Seção II

Seção II Daqueles a quem se deve pagar Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito. V. arts. 171 a 179, 335, 662, 673, 873 e 905, CC. • Jornadas CJF, Enunciado 425: O pagamento repercute no plano da eficácia, e não no plano da validade como preveem os arts. 308, 309 e 310 do Código Civil. Sumário: I. Legitimação passiva para o pagamento; II. Terceiros autorizados. I. Legitimação passiva para o pagamento. O devedor deve realizar o pagamento para o credor ou para quem tenha autorização para conferir a quitação. O art. 308 abre a possibilidade de que terceiro receba a prestação; contudo, a posição do devedor resta fragilizada quanto ao controle das cessões de crédito e cessões das posições contratuais, motivo pelo qual o pagamento, mesmo errôneo, poderá liberá-lo do vínculo obrigacional. A leitura do art. 309 não desmente essa afirmação, quando reconhece expressamente a boa-fé subjetiva do devedor. Em situações peculiares, como na obrigação solidária ou indivisível, existirá uma pluralidade de credores, o que autoriza que qualquer credor possa conferir a quitação, transferindo para a relação interna (entre os credores) a questão atinente à distribuição dos valores. II. Terceiros autorizados. Os representantes convencionais ou legais do credor (pais, curadores) também podem receber e dar a quitação. É possível que o representante tenha sido destituído e disso o devedor não tenha tomado conhecimento. Se não foi comunicado da destituição e realizava pagamento regular, ou lhe foi apresentada a procuração com poderes, sem notícia da revogação, o devedor não poderá ser prejudicado. Afinal, as diligências normais indicam que qualquer devedor faria o pagamento ao representante, como na hipótese do locatário que, mensalmente, se dirige à imobiliária para depositar o aluguel e não recebe comunicação do término do contrato de prestação de serviços, nem do locador, nem da imobiliária. É óbvia a boa-fé do devedor, que não poderá ser cobrado duas vezes. Caberá ao credor realizar a cobrança do credor putativo. Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor. V. art. 113, CC. • Jornadas CJF, Enunciado 425: O pagamento repercute no plano da eficácia, e não no plano da validade como preveem os arts. 308, 309 e 310 do Código Civil. Sumário: I. Pagamento ao credor aparente; II. Modulação da boa-fé objetiva. I. Pagamento ao credor aparente. A proteção conferida ao devedor de boa-fé revela, antes de tudo, um problema relacionado à eficácia. Não se trata propriamente de invalidade, pois o pagamento considera-se existente e válido, apenas ineficaz. Todavia, esta ineficácia é relativa, fato que legitima a cobrança do verdadeiro credor em relação ao credor putativo. A proteção conferida ao devedor é essencial para o tráfego negocial (Rechtsverkehr), pois o sistema tutela a aparência jurídica (Rechtsschein) por meio da boa-fé subjetiva e objetiva. Em algumas situações, o devedor se encontra em posição dificílima, como na hipótese do credor falido. A falência retira o poder de disposição do credor sobre os bens que agora compõem o acervo de garantia dos credores. Desse modo, o credor falido não pode dar quitação; todavia, o devedor de boa-fé poderá não ter conhecimento da sentença declaratória, o que legitima o pagamento feito, ainda que na condição de credor putativo: “Pagamento ao falido. Credor putativo. […]. No caso em apreço, a recorrente foi condenada ao pagamento de seguro e entabulou acordo com a credora, cuja falência fora decretada anteriormente, sem que tivesse conhecimento do fato nem se consignando eventual má-fé no acórdão recorrido. Inexistindo, pois, prova da má-fé e elemento que pudesse cientificar o devedor de que o representante da credora não mais detinha poderes de administração, é de se reputar válido o pagamento feito a credor putativo” (STJ, 4ª T., AgRg-AI 1.225.463 , rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 19.12.2012). II. Modulação da boa-fé objetiva. É extremamente difícil disciplinar quais situações devem ser protegidas pela boa-fé. Algumas são reconhecidas pelo próprio ordenamento, como a tutela do herdeiro aparente ou do credor aparente. No direito alemão, Quack, analisando a construção do conceito de boa-fé e diferenciando-a da má-fé, apresenta uma série de hipóteses que são cogitadas pela jurisprudência alemã na construção da aquisição a non domino de bens móveis, que é disciplinada pelo § 932 do BGB: “1) Art und Gestaltung des Erwerbsgeschäftes” (modo e formação da aquisição