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4 de Maio de 2024

Meu Seguro-Desemprego foi negado porque tenho um CNPJ. O que posso fazer?

Publicado por Douglas Júnior
há 10 meses

A situação é a seguinte: você trabalhou formalmente em uma empresa e deu tudo de si. Porém, por alguma razão, sofreu demissão sem justa causa. Só tchau e pronto! O mercado está difícil e mesmo com incontáveis currículos enviados e vários dias procurando emprego, você não acha nada. Sabe, porém, que tem direito ao seguro-desemprego, pois trabalhou, no mínimo 12 meses (primeira solicitação), ou 9 meses (segunda solicitação), ou ainda, 6 meses (terceira solicitação). Ciente disso, foi até o Ministério do Trabalho e Previdência – MTP e solicitou o recebimento deste benefício. Surpreendentemente, após alguns dias, descobriu que sua solicitação foi negada e a justificativa do MTE foi algo como “Renda própria – sócio (a) de empresa”. Rapidamente lhe volta aquilo que você já tinha esquecido; você lembra daquele parente ou amigo que precisava de mais alguém para abrir aquela empresa. Você se dispôs a ajudar e agora seu nome consta no registro de sócio (a), que acabou fechando as portas tempos depois, mas seu nome ainda consta porque a empresa não foi baixada. Ou ainda, seu nome consta naquela associação sem fins lucrativos, de cunho religioso ou social, que pode estar ativa ou não. Será que é isso? Seu direito de receber o seguro-desemprego se perdeu por uma bobagem? Bem, é preciso analisar a questão com cuidado.

O que é o Seguro-Desemprego?

Este benefício faz parte da rede de proteção do trabalhador e foi criado para minimizar o sufoco enfrentado por cidadãos que se veem em situação de desemprego involuntário. Aliás, a Constituição Federal usa praticamente as mesmas palavras quando fala do benefício:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;”

O art. 2º, I, da lei que regula o Programa do Seguro-Desemprego (Lei 7.998/90), também é claro quando traz que uma das finalidades do programa é “prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa”.

Para tanto, o seguro-desemprego será pago ao trabalhador dispensado sem justa causa que comprove as condições trazidas pelo art. 3º e incisos da mesma Lei:

“Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:

I – ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a:

a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação;

b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e

c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;

III – não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;

IV – não estar em gozo do auxílio-desemprego; e

V – não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família. (...)”

Portanto, a liberação do benefício não é uma liberalidade do MTP, mas sim um dever. Se o cidadão cumprir com todos os requisitos trazidos ele tem direito a receber o seguro-desemprego.

Mas então, por que me foi negado o Seguro-Desemprego?

O MTP é o responsável pela análise das solicitações de seguro-desemprego. Nesse trabalho, o MTP pode firmar convênios com vários órgãos para fazer o cruzamento de dados de forma a trabalhar com mais eficiência e é assim que o órgão obteve a informação de que há uma empresa registrada em seu nome.

Um sem-número de entidades já fazem o cruzamento de dados. A Receita Federal faz isso; a Justiça Eleitoral faz isso; as polícias também fazem. Seus dados estão por todos os lugares e o Estado sabe mais sobre você do que você imagina. Isso pode ser bom porque dificulta a prática de fraudes por pessoas mal-intencionadas.

Ao verificar que seu nome estava vinculado a um CNPJ o MTP levou em consideração o inciso V do art. da Lei nº 7998/90, já exposto há pouco, mas que prescreve o seguinte:

Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove: (…)

V – não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família. (…)

A interpretação do MTP é de que uma pessoa que é sócia de uma empresa ou que conste no quadros de uma associação sem fins lucrativos, provavelmente possui alguma forma de renda, o que a desqualificaria para receber o seguro-desemprego.

Porque essa interpretação está errada

O MTP deve praticar todos os atos necessários a uma análise criteriosa em relação à análise dos requerimentos de seguro-desemprego. Mais que apenas zelar pelo dinheiro público, que é, em última medida, de todos nós, o MTP deve zelar pelo cumprimento da lei e pela correta liberação do benefício. Todavia, não pode cometer ilegalidades nesse processo.

O pensamento é lógico: não há dificuldades em entender que uma empresa de portas fechadas não está gerando lucro. Logo, a pessoa que seja sócia dessa empresa não está percebendo renda, razão pela qual ela cumpre o requisito no inciso V do art. 3º da Lei do seguro-desemprego.

