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1 de Junho de 2024
  • 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal STF - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 6253 GO - GOIÁS XXXXX-90.2019.1.00.0000

Supremo Tribunal Federal
há 4 anos

Detalhes

Processo

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

Min. CÁRMEN LÚCIA
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Ementa

Decisão

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS DE GOIÁS NS. 20.416 E 20.468, DE 2019. ALTERAÇÃO DE DISPOSIÇÕES SOBRE O FUNDO DE APORTE À CELG-D – FUNAC. REVOGAÇÃO DA POLÍTICA ESTADUAL PARA MANUTENÇAO, MELHORIA E AMPLIAÇÃO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. ALEGAÇÃO DE OFENSA A ATO JURÍDICO PERFEITO, DIREITO ADQUIRIDO, BOA-FÉ DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, MORALIDADE ADMINISTRATIVA. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. DISCUSSÃO SOBRE A SITUAÇÃO PARTICULAR DA DISTRIBUIDORA DE ENERGIA ELÉTRICA LOCAL. IMPOSSIBILIDADE NO USO DA AÇÃO DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM: AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA FINALÍSTICA ENTRE O OBJETO DA AÇÃO E OS OBJETIVOS DA AUTORA. LIAME INDIRETO. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA. Relatório 1. Ação direta de inconstitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, ajuizada pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – Abradee em 12.11.2019, objetivando a declaração de inconstitucionalidade das Leis de Goiás ns. 20.416/2019 e 20.468/2019. Pela Lei n. 20.416/2019 alterou-se a Lei n. 17.555/2012, que dispõe sobre a criação do Fundo de Aporte à Celg-D – Funac. Pela Lei n. 20.468/2019 revogou-se a Lei n. 19.473/2016, na qual instituída a política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica em Goiás. 2. A autora defende ter legitimidade ativa ad causam, asseverando "buscar a preservação de um ambiente de negócios favorável ao segmento das distribuidoras de energia elétrica[, não se podendo] admitir o descumprimento dos contratos de concessão ou de privatização das companhias distribuidoras, sob pena de se frustrar a política pública setorial". 3. Apresenta o histórico de edição das leis impugnadas. Alega que até 2015 o serviço de distribuição de energia elétrica em Goiás vinha sendo desempenhado pela Celg-D, sociedade de economia mista estadual, de maneira desorganizada e ineficiente e, para viabilizar a compra das ações da empresa estatal pela Eletrobrás, objetivando pudesse esta assumir posterior negociação com particulares interessados na atividade de distribuição de eletricidade no Estado, Goiás teria constituído fundo destinado a cobrir dívidas da empresa surgidas a partir de fatos ocorridos até a alienação das ações para a entidade federal, denominado Fundo de Aporte à Celg Distribuição S/A – Funac, instituído pela Lei n. 17.555, de 20.1.2012, com previsão de existência por trinta anos. Noticia a aquisição de ações controladoras da Celg-D pela Eletrobrás em 27.1.2015, realçando, do texto do ato normativo de criação do Funac, dois aspectos que alega essenciais para a compreensão da presente ação de controle concentrado de constitucionalidade: "34. Em primeiro lugar, está definido que todo o passivo contingente da CELG D, com origem em fato ocorrido até 27.01.15, está coberto pelo fundo criado (vale dizer, todo o passivo originado durante o tempo em que a empresa esteve sob o controle do Estado de Goiás). 35. Em segundo lugar, não se estabeleceu nenhuma condição para o pagamento das dívidas compreendidas no período, desde que os referidos passivos contenciosos e judiciais tivessem sido constituídos até 27.01.15, data em que o Estado de Goiás transferiu o controle da companhia para Eletrobrás" . Argumenta "que o compromisso do Estado de Goiás de honrar as dívidas da empresa, originadas de fatos ocorridos enquanto a CELG esteve sob o controle do Estado-membro, não [deveria] se dirigi[r] apenas à Eletrobrás, mas fosse assegurado também a quem viesse a adquirir as ações da CELG D das mãos da Eletrobrás", pelo período de existência do Funac, conforme expresso no art. 4º da lei de criação, pelo qual se dispunha que o "Estado de Goiás repassará à CELG Distribuidora SA – CELG D – recursos suficientes para o pagamento das obrigações especificadas no art. 1º" . Cita cláusulas contratuais (ns. 1.6, 1.7, 4.4 e 13) para assegurar que o "contrato de transferência do controle acionário da CELG para a Eletrobrás (doc. 8) está, portanto, visceralmente ligado a esse compromisso assumido pelo legislador estadual: para que o contrato fosse concluído, Goiás se comprometeu a manter o FUNAC mesmo que a ELETROBRÁS viesse a alienar o controle da CELG para terceiro". 