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A cilada do regime de separação de bens.
É muito comum que pessoas que optem pelo regime da separação de bens o façam pensando que a extinção da sociedade conjugal vá se dar pelo divórcio, como prevê o art. 1.571, IV, do Código Civil.
Entretanto, a qualquer momento e, muitas vezes, quando menos se espera, poderá ocorrer o falecimento de um dos cônjuges e, nesse caso, ainda que o casamento seja regido pela separação convencional de bens – arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil – o sobrevivente será herdeiro necessário do falecido.
É preciso dizer que, nos termos do art. 1.829, I e II, do Código Civil, o cônjuge sobrevivente, casado com o falecido no regime de separação convencional de bens, herda em concorrência com os descendentes, sejam eles comuns ou não, e com os ascendentes.
Além disso, pela gradação feita pelo legislador do art. 1.829 do Código Civil, caso o falecido não tenha deixado descendentes ou ascendentes, e seus únicos parentes estejam na linha colateral (irmãos, sobrinhos, sobrinhos-netos, etc.), o cônjuge sobrevivente herda absolutamente tudo.
A cilada, então, mostra-se bastante evidente na medida em que os cônjuges, desavisados e não instruídos suficiente e juridicamente – optam pelo regime da separação de bens justamente com a intenção de que um não participe do patrimônio do outro, seja na dissolução da sociedade conjugal pelo divórcio ou pela morte de qualquer do casal.
Para essas situações – de cônjuge sobrevivente não participar da herança se o casamento foi regido pela separação convencional de bens –, uma solução apontada por parte da doutrina é a renúncia à herança no pacto antenupcial.
Para ilustrar, traz-se parte do artigo escrito por Rolf Madaleno, maior defensor da tese. Veja-se:
Pactos matrimoniais dever atender, em respeito ao princípio da liberdade contratual, a todas as questões futuras, conquanto lícitas, recíprocas e suficientemente esclarecidas, acerca dos aspectos econômicos do casamento ou da união estável, permitindo que seus efeitos se produzam durante o matrimônio ou com a sua dissolução pelo divórcio ou pela morte, conquanto as cláusulas imponham absoluta igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges e conviventes no tocante ao seu regime econômico familiar e sucessório, merecendo profunda ponderação a constatação de que a autonomia privada, ao respeitar o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana, confere amplo poder discricionário nas relações patrimoniais dos cônjuges e conviventes.
[...]
Estender o regime da separação de bens adiante da meação e admitir a renúncia contratual da herança conjugal em pacto sucessório, externada a renúncia em ato de antecipada abdicação, nada apresenta de odioso e de imoral, como não é igualmente odioso e imoral renunciar à meação. O ato de renúncia pactícia da herança futura tampouco instiga a atentar contra avida do cônjuge ou do convivente, e muito menos estimula a cobiça em haver os bens do consorte, como tampouco restringe a liberdade de testar. Muito pelo contrário, amplia esta liberdade ao permitir afastar um herdeiro irregular de um planejamento sucessório que o consorte se apressa em pôr em prática para excluir por outras vias legais o indesejado herdeiro concorrencial, sem deslembrar que os pactos renunciativos como negócios jurídicos bilaterais, são atos factíveis e irrevogáveis e diferem do testamento que é negócio unilateral e revogável. [1]
Outra solução, contudo, somente para atendimento parcial da vontade dos cônjuges, seria a utilização do testamento como planejamento sucessório: para que o testador deixasse toda a sua parte disponível para pessoas que não seu cônjuge sobrevivente.
Diz-se que a solução é parcial porque, no patrimônio compreendido na parte indisponível, não há dúvidas de que o cônjuge sobrevivente herdaria, ainda que em concorrência com ascendentes ou descendentes ou mesmo sozinho, se existirem somente colaterais ao falecido.
Com a união estável, muito embora não haja um ritual – como aquele previsto para o casamento no Código Civil – se o regime escolhido pelos conviventes – em instrumento escrito – for o da separação convencional de bens, dá-se da mesma maneira: o companheiro sobrevivente herda – necessariamente.
Por isso é que se diz que o planejamento patrimonial sucessório – seja ele para os casados ou àqueles que vivem em união estável – começa com o casamento e toda a burocracia em o ritual envolve (ou, no caso de companheiros, na elaboração do contrato escrito), ou seja, bem antes do falecimento.
Infelizmente, os cartórios de registro civil espalhados pelo Brasil inteiro – que se apresentam muitas vezes como aptos à orientação dos nubentes ou companheiros – não esclarecem praticamente nada acerca das implicações do regime de bens, especialmente na sucessão hereditária.
Procurar orientação jurídica ainda antes da união – em sentido amplo – é imprescindível a que a real vontade das partes envolvidas seja efetivamente respeitada.
[1] MADALENO, Rolf. Renúncia de herança no pacto antenupcial. In: REVISTA IBDFAM: famílias e sucessões. V. 27 (maio/jun). Belo Horizonte: IBDFAM, 2018, p. 38
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