermeiros e odontólogos, in Scielo) ensinaram:

“O dever ético e legal dos profissionais de saúde tem origem justamente na garantia da privacidade e confidencialidade das informações dos pacientes, mantendo, desse modo, o sigilo das informações.

O segredo profissional no trabalho de assistência à saúde é evidenciado no pensamento hipocrático, que afirmava: As coisas que eu verei ou ouvirei dizer no exercício da minha arte, ou fora de minhas funções, no comércio dos homens, e que não deverão ser divulgadas, eu calarei, percebendo-as como segredos invioláveis.”

Disseram ainda eles diante da dicotomia segredo profissional x sigilo profissional:

“A manutenção do segredo profissional deve ser o comportamento adotado pela totalidade dos envolvidos em práticas sanitárias, não sendo exclusivo daqueles que executam as atividades-fim da área, como dentistas, enfermeiros, médicos, psicólogos, psicanalistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, entre outros. É uma obrigação ético-legal concernente a todos os que atuam nos serviços de saúde, estendendo-se ao corpo técnico-administrativo, mesmo àqueles cujas profissões não estejam sob controle de normas deontológicas ou de conselhos de ética profissional.

O caráter sigiloso das informações deve ser observado tanto em comunicações orais quanto escritas com os profissionais, com a imprensa ou mesmo com autoridades; o sigilo aplica-se, dessa forma, em cartas, divulgações à imprensa, boletins médicos, discussões de casos, conferências e congressos com exibição de imagens, fotografias, radiografias – e nas perícias e auditorias.”

Sábias essas lições emanadas dos professores que se debruçaram sobre o tema.

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