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20 de Maio de 2024

Breves apontamentos acerca dos direitos da personalidade

há 7 anos

Resumo: Este artigo aborda o instituto do direito da personalidade e algumas de suas peculiaridades mais significantes. Abordaremos seu conceito, seus aspectos históricos e suas características. Ao tratarmos do direito à vida, elucidaremos sua concepção, bem como a polêmica questão do aborto e dos fetos anencéfalos, enfatizando a questão jurídica que abarca o assunto, questionando se a matéria vem sendo articulada da forma mais coerente e justa.

Palavras-Chave: Direitos da personalidade. Aborto. Fetos anencéfalos.

Abstract: This article addresses the institute of personality law and some of its most significant peculiarities. We will approach its concept, its historical aspects and its characteristics. In dealing with the right to life, we will elucidate its conception, as well as the controversial question of abortion and anemic cephalic ferns, emphasizing the juridical question that covers the subject, questioning if the matter has been articulated in the most coherent and just way.

Keywords: Rights of the personality. Abortion. Anencephalic fetuses.

1. Introdução

Os direitos da personalidade são entendidos como direitos inerentes à pessoa humana na defesa de sua essencialidade. Tratam-se de direitos irrenunciáveis e intransmissível, onde cabe ao indivíduo controlar o uso de seu corpo, seu nome, sua imagem ou quaisquer outros aspectos constitutivos de sua identidade.

Segundo Godofredo Telles Jr., “os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a reputação, a honra, a autoria etc.[1]” Os direitos fundamentais protegem preceitos básicos do indivíduo, sem os quais, o mesmo não possui o mínimo digno.

A personalidade, por sua vez, consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa[2]. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam[3], é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, deferir e ordenar outros bens[4].

Os direitos da personalidade encontram-se garantidos nos artigos 11 ao 21 do Código civil, segundo Limongi França, eles se apresentam da seguinte forma: 1) Direito à integridade física, que se divide em a) Direito à vida; b) Direito ao corpo vivo; c) Direito ao corpo morto; 2) Direito à integridade intelectual; 3) Direito à integridade moral.

2. Aspectos históricos

Os direitos da personalidade foram reconhecidos como categoria do direito subjetivo recentemente, porém sua tutela jurídica já existia na Antiguidade, punindo ofensas físicas e morais à pessoa, através do actio injuriarum, em Roma, ou da dike kakegorias, na Grécia.

Após a Segunda Guerra Mundial, diante das agressões causadas pelos governantes totalitários à dignidade humana, tomou-se consciência da importância dos direitos da personalidade para o mundo jurídico, resguardando-os na Assembleia Geral da ONU de 1948, na Convenção Europeia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas.

Sua disciplina, no Brasil, tem sido dada por leis extravagantes e ela Constituição Federal de 1988.

Somente em fins do século XX se pôde construir a dogmática dos direitos da personalidade. A importância desses direitos e a posição privilegiada que vem ocupando na Lei Maior são tão grandes que sua ofensa constitui elemento caracterizador de dano moral e patrimonial indenizável[5].

2.1 Principais características

Os direitos da personalidade são absolutos, por conterem em si, um dever geral de abstenção; extrapatrimoniais, por serem insuscetíveis de aferição econômica; intransmissíveis, visto não poderem ser transferidos à esfera jurídica de outrem; indisponíveis, insuscetíveis de disposição; irrenunciáveis, já que não poderão ultrapassar a esfera de seu titular; impenhoráveis e imprescritíveis, não se extinguindo nem pelo uso, nem pela inércia na pretensão de defendê-los; e são insuscetíveis de penhora[6].

3. O direito à vida

Comecemos, pois, a definir o que é a vida. Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, vida, do latim vita, seria “conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em continua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência; o estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte[7]”.

Morte, para efeito de transplante adotado por nossa legislação é a morte encefálica[8].

A morte encefálica é a morte do cérebro, incluindo o tronco cerebral que desempenha funções vitais como o controle da respiração. Quando isso ocorre, a parada cardíaca é inevitável. Embora ainda haja batimentos cardíacos, a pessoa com morte cerebral não pode respirar sem os aparelhos e o coração não baterá por mais de algumas poucas horas[9].

Sendo assim, para o direito, é necessário saber quando a vida de fato começa e termina. O artigo do Código civil discorre que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro[10]”. Portanto, os direitos do indivíduo são apenas garantidos com o nascimento com vida, porém, a lei assegura seu crescimento no ventre, proibindo o aborto em alguns casos, tema que será abordado adiante.

Uma vez nascido com vida, ele possui o direito à mesma, que é base dos direito de personalidade, e assim, a lei defende essa vida com o princípio da dignidade, com o Código penal, e, talvez, uma grande parte do ordenamento jurídico, pois, ao regular a convivência social, previne-se um estado de caos, e assim, um atentado à vida. Apesar deste direito extinguir-se com o advento da morte encefálica, não podemos julgar recíproca em relação aos demais direito, pois a lei impõe respeito à memória do morto. Dado o conceito, parte-se então aos temas.

3.1 Aborto

O aborto seria a interrupção da gestação. Um tema polêmico que o envolve vem a ser o caso do abortamento eugênico, este termo significa o estímulo da reprodução entre pessoas hereditariamente saudáveis, correspondendo a uma eugenia positiva, e o impedimento da reprodução entre pessoas tidas como hereditariamente doentes havendo assim eugenia negativa. Com isso o abortamento eugênico deve ser entendido como a interrupção da gravidez motivada por critérios artificiais de seleção[11].

A legislação Brasileira não considera essa prática como lícita, tanto que, os artigos 124 ao 127 do Código penal condenam essa prática, os únicos casos em que não se pune o aborto estão contidos no artigo 128, quando: a) não há outro meio de salvar a vida da gestante e b) Se a gravidez resulta de estupro[12].