negocial); “2) der Veräußerungssituation” (situação em que ocorreu a alienação); “3) der verkehrüblichen Abwicklung des Geschäfts” (forma usual de execução do negócio); “4) der Person und der sozialen Stellung des Erwerbers, soweit durch sie, wie regelmäßig, die Erwerbssituation bestimmt wird” (análise da pessoa e da posição social do adquirente, e, com base nisso, até onde seria regular a situação em que ocorreu a aquisição da posse); “5) der Verkehrauffassung über die erforderlich Legitimation des Veräußerers” (observação com base no tráfego dos requisitos a serem exigidos para a legitimação do alienante); “6) der Erklärung des Veräußerers, und den von ihm vorgelegten Urkunden” (a declaração do alienante e dos documentos por ele apresentados); “7) der Vermögenslage des Veräußerers” (a situação patrimonial do alienante); “8) sonstigen erkennbaren Umständen in der Person des Veräußerers” (outras circunstâncias perceptíveis na pessoa do alienante) (cf. Friedrich Quack, Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch – Sachenrecht , p. 808-810). A respeito, mais amplamente, cf. Fabio Caldas de Araújo, Posse , p. 432. Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu. V. arts. 3º, 4º e 181, CC. • Jornadas CJF, Enunciado 425: O pagamento repercute no plano da eficácia, e não no plano da validade como preveem os arts. 308, 309 e 310 do Código Civil. Credor incapaz. A incapacidade gera, em princípio, a impossibilidade de fornecer quitação. A conexão do art. 310 com o art. 181 pode parecer evidente, o que legitimaria a ratificação do pagamento unicamente em relação ao incapaz relativo, desde que demonstrado o aproveitamento do pagamento e a inexistência de ciência da incapacidade. Todavia, não há motivo para que a regra não seja estendida para o incapaz absoluto, desde que a boa-fé do devedor esteja demonstrada justamente pelo aproveitamento do pagamento em benefício do credor. É claro que o vício em relação ao incapaz absoluto atingiria o plano da validade, mas a boa-fé possui papel de correção e integração que deve prevalecer para situações de comprovado aproveitamento ao incapaz (nesse sentido, cf. TJRN, 1ª Câm. Cív., AC XXXXX-5, rel. Juíza conv. Fátima Soares, DJe 16.08.2012, p. 72). Art. 311. Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante. V. art. 320, CC. Pagamento a portador da quitação. Teoria da aparência. Decidiu-se que, ante “terceiro que se mostra aos olhos de todos como preposto da empresa de consórcio, inclusive com formulários e recibos com o logotipo do consórcio e recebendo valores, impõe-se à empresa o dever de indenizar, ante a teoria da aparência. Não há que se falar em negligência da compradora por ter pago valor além da quantia equivalente a uma prestação, nem por ter pago em espécie” (TJDFT, 1ª T. Cív., AC XXXXX-0 , rel. Des. Maria Beatriz Parrilha, DJU 29.08.2006). Art. 312. Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso contra o credor. V. arts. 290, 298, 876 e 1.460, parágrafo único, CC; arts. 671 e 672, CPC/1973; arts. 855 e 856, CPC/2015. Penhora sobre o crédito. Combinação entre regras materiais e processuais. O devedor, quando notificado quanto à penhora e mesmo em relação a qualquer medida constritiva anterior, como o arresto, não pode se exonerar do pagamento com a quitação fornecida pelo credor. A penhora corresponde a ato executivo de constrição que pode provocar a indisponibilidade, ainda que relativa, da propriedade. O art. 856, § 2º, do CPC/2015 é claro sobre a matéria: “O terceiro só se exonerará da obrigação depositando em juízo a importância da dívida”. O terceiro será o devedor que atuará como coadjuvante no processo de execução movido pelo exequente contra o executado que é credor do devedor. A sua intimação quanto à penhora servirá de ponto de referência temporal para delimitar a boa-fé, o que não impede a comprovação de que já tivesse conhecimento anterior, que justificasse a cautela quanto ao pagamento, uma vez que o art. 312 do CC fala em “impugnação oposta”, o que confere caráter amplo ao conhecimento da controvérsia (nesse sentido, TRT-6ª R., 1ª T., Proc. XXXXX-66.2010.5.06.0341 , rel. Des. Nelson Soares Júnior, DJe 15.02.2012, p. 38). Sobre o tema, cf. José Miguel Garcia Medina, Código de Processo Civil Comentado cit., comentário aos arts. 855 a 860 do CPC/2015.

Código Civil Comentado

Seção II. Daqueles a Quem se Deve Pagar

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Daqueles a quem se deve pagar

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