4. Comunica a edição da Lei goiana n. 19.473, de 3.11.2016, pela qual instituída a política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica em Goiás como medida para tornar mais atrativa a aquisição da Celg-D, considerada a frustração na primeira tentativa de venda por leilão por ausência de interessados. A autora assinala que, pela lei impugnada, se teria incrementado a garantia do pagamento dos passivos relacionados ao Funac, por corresponderem a débitos passíveis de compensação com créditos outorgados do ICMS para a empresa contribuinte aderente ao programa, exigindo-se apenas a) a celebração de termo de acordo de regime especial com a Secretaria de Estado da Fazenda; b) não ter crédito tributário inscrito em dívida ativa. 5. Noticia a celebração do contrato de compra e venda das ações da Celg-D em 14.2.2017, entre a Eletrobrás, o Estado de Goiás e a empresa ENEL Brasil S/A, vencedora do leilão com o valor de R$ 2.180.000.000 (dois bilhões e cento e oitenta milhões de reais), significando ágio de 28% acima do preço mínimo estipulado no edital. Sustenta que "o quadro normativo descrito foi essencial para que o processo de aquisição da CELG D pela ENEL se consumasse", inserindo-se no contrato de compra e venda das ações cláusulas pelas quais Goiás "ratificou e reconheceu, expressamente, todas essas obrigações relativas ao FUNAC, a elas anuindo explicitamente". Enfatiza, ainda, que o "FUNAC e a Lei do Crédito Outorgado de ICMS, que instituiu a política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica no Estado de Goiás possibilitou a federalização e a desestatização da CELG D". Assinala que, com o advento da Lei goiana n. 20.416, de 5.2.2019, "todo esse grupo de direitos e garantias do adquirente da CELG G, delineado nas leis de 2012 e 2016, que veio a ser consubstanciado no contrato de compra e venda da CELG (...) foi destruído". Argumenta: "53. Essa lei estadual, aqui impugnada, desprezou o direito já constituído em 2012 de o novo controlador da CELG D receber pelos débitos imputados administrativa ou judicialmente à empresa distribuidora de eletricidade, que tenham fato gerador ocorrido no período de 24.4.12 a 27.01.15. 54. Além disso, subordinou o pagamento dos débitos que ainda admite ressarcir a condições novas, dispostas nos incisos II e III eno parágrafo único do art. 1º. Essas condições inventadas pela lei de 2019 não foram estipuladas pela Lei nº 17.555/2012 ¿ nem muito menos foram previstas no contrato que a lei propiciou. 55. A Lei nº 20.416/19 modificou, ainda, norma central da Lei do Crédito Outorgado (Lei nº 19.473/16), que instituiu a política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica no Estado de Goiás, na mesma linha de ruptura unilateral com o pactuado diretamente com a ENEL e a Eletrobrás. De acordo com o art. 2º da Lei nº 20.416/19, o crédito outorgado estaria restrito às condições arbitrárias previstas na nova redação do art. 1º da Lei nº 17.555/12". Informa que, mesmo depois da restrição do período de ressarcimento do passivo deixado pela Celg-D e do respectivo crédito outorgado de ICMS, teria sido editada a Lei n. 20.416/2019, pela qual revogada por completo a Lei n. 19.473/2016. Assinala ter o governo de Goiás, pela legislação impugnada e"de esquemas burocráticos sob o exclusivo controle da sua nova Administração", frustrado a legítima expectativa de cumprimento das obrigações assumidas. Assevera afrontados os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção à confiança, do ato jurídico perfeito, do devido processo legal e da moralidade, pois "as normas aqui impugnadas, do dia para noite, alteraram política estadual, adotada pelo Governo anterior, implementada por lei, mediante contrapartidas, para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica no Estado de Goiás". Discorre sobre o princípio da segurança jurídica e ressalta ser "elementar que, da eventual circunstância de a atual Administração Pública do Estado não concordar politicamente com os termos dos acordos em que o processo de privatização se desenvolveu, bem como com a política pública adotada no mandato passado, não se segue que possa optar singelamente por conceber nova lei que extinga o que já se lhe havia tornado juridicamente vinculante, independentemente de quem seja o administrador à sua frente". Ressalta que"não pode haver exemplo mais perfeito, pronto para ilustrar luminosamente o que significa violar o ato jurídico perfeito [e o direito adquirido], em afronta à garantia constitucional do art. 5º, XXXVI, do Texto Magno, do que os das Leis do Estado de Goiás nºs. 20.416/19 e 20.468/19", não somente por terem superado o quadro normativo vigente quando da compra da Celg-D pela iniciativa privada, mas também pela negativa do direito de ressarcimento de dívidas com origem no período de 2012 a 2015 e dos débitos resultantes de processos com ineficiente atuação dos antigos advogados da Celg-D, além da criação de outro requisito para ressarcimento de débitos consistentes em obrigação subsidiária, consubstanciado na exigência de esgotamento de todos os meios com o devedor principal (inc. III do art. 1º da Lei n. 17.555, com a alteração da Lei n. 20.416/2019). Aponta a imposição de adesão à política de investimentos no setor de distribuição de energia elétrica para fruição do benefício do crédito outorgado previsto na Lei n. 19.473/2016 (art. 3º), indicando não se tratar