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29 de Maio de 2024

Empregado de chácara também é gente

Sobre os direitos trabalhistas do empregado caseiro

há 4 anos

Digo que empregado de chácara também é gente, pois, ao contrário do que vejo em muitos processos na Justiça do trabalho, eles também têm direitos trabalhistas como qualquer outro trabalhador.

Geralmente, pelo fato da propriedade rural ser mais distante dos centros sociais, muitos empregadores se deixam levar pelo pensamento de que ali, na área rural, os direitos trabalhistas não são relevantes.

Mesmo como advogado, não vejo problema no “combinado” entre patrão e empregado no âmbito rural. Quando, por exemplo, o empregado trabalha de vez em quando na chácara, fazendo um ou outro serviço. Nesses casos, a formalização trabalhista pode ser exagerada.

Não penso que tudo deva ser levado ao pé da lei.

Entretanto, o real problema é quando o emprego na chácara (sítio, fazenda, etc) ganha uma considerável dimensão na vida do empregado, isto é, quando esse emprego passa a ser sua atividade principal, sua renda e começa a influenciar sua vida familiar e social.

Outro dia mesmo, atendi uma cliente aqui pelo Jusbrasil. Ela estava trabalhando há mais de 15 anos numa propriedade rural, nunca teve sua carteira assinada, estava prestes a ser demitida e já tinha notícias de que iria receber não mais de 3 três salários mínimos na rescisão.

Mas esse nem é o pior dos cenários, vez ou outra ainda se encontram casos como:

James Custódio trabalhava há seis anos numa fazenda em Breajaubinha, distrito de Governador Valadares. Recebia de 50 a 100 por mês, aleatoriamente. Era obrigado a morar num alojamento em condições precárias e não tinha acesso à água potável.

Outro, um trabalhador paraguaio, 76 anos, trabalhava numa propriedade rural em Porto Murtinho (MS). Após 5 meses de trabalho recebeu 150 reais. Residia em lugar com condições de moradia desumana e sua alimentação se resumia a óleo, macarrão e arroz.

Neste artigo, veremos algumas das principais dúvidas sobre os direitos trabalhistas do caseiro.

Diferença entre Caseiro e Empregado rural.

Caseiro é aquele que trabalha em sítios, chácaras ou similares que têm uma finalidade de lazer, onde o proprietário e a família costumam passar dias de folga e férias.

O caseiro é exatamente como um doméstico, só que da zona rural. Na verdade, o caseiro é protegido pela Lei do Trabalho Doméstico, e deve receber todos os direitos lá previstos.

Já o empregado rural é aquele que trabalha em sítios, chácaras ou similares que têm a finalidade de proveito econômico, isto é, quando a propriedade rural é utilizada para gerar lucro para o patrão, como a agricultura ou criação de gado para venda, por exemplo.

Neste sentido, o empregado rural não tem nada a ver com o empregado doméstico, e deve receber os direitos trabalhistas conforme a lei.

A importância do contrato de trabalho

O contrato de trabalho não é mera formalidade, mas um direito do trabalhador e existe para proteger tanto o empregado quanto o empregador.

Ano passado ingressei com uma ação trabalhista de um cliente que trabalhava numa chácara. Essa chácara, além de ser destinada ao lazer, também era um ONG que cuidava de animais.

Resumo: o empregado trabalhava tanto como doméstico como trabalhador rural, lavando, alimentando e cuidando dos animais de domingo a domingo.

No final, o empregado foi demitido e, depois de seis meses de trabalho, não recebeu nem o equivalente à suas horas extras.

Como não tinha carteira assinada, nem contrato de trabalho, gerou-se uma grande discussão no processo sobre quais as atribuições, qual a data de início e término do trabalho, jornada, horas extras, etc.

Tudo seria mais claro se houvesse a assinatura em carteira. Mas, no final, o que decidiu o processo foram as testemunhas do empregado, que comprovaram sua jornada.

O caseiro tem direito a horas extras?

Essa é uma das principais dúvidas quando se fala sobre os direitos do caseiro.

