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3 de Maio de 2024

Reconhecimento da união estável homoafetiva

Publicado por Giulia Benedetti
há 4 anos

Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a união estável homoafetiva como entidade familiar no ano de 2011, até hoje nosso Código Civil não se atualizou neste sentido. Isso porque, em seu artigo 1.723, cujo qual caracteriza a união estável, é claro ao afirmar: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”, ou seja, abrange tão somente o casal composto por um homem e uma mulher, em que pese os mais diversos conjuntos familiares que possuímos nos dias de hoje, que também deveriam ser amparados por lei.

A união estável possui como objetivo proteger os que nela vivem, aplicando-lhes às relações patrimoniais similares ao do casamento, assim os dando mais segurança quanto à constituição do patrimônio, e no caso de uma eventual dissolução da mesma. Isto posto, tendo em vista a relevância da união estável para a sociedade, não se vislumbra quaisquer motivo plausível para o Código Civil não reconhecer esta como núcleo familiar, quando se tratam de pessoas do mesmo sexo. Como muito bem citado pelo ministro Celso de Mello no julgamento da ADI/4277 DF: "Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero".

A forma de identificação do núcleo familiar é a forma como às pessoas se comportam diante da sociedade, externando afinidade e solidariedade mutuamente vislumbrando viver em comunhão comum e consumar projetos desenvolvidos durante a vida familiar. Neste sentido Maria Berenice Dias:

Nos dias de hoje, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.

O Projeto de Lei do Senado 612/2011 tinha como objetivo reconhecer como entidade familiar a união estável entre pessoas do mesmo sexo, alterando o artigo 1.723 do Código Civil aonde consta “a união estável entre o homem e a mulher” para “a união estável entre duas pessoas”, mantendo o restante do texto do artigo. No entanto, o projeto de Lei consta no Senado Federal como “Arquivada ao final da Legislatura (art. 332 do RISF)”.

É possível ter como reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo, em que pese não existir previsão legal, oportunidade em que a elas são dadas os mesmos direitos e deveres, tais como o pagamento de pensão alimentícia, pensão por morte e direito a sucessão, pois como bem dito pelo ministro Luiz Fux no julgamento da ADI/4277 DF: nada justifica que não se possa equiparar a união homoafetiva à união estável entre homem e mulher”, complementando com "se o legislador não o fez, compete ao tribunal suprir essa lacuna". Neste sentido colaciono recentes julgamentos:

UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. PARTILHA. Sentença de parcial procedência. Apelo de ambas as partes. Caráter dúplice da ação que permite análise do pedido contraposto de partilha formulado na contestação. Desnecessidade de reconvenção. União estável. Entidade familiar constituída por aqueles que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de casamento. Art. 226, § 3º da Constituição Federal e art. 1.723 do Código Civil. Ausência de comprovação inequívoca do início da coabitação. Irrelevância. Comunhão de vidas e união contínua, pública e notória com objetivo mútuo de constituição de família entre as partes. Affectio maritalis mútua verificada. Termo inicial da união estável mantido. Partilha de bens. Regime da comunhão parcial de bens. Direitos sobre imóvel, veículos automotores e indenização por benfeitorias em imóvel, adquiridos e realizadas na constância da união estável. Direito à meação devido. Bens móveis que guarneciam o lar conjugal, cuja existência e retirada pelo autor não foram evidenciadas. Meação somente dos bens móveis cuja existência restou incontroversa. Sentença alterada. Recurso do requerido desprovido, provido em parte o do autor. (TJ-SP - AC: 10029198920178260602 SP 1002919-89.2017.8.26.0602, Relator: Mary Grün, Data de Julgamento: 24/03/2014, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/04/2020)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA POST MORTEM. PROVA DA RELAÇÃO CONTÍNUA, DURADOURA E PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS HERDEIROS. 1. As uniões estáveis homoafetivas são reconhecidas como entidades familiares, sendo-lhes asseguradas a mesma proteção conferida às uniões estáveis heterossexuais (STF - ADPF 132 e ADI 4227). 2. Considerando tratar-se de uma união iniciada há mais de 25 anos, entre homens com diferença de idade superior a 40 anos, a prova de sua publicidade deve ser relativizada, em razão das circunstâncias da época e do meio social dos envolvidos. 3. Estando comprovado o relacionamento por mais de 10 anos, de forma contínua, duradoura e pública (na medida do possível), deve ser reconhecida a existência da união estável entre o autor e o falecido. 4. Inexistindo outros herdeiros do de cujus, declara-se o autor seu legítimo herdeiro, com direito à totalidade da herança. 5. Deu-se provimento ao apelo do autor. (TJ-DF 00375900620148070016 - Segredo de Justiça 0037590-06.2014.8.07.0016, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 20/05/2020, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 15/06/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

No que diz respeito a adoção por casais do mesmo sexo, a mesma já vem sendo possível devido ao entendimento jurisprudencial com o deferimento de adoções conjuntas a casais homossexuais deferidas pelo STJ, desde que estejam presentes os requisitos do artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Isto posto, em que pese a grande lacuna deixada pelo poder legislativo no que diz respeito a proteção dos casais homossexuais que vivem em união estável, a ADI/4277 DF e a ADPF/132 RJ, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da intimidade e privacidade, privilegiando como consequência a proteção contra quaisquer tipos de discriminação, entenderam por suprir esta lacuna, tratando de forma igualitária os casais, independentemente da sua composição, sendo ela por pessoas do mesmo sexo ou não.

Diante disso, os casais homoafetivos que vivem em união estável tiveram seus direitos assegurados pelo poder judiciário, devido à forma preconceituosa e ultrapassada em que vige a nossa legislação, ignorando a premissa de “estado laico”, como nessa e tantas outras questões.


[1] BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 28 jun. 2020.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal pleno. Ação direta de Inconstitucionalidade: ADI 4277 DF. Relator: Ayres Britto. Julgado em 05/05/2011. Brasília, 2011. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 28 jun. 2020.

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 42.

[4] SENADO FEDERAL. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102589. >. Acesso em: 28 jun. 2020

[5] BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 28 jun. 2020.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal pleno. Ação direta de Inconstitucionalidade: ADI 4277 DF. Relator: Ayres Britto. Julgado em 05/05/2011. Brasília, 2011. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 28 jun. 2020.

[7] Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. § 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando. § 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. § 5º Nos casos do § 4 o deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. § 6º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 28 jun. 2020.

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal pleno. Ação direta de Inconstitucionalidade: ADI 4277 DF. Relator: Ayres Britto. Julgado em 05/05/2011. Brasília, 2011. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 28 jun. 2020.

[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal pleno Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: ADPF 132 RJ. Relator: Ayres Britto. Julgado em 05/05/2011. Brasília, 2011. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 28 jun. 2020.

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