de liberalidade do poder público, mas de "incentivo fiscal para viabilizar a privatização da companhia estatal de distribuição de energia, passando a compor a política de investimentos no serviço público prestado". Realça o investimento de mais de um bilhão e meio de reais no serviço de distribuição de energia elétrica, realizado pela ENEL nos anos de 2017 e 2018 como contrapartida à política pública instituída pela Lei n. 19.473/2016. Cita precedentes deste Supremo Tribunal para comprovar a alegada afronta ao princípio constitucional do direito adquirido e a incidência, na espécie, do enunciado da Súmula n. 544, pela qual "isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas". Para reforçar sua tese de higidez constitucional das normas previstas no Fundo de Aporte à Celg-D – Funac transcreve trechos das manifestações apresentadas pelo Advogado-Geral da União e pela Assembleia Legislativa de Goiás na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.640/GO, cujo objeto era a Lei goiana n. 17.222/2012 e que teve a medida cautelar indeferida por decisão monocrática do Relator, Ministro Gilmar Mendes, em 2.2.2017 (DJe 6.2.2017). 6. A autora requer a suspensão cautelar das leis de Goiás ns. 20.416/2019 e 20.468/2019 e pede a declaração de inconstitucionalidade desses diplomas legais. 7. Em 21.11.2019, adotei o rito do art. 10 da Lei n. 9.868/1999. 8. Nas informações prestadas em 9.12.2019 (Petição n. 77.835), a Assembleia Legislativa de Goiás suscitou preliminar de ilegitimidade ativa ad causam da autora, por não se caracterizar como entidade representativa de âmbito nacional ou não ter deixado de comprovar essa condição. Sustenta ausência dos requisitos necessários ao deferimento da medida cautelar e ressalta "que o objeto de discussão desta ADI não ostenta relevância constitucional, porque encerra basicamente uma questão que se limita à seara administrativa" (e-doc. 25), pelo exercício da denominada teoria do fato do príncipe. Assevera que, "se o Estado de Goiás, na sua função legislativa, porventura ocasionou prejuízos à prestadora de serviços de energia elétrica, então a saída que o ordenamento jurídico nacional oferece a esta é a busca do reequilíbrio contratual, ou, então, desde que provados tais prejuízos, que ela busque reparação civil, mediante a interposição de ação de indenização. O que não se pode conceber é que a assinatura de um contrato administrativo tenha o condão de limitar ou impedir que a Administra Pública continue a realizar seu mister, seja de que natureza for, mesmo que essa atuação acabe por trazer consequências não previstas quando da entabulação do contrato" . Alega que "a impossibilidade de revogação de benefício fiscal a título oneroso só diz respeito à isenção, segundo o artigo 178, do Código Tributário Nacional", tendo-se, na espécie, norma de exclusão do crédito tributário outorgado, pelo que inaplicável a Súmula n. 544 deste Supremo Tribunal à espécie. Apresenta dados da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL com o objetivo de demonstrar piora na prestação do fornecimento de energia elétrica em Goiás a partir da atuação da ENEL S/A no lugar da Celg-D, a qual teria ficado em último lugar no comparativo entre as distribuidoras de energia elétrica, considerada a continuidade do serviço no ano de 2018. Argumenta que "Todas essas tabelas, estatísticas, notícias, enfim, todos esses dados, são úteis e necessários para demonstrar que é (a) discutível que a empresa tenha mesmo investido a quantia ventilada na petição inicial e, principalmente, (b) que ela vulnerou o contrato de concessão, em claro desprestígio ao pacta sunt servanda, e por sua vez, também o princípio da confiança, já que a avença firmada pressupunha expertise e capacidade da ENEL em fornecer a contento energia elétrica à população de Goiás, apesar dos vastos recursos financeiros que tem em mãos providos pelo próprio Estado de Goiás, mediante uma generosa política de benefícios fiscais". Pede que a ação não seja conhecida e, se conhecida, seja julgada improcedente. 9. O Governador de Goiás alega impropriedade da via eleita, pela circunstância de a autora utilizar-se de ação de controle abstrato de constitucionalidade "para a defesa de interesse individual de uma de suas associadas, a ENEL Brasil S/A, com o objetivo de fazer prevalecer o que considera ser a interpretação adequada de cláusulas de contrato celebrado por aquela companhia e que lhe confeririam direitos subjetivos pretensamente violados em razão da edição de diplomas impugnados" (e-doc. 28). Noticia a tramitação, no Tribunal de Justiça de Goiás, de mandado de segurança no qual postos os mesmos fatos e fundamentos jurídicos, impetrado pela ENEL e pela Celg-D sob o patrocínio do mesmo escritório de advocacia atuante na presente ação de controle abstrato (Mandado de Segurança n. XXXXX.72.2019.8.09.0000). Assinala que o ajuizamento desta ação direta de inconstitucionalidade "busca obter no controle concentrado e abstrato aquilo que não conseguiu na via mandamental". Suscita "questão política subjacente ao debate judicial", o que seria comprovado pela instalação, na Assembleia Legislativa de Goiás, de comissão parlamentar de inquérito "para apurar as circunstâncias da privatização da CELG D e a (má) qualidade do serviço de distribuição de energia elétrica desde então prestado sob a gestão da ENEL". 