Geralmente, pelo fato de morar na residência ou mesmo numa casinha dentro da propriedade e, além disso, não ter a supervisão diária dos patrões, a pergunta é muito frequente.

Entretanto, a resposta é certa: Sim, o caseiro tem direito a hora extra assim como o empregado doméstico. Ou seja, trabalhou mais de 8 horas no dia ou mais de 44 horas na semana: tem hora extra.

E, caso haja um contrato entre empregado e patrão, o trabalho extraordinário será devido caso seja ultrapassado o tempo de serviço nele previsto.

Como provar as horas extras?

A partir da questão acima é inevitável esta outra pergunta: como provar as horas extras se o caseiro não tinha supervisão?

Neste ponto, num eventual processo trabalhista, é indispensável que haja testemunhas, capazes de comprovar que o caseiro trabalhava além do contratado.

No processo, o dever de provar as horas extraordinárias é do empregado. Se não houver testemunhas ou documentos, será apenas a palavra de um contra o outro.

Tive que me mudar para a chácara com minha família. Tenho direito a algum auxílio?

É muito comum que o caseiro tenha que se mudar para a propriedade rural com sua família, uma vez deverá tomar contar da residência diariamente.

Neste caso, a Lei 8.213/91, garante o benefício do salário família, que consiste num auxílio financeiro do empregador para o trabalhador que ganhe até R$1.425,56, com filhos de até 14 anos ou inválidos.

Para ter direito ao salário família judicialmente, é necessário comprovar: certidão de nascimento, apresentação anual de atestado de vacinação obrigatória e frequência escolar do filho.

A habitação do caseiro integra o salário?

Em outras palavras: a moradia do caseiro na residência da chácara pode ser descontada do salário?

Primeiramente, cabe explicar que a habitação concedida pelo empregador tem um nome, chama-se: salário in natura ou salário utilidade, que nada mais é do que o fornecimento pelo patrão de um ajuda gratuita pelo trabalho, como pode ocorrer também com a alimentação, veículo e vestuário.

Veja bem que o salário utilidade é PELO trabalho e não PARA o trabalho, isto é, o empregado poderia muito bem trabalhar na chácara sem ter que morar lá.

Nesse caso, o salário integra a remuneração, ou seja, será descontado do salário do empregado. Entretanto, conforme a lei, quanto à habitação, só poderá ser descontado o máximo de 25% do salário.

Entretanto, caso seja indispensável que o empregado resida na chácara, visto que sua residência é muito distante do local de trabalho, por exemplo, já não será salário utilidade.

E, se a moradia é algo necessário para o próprio exercício dos serviços, não pode ser descontado do salário e, logo, não integra o salário, sendo que o mesmo vale para a alimentação e outras utilidades.

Nas férias, posso permanecer na residência cedida ou tenho que passar em outro lugar?

Pelo fato de ser uma interrupção no contrato de trabalho, alguns empregados se perguntam se seriam obrigados a ir para outro lugar, a fim de gozarem sua férias.

Neste ponto, a lei é clara quando diz: “é lícito ao empregado que reside no local de trabalho nele permanecer durante o período de férias” (art. 17, § 5, LC 150/2015).

Ou seja, se o caseiro efetivamente mora no local de trabalho, é direito dele a possibilidade passar as férias lá também.

Tenho direito ao recolhimento do FGTS e multa de 40%?

Diferente dos empregados celetistas, o recolhimento do FGTS para empregados domésticos apenas se tornou obrigatório recentemente, no ano de 2015, com a Lei Complementar 150/2015.

Atualmente, todo empregador de empregado doméstico é obrigado a recolher o FGTS, equivalente a 8% do salário, através do DAE (Documento de Arrecadação do eSocial).

Entretanto, para todos os casos de processo judicial, só poderão ser cobrados os recolhimentos a partir de outubro de 2015.

Quanto à multa de 40%, esta também é direito do trabalhador doméstico, caso seja demitido sem justa causa ou por culpa do empregador.

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