Não faz diferença se a empresa consta como inativa perante a Receita Federal ou está ativa mas não funciona, situação que se conhece como “inativa de fato”. A questão principal é o fato de a empresa gerar lucro aos seus sócios.

Sabemos que mesmo o fato de se possuir uma empresa em pleno funcionamento não é presunção imediata de geração de renda. Muitas empresas ativas de fato não geram um retorno aos seus sócios. Obviamente, empresas inativas não geram lucro nenhum!

No caso das associações sem fins lucrativos, é importante frisar que a proibição é de que seus dirigentes obtenham lucro, mas eles podem sim receber salários, razão pela qual, se a entidade estiver ativa, será necessária a comprovação de que não se obtém nenhum tipo de rendimento relevante em decorrência da atividade da associação.

É abusivo, desproporcional e, portanto, ilegal a interpretação do MTP em negar o benefício a pessoas simplesmente em razão da vinculação a um CNPJ. O seguro-desemprego é um direito dos cidadãos em situação de vulnerabilidade garantido pela Constituição Federal, e não um favor que o Estado concede a quem lhe aprazer.

Os Tribunais Regionais Federais colecionam decisões revertendo o entendimento arbitrário de várias Superintendências Regionais do Ministério do Trabalho e Emprego.

Veja-se um acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, responsável pelos Estados do Acre, Amazonas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia e Roraima:

(…) 2. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União em face de decisão que deferiu o pedido liminar da parte impetrante, permitindo-lhe a percepção das parcelas relativas ao seguro-desemprego, afastando a vedação de que seria sócio de uma pessoa jurídica. 3. Tanto o art. , V, da Lei nº 7.998/90, como o art. 3º, IV, da Resolução CODEFAT nº 467/2005, que estabelece os procedimentos relativos à concessão do seguro-desemprego, estabelecem que terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família. 4. Considerando que o seguro-desemprego é prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, não é razoável negar-lhe o benefício apenas por haver CNPJ registrado em seu nome, ainda que não haja comprovação de renda da sua parte. 5. No caso dos autos, há comprovação de que a pessoa jurídica da qual teria participação o agravante está declarada perante a Receita Federal como inativa, situação que afasta, ainda mais, qualquer óbice à pretensão.

(AL 00 619161120164010000 0061916-11.2016.4.01.0000)

No Tribunal Regional Federal da 2ª Região, responsável pelos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, o entendimento é o mesmo:

“1. O fato de o impetrante ser sócio de uma empresa, com CNPJ ativo, não significa necessariamente que obtenha renda decorrente de tal situação. O inciso V do art. 3º é claro ao indicar que a vedação ao recebimento do seguro-desemprego é a percepção de renda própria de qualquer natureza e não a participação em sociedade empresarial, que muitas vezes pode estar inativa de fato e não gerar nenhum tipo de renda. 2. Os documentos acostados aos autos demonstram de forma satisfatória que a empresa da qual o autor é sócio não gerou nenhuma renda no ano-calendário 2015. Dessa forma, a mera manutenção do registro de empresa não justifica cancelamento ou suspensão do seguro-desemprego, pois não demonstrada percepção de renda própria suficiente à manutenção do trabalhador. Precedentes. 3. Não se pode admitir uma interpretação extensiva da regra legal contida no apontado inciso V do art. da Lei nº 7.998 /90, criando hipótese de vedação de percepção do seguro-desemprego não prevista na referida lei.”

(TRF-2 – REOAC 001702372220164025001 ES 0018023-72.2016.402.5001)

Assim também é no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que abrange os estados de Mato Grosso do Sul e de São Paulo:

1. O amparo ao trabalhador em situação de desemprego é uma garantia prevista no artigo 7.º, inciso II, e no artigo 201, inciso III, ambos da Constituição da Republica. 2. Nos termos do inciso V do artigo da Lei nº 7.998/90, é requisito para o recebimento do seguro-desemprego o interessado "não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família". 3. No caso dos autos, de acordo com informações da autoridade impetrada, o indeferimento das parcelas do benefício ocorreu em virtude de o impetrante possuir renda própria, por figurar no quadro societário da empresa inscrita no CNPJ sob o n. 68.171.099/0001-28, conforme fl. 21. Contudo, consoante comprovou a impetrante pelos documentos de fls. 29/30, a empresa de cujo quadro societário faz parte está inativa, o que faz presumir a ausência de renda própria capaz de obstar o recebimento do seguro-desemprego.