10. Argumenta que a alteração do termo final dos fatos geradores das obrigações a serem assumidas por Goiás, realizada pela Lei n. 20.416/2019, corresponderia à mudança na "data em que houve a transferência das ações para a Eletrobrás (27/01/2015) para a data em que a Eletrobrás passou a participar efetivamente da gestão da CELG-D (24/04/2012)", o que teria ocorrido a partir de acordo de gestão da Celg-D, no qual se tem: "ACORDO DE ACIONISTAS DA CELGPAR: significa o acordo de acionistas a ser celebrado entre a ELETROBRAS e o ESTADO, com a finalidade de implementar uma nova administração da CELG D, segundo as diretrizes e regras de administração e governança fixadas neste ACORDO e pela ELETROBRAS e que vigorará até o dia 31 de dezembro de 2013, ou até a data em que a ELETROBRAS deixar de ser acionista da CELGPAR, ou até a data da efetiva aquisição, pela ELETROBRAS, de 51% (cinquenta e um por cento) das ações ordinárias nominativas com direito a voto da CELG D, o que ocorrer primeiro" . Assevera "não faz[er] sentido que o Estado de Goiás siga na condição de responsável pelos débitos relativos a um período em que a gestão da CELG-D era compartilhada com a Eletrobras, tendo a estatal da União evidente protagonismo no processo decisório [e] a transferência das ações tenha ocorrido apenas em 2015, desde 2012 a Eletrobras efetivamente geria a concessionária" . Quanto às exigências de esgotamento dos meios de ressarcimento do devedor principal em caso de obrigação subsidiária e de verificação da boa atuação da defesa da Celg-D, alega que "as alterações dos incisos II e III do art. 1º da Lei n. 17.555/2012 promovidas pela Lei n. 20.416/2019 tencionaram simplesmente reafirmar as condições de ressarcimento do FUNAC/Estado de Goiás à CELG D, compatibilizando a redação legal com os princípios da administração pública (art. 37, da CR) e com as tratativas realizadas originalmente [Cláusula Terceira, item 3.1.2., al. d, do Termo de Cooperação assinado em 24.4.2012, i]mpedi[ndo-se], assim, que o Estado de Goiás fosse responsabilizado por defesas negligentes que só podem ser imputadas à própria companhia". Menciona o dever do Estado de ressarcimento das obrigações constituídas até 24.4.2012, sob pena de"chegar ao absurdo de tornar o Estado de Goiás responsável por dívidas originadas desde 1956, ano em que foi criada a companhia". Argumenta que a assunção de obrigações indeterminadas pelo Estado, adimplidas com o produto da arrecadação de impostos, configura afronta aos incs. I, II e IV do art. 167 da Constituição da Republica e dos arts. 16, 30, 31 e 32 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ressalta que a "eventual declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 20.416/2019, dessa forma, além de materializar uma clara injustiça com o Estado de Goiás e os seus habitantes, já bastante penalizados em razão de anos e anos de má gestão da sua companhia elétrica e das condições impostas para a sua privatização, restabeleceria, em razão do seu efeito repristinatório, a vigência de uma legislação que afronta diversos dispositivos da Constituição da Republica e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso para não falar do enorme prejuízo financeiro". Quanto à revogação da Lei n. 19.473/2016, efetivada pela Lei n. 20.468/2019, assevera a ausência de contrapartida da ENEL no crédito outorgado de ICMS, pelo que não se teria operado criação de direito adquirido na espécie. Realça não ter sido previsto no Convênio ICMS n. 85/2004, com a redação do Convênio n. 96/2016, o benefício fixado na lei goiana revogada, pelo que a ausência de autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz para Goiás "conceder crédito presumido do ICMS à Celg D ou à ENEL para a quitação de obrigações decorrentes do passivo contingente da companhia elétrica goiana" resultaria em ofensa à al. g do inc. XIIdo § 2º do art. 155 da Constituição da Republica. Enfatiza o poder estatal de revogação de suas próprias leis e argumenta que, "ainda que se pudesse cogitar da existência de direito adquirido violado em razão da extinção do benefício determinada em lei revogadora, a tutela reparatória desse direito haveria sempre de ser matéria para a jurisdição ordinária, nunca para o controle concentrado de constitucionalidade". Pleiteia a extinção da ação, sem resolução de mérito, ou o indeferimento da medida cautelar. 