Deste modo, cada pessoa que nascesse com uma deficiência seria descartada, como é o caso do aborto eugênico, como um produto que veio com defeito. Uma coisificação do homem, que nos remeteria ao ideal nazista de raça perfeita, se possível dizer, uma transformação do homem de ser emocional para uma máquina fria, insensível e monstruosa.

3.2 O aborto de fetos anencéfalos

Ao se tratar do tema do abortamento eugênico, não se pode esquecer-se do abortamento dos fetos anencéfalos. A anencefalia é uma doença decorrente de um defeito no fechamento do tubo neural (DFTN), que decorre entre o 26º e o 28º dias de vida embrionária. A anencefalia se caracteriza, ainda, pela ausência da calota craniana e hemisférios cerebrais rudimentares ou ausentes, vindo a responder por cerca de metade dos casos de DFTN. A incidência de anencefalia é de uma em cada mil nascidos vivos, variando em razão da localização geográfica e da condição socioeconômica[13].

A profilaxia da anencefalia deve ser feita, segundo a prescrição médica, através da ingestão de ácido fólico antes da gravidez, o que implicaria numa gravidez planejada, coisa que na realidade brasileira está longe de ocorrer

Outro problema importante dado é que a anencefalia tem maior ocorrência na população de baixa renda e subnutrida; alguns médicos recomendam o acréscimo de ácido fólico à alimentação industrializada. Nesse sentido, entendemos que a anencefalia deveria ser tratada como uma questão de saúde pública, uma vez que todo cidadão tem direito à alimentação de qualidade, sabe-se, porém, que isso não ocorre no atual contexto social do país[14].

4. A questão jurídica

É sabido que a gravidez de um anencéfalo provoca bastante sofrimento aos pais da criança, em especial à mãe que perpassa todos os messes correspondentes ao período gestacional sabendo que sua criança não irá sobreviver.

A opinião de juristas neste aspecto é bem diversa, devido ao constrangimento da mãe, acima relatado, e os direitos do nascituro, que está vivo dentro do útero, um aborto seria leva-lo à morte, contrariando o artigo do Código civil.

Em entrevista à imprensa em 2004, o jurista Hélio Bicudo[15] assim manifestou:

Folha – E o aborto de anencefalia?

BicudoSou absolutamente contra. Você não sabe o que vai acontecer depois. A vida não é propriedade nem da mãe nem do pai. É da pessoa que está vivendo.

Na mesma entrevista, agora com o jurista Diaulas Ribeiro, o mesmo defende a liberação do aborto.

Folha – Ao descriminalizar o aborto, o que muda?

Ribeiro - Primeiro, tira da cabeça da mulher ima espada de Dâmocles, pronta para cortar-lhe o pescoço se, por infelicidade, engravidar contrariando seu projeto de vida. A segunda razão é psicológica: tira o sentimento de que é criminosa. Por fim, viabiliza que o Estado a ampare. O aborto clandestino é uma das maiores epidemias universais.

5. Considerações finais

A grande verdade é que, está se falando de casos que não são maioria, na grande parte, ocorre a gravidez não planejada, onde a mãe, muitas vezes, não tem condições de sustentar essa criança, ou simplesmente não a deseja. A posição social em meio a este fato teria que ser de uma política de conscientização popular, distribuir gratuitamente anticoncepcionais e preservativos e ensinar as pessoas a usá-los de forma adequada, dar as mulheres assistência ginecologia gratuita e eficiente. Se isso for feito, grande parte da problemática do aborto cessa.

O aborto do anencéfalo é uma questão realmente complicada, pois se contrapõem dois direitos: o direito à vida de um nascituro e o princípio da dignidade da mãe. Essa questão deve caber à mãe somente, pois é ela que se constrange a gestação, somente para dar a luz a uma criança morta. E ao Estado cabe amparar esta mulher para que ela não tenha medo de, além de perder o filho, perder também a própria vida em uma mesa de cirurgia de uma clínica clandestina.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Código Penal de 1940. In: VADE mecum. Edição especial Mackenzie. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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[1] TELLES, Gofredo Jr. Direito subjetivo, cit., p. 315; Iniciação, cit., p. 297-304. In: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 134.

[2] RUGGIERO; MAROI. Istituzioni di diritto privado, Milado, 1955, v.1, § 35. In: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 133.

[3] TELLES, Gofredo Jr. Direito subjetivo-I. Enciclopédia Saraiva de direito, v.28, p.315. In: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 133.

[4] TELLES, Gofredo Jr. Direito subjetivo, cit., p. 315; Iniciação, cit., p. 297-304. In: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 134.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 132-133.

[6] DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 135.

[7] Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. Ed. Rev. E ampl. São Paulo: Ed. Nova Fronteira, 1994, p. 630. In: GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 7.

[8] RESOLUÇÃO CFM nº1.4800/97. Morte encefálica. In: GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional.Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 8.

[9] GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional.Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 9.

[10] Art.º doCódigo Civill. In: VADE mecum. Edição especial Mackenzie. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 103.

[11] José Afonso da Silva. Introdução ao biodireito: investigações político Jurídicas sobre o estatuto da concepção humana, São Paulo:LTr, 2002, p.254. In: GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 126.

[12] Artigo1288, inc. I e II doCódigo Penall. In: VADE mecum. Edição especial Mackenzie. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. P. 320.

[13] Marcelo Zugaib et al. Medicina fetal. São Paulo: Ed. Atheneu, 1997. In: GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional.Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 127.

[14] GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional.Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 127.

[15] “Debate sobre aborto é inoportuno”. In: Folha de S. Paulo, 13/12/2004, p. C4. In: GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito Constitucional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. P. 420.

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