(TRF-3 – ApReeNec 000 59989820164036100)

Não é diferente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul:

(…) Com a apresentação de documentos que indicam que a empresa apontada pelo sistema encontra-se inativa desde antes do pedido de seguro-desemprego e dela, portanto, a parte autora não aufere renda, resta atendido o requisito legal. Impende asseverar que a percepção de renda, no caso concreto, não pode ser presumida. Há que registrar, ainda, precedentes no sentido de que a mera manutenção de registro de empresa não gera necessariamente a conclusão de que a requerente do seguro-desemprego possui fonte de renda própria suficiente à sua manutenção e à de sua família, não sendo justificativa, por si só, à negativa de concessão do benefício.

(TRF-4 – REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL 5015738-15.2015.4.04.7001 PR 5015738-15.2015.404.7001)

Por último, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com jurisdição dos Estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe, também tem o mesmo entendimento:

“1. Remessa necessária e apelação interposta pela União Federal em face da sentença que, confirmando a liminar deferida, concedeu a segurança pleiteada para determinar à autoridade coatora – Superintendente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego/PE – que promova o pagamento das parcelas do seguro-desemprego a que faz jus a impetrante em lote único, desde a data do protocolo administrativo. 2. O seguro-desemprego tem por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa (art. , I da Lei 7.998/90). 3. Para que o requerente faça jus à percepção do seguro-desemprego, deve comprovar, dentre outros requisitos, que não possui renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família (art. , V da Lei 7.998/90). 4. No caso dos autos, o requerimento de seguro-desemprego da impetrante foi indeferido ante a constatação de que, perante o banco de dados do Ministério do Trabalho e Emprego, figura desde 23/06/2009 como sócia da empresa (…), situação considerada pela autoridade coatora como capaz de elidir seu direito à percepção do benefício, ante a presunção de que tal condição lhe geraria renda própria. 5. Os documentos que instruem a petição inicial fazem transparecer que a empresa da qual é sócia está inativa desde 2015, e que a apelada declarou sua ex-empregadora como única fonte de renda no ano-calendário de 2016. 6. A prova documental produzida infirma a presunção de que a impetrante, simplesmente por fazer parte de sociedade empresária, possui renda própria suficiente à sua manutenção e de sua família. (…) 8. O ato praticado pela autoridade coatora está eivado de flagrante ilegalidade, porquanto não há previsão legal que se amolde à situação da impetrante que, comprovadamente, não possui qualquer fonte de renda.”

(TRF-5 – APELREEX 08077516220174058300)

Fica claro que os tribunais de segundo grau têm um posicionamento correto acerca da questão, se negando a manter os abusos praticados pelas Superintendências Regionais do MTP.

Mas então, o que devo fazer?

Primeiramente, pode ser interessante entrar com um recurso administrativo da decisão do MTP que não lhe liberou ao recebimento do seguro-desemprego. Isso é importante porque ainda há a chance de a decisão ser reformada pelo próprio MTP sem que seja preciso ingressar com um processo.

O recurso da decisão do MTP deve conter os documentos que comprovem que a empresa ou associação estava inativa perante a Receita Federal na época da solicitação ou que, mesmo ativa perante a Receita, não esteja funcionando de fato. Tais documentos podem ser uma declaração de que a empresa está inativa ou, no caso de microempresas ou empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional, a Declaração de Informações Socioeconômicas e Fiscais. Estes documentos podem ser obtidos através de um contador.

Então, se a resposta de seu recurso for uma nova negativa, você poderá buscar a justiça, através do Juizado Especial Cível Federal de sua localidade, ou consultar um (a) advogado (a), que poderá adiantar o recebimento de seu benefício.

Nos Juizados Especiais Cíveis Federais não há a necessidade de contratação de advogado, mas ter um profissional lhe auxiliando pode ser um fator decisivo neste tipo de ação. Acaba que a viabilidade de se contratar um profissional ou não deve ser vista caso a caso.

Não se esqueça, o Direito não socorre quem dorme.

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