11. A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo não conhecimento da ação, pela impossibilidade de sua utilização para "tutela de situações individuais afetadas por leis de efeitos concretos", e, quanto à suspensão cautelar dos efeitos das leis impugnadas, pela procedência parcial do pedido (e-doc. 32), pela plausibilidade do argumento de ofensa ao direito adquirido, decorrente da alteração dos critérios e posterior revogação da outorga de crédito de ICMS. 12. Pela Petição/STF n. 13.402, de 12.3.2020, a autora sustenta ter legitimidade ativa ad causam e reitera o requerimento de medida cautelar, com indicação de matéria jornalística do último dia de fevereiro, intitulada "Distribuidora registra R$ 100 milhões negativos em 2019 e tem impacto no lucro líquido de R$ 288 milhões por conta de mudança realizada em lei estadual relativa ao Funac" (e-doc. 34). 13. Em 25.5.2020, o Procurador-Geral da República juntou parecer, opinando pelo não-conhecimento da ação e, se conhecida, pelo indeferimento da tutela cautelar (edoc. 36). Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 14. Como relatado, Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – Abradee ajuizou a presente ação direta contra a Lei goiana n. 20.416, de 5.2.2019, pela qual alterada a Lei estadual n. 17.257/2011, e a Lei goiana n. 20.468, de 25.4.2019, pela qual revogada a Lei n. 19.473/2016, instituidora da política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica no Estado. A autora alega que as leis impugnadas caracterizariam ofensa a ato jurídico perfeito e direito adquirido da concessionária distribuidora de energia elétrica (inc. XXXVI do art. da Constituição da Republica) e afronta à boa-fé da Administração Pública e ao princípio constitucional da moralidade administrativa (caput do art. 37). 15. Em ações diretas de inconstitucionalidade de minha relatoria, tenho assentado que a interpretação da norma pela qual se prevê o acesso das entidades representativas no exercício do controle abstrato de constitucionalidade deve ser ampliada, e não restringida, desde que atuem na defesa de interesses que atendem a seus legítimos objetivos institucionais. Confiram-se, por exemplo: Segundos Embargos de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.336, Plenário, DJe 17.5.2007; Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.633, Plenário, DJe 29.11.2007; e Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.905, Plenário, DJe 9.5.2011, esta última proposta pela associação autora da presente ação. 16. O exame do estatuto da autora demonstra que seu quadro social é "constituído por empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica" (fl. 3, e-doc. 2) sendo sua finalidade institucional a "representação judicial ou extrajudicial de seus associados, para a defesa de seus interesses" (fl. 3). Verifica-se, portanto, que a autora representa e congrega "47 concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica em todas as regiões do país, e que juntas atendem mais de 99,6% dos consumidores brasileiros" (fl. 5, e-doc. 1). Este Supremo Tribunal assentou a legitimidade da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – Abradee para a propositura de ações de controle abstrato de constitucionalidade. Confiram-se, por exemplo, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.610/BA, Relator o Ministro Luiz Fux, Plenário, DJe 19.11.2019; Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.961/PR, Relator para o acórdão o Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJe 25.6.2019; e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 452/SC, de minha relatoria, DJe 14.5.2020. É de se anotar também que a Abradee é autora de outras ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal: ADI n. 3.798/SC, Relatora a Ministra Rosa Weber; ADI n. 3.703/RJ, Relator o Ministro Edson Fachin; ADI n. 3.763/RS, de minha relatoria; ADI n. 3.824/MS, Relator o Ministro Celso de Mello; ADI n. 4.914/AM, Relator o Ministro Marco Aurélio; ADI n. 6.410/RO, Relator o Ministro Celso de Mello; ADI n. 6.406/PR, Relator o Ministro Marco Aurélio; ADI n. 6.405/SC, Relator o Ministro Celso de Mello; ADI n. 6.376/RJ, Relator o Ministro Luiz Fux; ADI n. 6.190/RR e ADI n. 6.432/RR, de minha relatoria. 17. Em todas aquelas ações de controle abstrato a autora apresentou questionamento quanto à competência legislativa do ente federado para editar o ato normativo objeto de impugnação, legitimando-se a autora pela defesa do interesse de suas associadas na observância aos limites constitucionalmente estabelecidos na produção legislativa sobre energia elétrica. Evidencia-se, naqueles processos, a) a defesa de interesse genérico e objetivo, não específico ou subjetivo; b) a posição da associação legitimada como colaboradora do exercício do controle abstrato de constitucionalidade. Neles, o interesse precípuo e legítimo é a defesa da ordem constitucional contra atos normativos dotados de generalidade, impessoalidade e abstração e cuja manutenção poderia autorizar ou manter providências legislativas que poderiam vir a ser reproduzidas com igual vício em outros entes federados. Esses comportamentos fragilizariam o sistema constitucional federativo não podendo, por isso, prevalecer. Neles não se estampava interesses subjetivos subliminares a serem buscados em afronta ao sistema constitucional ou para solucionar situações específicas por via indireta e ilegítima em atalho a este Supremo Tribunal por instrumento processual incabível para resguardo de interesse particular. 18. Na espécie, contudo, a autora argumenta que "a ABRADEE busca nada mais do que a defesa dos interesses das empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica, diante da inegável insegurança jurídica criada pelo ESTADO DE GOIÁS ao promulgar as nefastas Leis ns. 20.416/19 e 20.468/19 e, consequentemente, alterar unilateralmente política estadual para manutenção, melhoria e ampliação da distribuição de energia elétrica no Estado, bem como as condições determinantes previstas no contrato de privatização da CELG D, em detrimento à forçosa conservação do ato jurídico perfeito" (e-doc. 34). 19. O estudo do processo demonstra intento diverso. Eventual chancela pelo Poder Judiciário do que realizado pela legislação impugnada não resultaria em risco de repetição do comportamento estatal pelos demais entes federados, consideradas as particularidades da causa, como o contexto local existente no processo de desestatização da empresa de distribuição de energia elétrica goiana. A configuração de situação de insegurança jurídica causadora de abalo na confiança das associadas da autora pressuporia a possibilidade de verificar as ofensas aventadas unicamente dos comandos advindos das leis goianas e de sua aplicação no caso específico, prescindindo-se de interpretação sobre as cláusulas contratuais estabelecidas quando da aquisição da Celg-D pela Eletrobrás, em 27.1.2015, e da compra e venda das ações daquela empresa pela ENEL Brasil S/A, vencedora do leilão. Não é o que se tem na espécie, como se depreende dos argumentos desenvolvidos pela autora na peça inicial. No exame da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.372/RJ, o Ministro Celso de Mello assentou que a "inconstitucionalidade deve transparecer, diretamente, do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor supõe, sempre, para efeito de controle normativo abstrato, a necessária ocorrência de colisão frontal, direta e imediata do ato revestido de menor positividade jurídica com o texto da própria Constituição da República" (decisão monocrática, DJ 17.11.1995). 20. Diferente do sustentado na inicial, o alegado impacto negativo dos atos questionados no direito subjetivo dos associados não está demonstrado de forma a legitimar a atuação judicial da requerente, por ser inquestionável o intuito da autora de, ao agir em sede de fiscalização abstrata, buscar tutela jurisdicional para a preservação de direitos e interesses concretos da empresa cuja situação individual teria sido afetada pelos diplomas legislativos impugnados. As atividades econômicas desenvolvidas pelos associados da autora não são afetadas de forma direta pelos atos impugnados nos termos afirmados em suas finalidades estatutárias. A incidência das normas impugnadas configuraria apenas, se fosse o caso, precedente com efeitos mediatos no espaço de expectativa das associadas da autora, sem significar contrariedade a direitos ou a livre exercício da atividade própria desse setor econômico. O vínculo mediato e indireto não satisfaz o requisito da pertinência temática e finalística, pelo qual se legitimaria a autora à propositura da presente ação direta. 21. A inviabilidade da ação direta de inconstitucionalidade para discutir-se situação particular da empresa prestadora de serviço público, resultante do processo de desestatização, foi afirmada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.863, na qual questionada a higidez constitucional de dispositivo pelo qual mantidas as concessões, permissões e autorizações detidas pela empresa do setor de telecomunicações alienada ( parágrafo único do art. 191 da Lei n. 9.472/1997). O Ministro Eros Grau, Relator da ação, assentou: "O leilão de ações ou quotas poderia, sim, implicar a transferência da concessão, permissão ou mera delegação de serviço público à empresa privada. O leilão, modalidade de licitação, arrasta consigo essa transferência. A circunstância de as empresas privatizadas não terem celebrado com a União contratos de concessão, visto serem simplesmente delegadas – e não concessionárias – de serviço público escapa, como observei em trabalho de doutrina, ao âmbito de indagação na presente ADI. Se a empresa privatizada não detinha concessão, nada foi a ela transferido além de simples delegação do serviço, sem as características de regime peculiar, contratual. Isso tendo efetivamente ocorrido, a questão há de ser resolvida por outra via, que não a da ação direta de inconstitucionalidade" (Plenário, DJe 14.8.2008 – grifos nossos). Partilhando do entendimento exposto pelo Relator, afirmei: "Também eu, Senhor Presidente, acompanho o eminente Relator, enfatizando o que consta ao final do voto do Ministro Eros Grau. Ou seja, qualquer relação contratual decorrente da relação com a nova entidade, que agora é uma entidade privada, resolver-se-á em outro campo que não o da ação direta de inconstitucionalidade. Essa ênfase foi dada pelo Ministro, ressalvando qualquer possibilidade de ser compatível com essa ação direta". 22. Pela natureza objetiva de que se reveste o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, nele não se discutem situações individualizadas e específicas nem é sua finalidade permitir o aproveitamento subjetivo, para beneficiar pessoa especificada, de instrumento especialíssimo posto no sistema para garantia da higidez constitucional. Especialmente quanto às ações de controle abstrato de normas, nas quais o ajuizamento da ação direta é motivado, em caráter preponderante, por determinadas situações concretas identificáveis, como na espécie vertente, não se tem por admissível o uso desta via constitucional nobre. Assim, por exemplo, os seguintes precedentes: Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.254/RJ, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 19.9.1997; Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.422/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJe 29.10.2012; e Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.170/DF, Relatora a Ministra Rosa Weber, Plenário, DJe 6.11.2019. 23. As informações prestadas pela Assembleia Legislativa e pelo Governador de Goiás, no sentido de as alterações promovidas pelas leis impugnadas buscarem o ajustamento das responsabilidades fixadas nos contratos elaborados no processo de privatização da empresa de distribuição de energia elétrica no Goiás, demonstram a imprescindibilidade no enfrentamento de questões restritas aos negócios pactuados entre os atores atuantes na desestatização, para se concluir, na situação concreta, a manutenção ou não do equilíbrio econômico-financeiro das avenças ajustadas e suas consequências. A controvérsia trazida na espécie distingue-se, portanto, do que posto em outras ações de controle abstrato de constitucionalidade, nas quais o desequilíbrio nos contratos de concessão resultava da atuação de ente federado no espaço de competência legislativa de outro membro da federação, sendo exemplos leis estaduais pelas quais isentados determinados veículos do pagamento de pedágio em rodovias federais ( ADI n. 4.382/SC, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, Plenário, DJe 29.10.2018); vedada a cobrança de tarifa de assinatura básica de telefonia fixa e móvel ( ADI n. 4.477/BA, Relatora a Ministra Rosa Weber, Plenário, DJe 30.5.2017); determinada às empresas operadoras do serviço móvel pessoal a instalação de bloqueadores de sinais de radiocomunicações nos estabelecimentos prisionais ( ADI n. 4.861/SC, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJe 3.8.2016, e ADI n. 5.356/MS, Redator para acórdão o Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJe 3.8.2016); e obrigada a remoção gratuita de postes de sustentação da rede elétrica em proveito de conveniências pessoais dos proprietários de terrenos ( ADI n. 4.925/SP, Relator o Ministro Teori Zavascki, Plenário, DJe 9.3.2015). 24. Em ação direta de inconstitucionalidade na qual se impugnou lei estadual pela qual autorizada modificação no edital de venda do banco estatal do Maranhão, o Ministro Celso de Mello, Relator, concluiu, ao não conhecer da ação de controle abstrato: "Torna-se importante enfatizar que situações concretas ou individuais mostram-se completamente estranhas ao âmbito do controle normativo abstrato. A razão de ser desse entendimento – adverte o magistério da doutrina (OSWALDO LUIZ PALU," Controle de Constitucionalidade ", p. 192/193, item n. 9.9.1, 2ª ed., 2001, RT; ZENO VELOSO," Controle Jurisdicional de Constitucionalidade ", p. 89, item n. 109, 3ª ed./2ª tir., 2003, Cejup; ALEXANDRE DE MORAES," Direito Constitucional ", p. 755/756, item n. 9.2, 27ª ed., 2011, Atlas, v.g.) – repousa na circunstância de o processo de fiscalização normativa abstrata qualificar-se como processo de caráter objetivo (RTJ 113/22 – RTJ 131/1001 – RTJ 136/467 – RTJ 164/506-507, v.g.). Cumpre insistir, bem por isso, neste ponto, que o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade não permite que, em seu âmbito, discutam-se interesses individuais nem se examinem situações concretas. Cabe relembrar, por oportuno, que o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade – por revestir-se de caráter objetivo – destina-se a viabilizar ‘o julgamento não de uma relação jurídica concreta, mas de validade de lei em tese (...)’ (RTJ 95/999, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei). A importância de qualificar-se o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo – vocacionado, como precedentemente enfatizado, à proteção ‘in abstracto’ da ordem constitucional – impede, por isso mesmo, a apreciação de qualquer pleito que vise a resguardar situações de expressão concreta ou de interesses de caráter individual. Isso significa, portanto, que, em face da natureza objetiva de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, nele não se discutem situações concretas (RTJ 170/801-802, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que inadmissível proceder-se à ‘defesa de direito subjetivo’ (Min. CÉLIO BORJA, ‘in’ ADI XXXXX/DF – RTJ 140/36-42) ou à consideração de interesses concretos em sede de controle normativo abstrato: ‘CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE – PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO – IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DE SITUAÇÕES INDIVIDUAIS E CONCRETAS. – O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado exclusivamente à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da Republica. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade ( CPC, art. ).’ (RTJ 164/506-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)" ( Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.661, decisão monocrática, DJe 16.3.2017). Na esteira daquela jurisprudência se pode concluir que haveria desvio de finalidade processual se se pudesse substituir a busca de solução de questão subjetiva por instrumento de controle objetivo e abstrato. Desbordando da finalidade genérica e de manutenção da higidez do sistema constitucional – quebrantado ou posto em risco quando qualquer de suas normas é afrontada e questionada em sua abstração -, o aproveitamento de ação de controle conduziria a uma desigualação processual de inegável gravidade. Quer-se dizer: aquele que contasse com contatos com entidades legitimadas para ajuizar tais ações e pudesse contar com profissionais da advocacia que atuasse, às vezes mesmo na dupla condição de advogados dos interessados e de procurador da entidade autora da ação de controle abstrato teria vias preferenciais e exclusivas, enquanto outros particulares que não dispusessem de iguais condições teriam o instrumental processual posto à disposição dos que querem acessar o Judiciário na busca de seus direitos, sem outros e distintos caminhos. Configura-se, então, desvio de finalidade processual. Os legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade, na forma do art. 103 da Constituição da Republica, têm de demonstrar, além da pertinência temática também a pertinência finalística que os legitima nos termos postos no ordenamento jurídico, fora do que se tem desvio inaceitável. Quanto ao caráter objetivo do processo de controle abstrato de constitucionalidade, Clemerson Merlin Clève leciona: "A finalidade da ação direta de inconstitucionalidade não é, propriamente, a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido lesado ou na iminência de sê-lo (o que pode ocorrer, não obstante, de modo indireto e reflexo). A ação direta de inconstitucionalidade presta-se, antes, para a defesa da Constituição. A coerência da ordem constitucional e não a tutela de situações subjetivas consubstancia a finalidade primeira (mas não exclusiva) da apontada ação" (A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 142-143). 25. No caso aqui examinado, foi posta em discussão situação jurídica particular e concreta, questionando-se os efeitos da atuação do Estado a partir de produção legislativa específica, como realçado pela Advocacia-Geral da União: "A pretexto de obter a declaração de inconstitucionalidade das normas estaduais indicadas, a autora investe, na verdade, contra eventuais efeitos negativos que essas leis teriam gerado sobre direitos de fruição do crédito outorgado de ICMS. Trata-se de hipótese clara de uso da técnica de controle concentrado para a tutela de interesses concretos e individualizados, de titularidade exclusiva da empresa concessionária (CELG-D), instrumentalização que não é contemplada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal. No particular, isso decorre da própria natureza concreta das leis impugnadas. A leitura das normas evidencia que os benefícios fiscais e o modelo de compensação nelas veiculado se destinam exclusivamente à referida empresa distribuidora de energia elétrica ou sua sucessora, caracterizando-se, assim, como atos de efeitos concretos. Nesse contexto, as Leis estaduais ns. 20.416/2019 e n. 20.468/2019, do Estado de Goiás não se enquadram no conceito de norma jurídica genérica e abstrata apta a fundamentar o cabimento de ação de controle abstrato de constitucionalidade" (edoc. 32). 26. No mesmo sentido, o parecer do Procurador-Geral da República. Confira-se, por exemplo: "O pedido formulado na ação direta não constitui controvérsia propriamente constitucional apta a ser objeto de fiscalização abstrata pelo Supremo Tribunal Federal. A contextualização da pretensão de tutela objetiva revela, em análise perfunctória típica do exame cautelar, cuidar-se de exame de cumprimento de contrato e de observância a direitos de índole patrimonial nele consignados. Eventuais efeitos das mudanças legislativas questionadas sobre o equilíbrio econômico-financeiro da concessão de distribuição, igualmente, poderão ser equacionados nas esferas ordinárias de jurisdição e, ainda, no âmbito administrativo regulatório, razões por que não se vislumbra guarida, em controle concentrado, à pretensão de direito adquirido. A breve contextualização da controvérsia abaliza tal conclusão de não conhecimento. […] Quanto à possibilidade de conhecimento da impugnação à Lei Estadual 20.416, de 5.2.2019, verifica-se que a impugnação busca examinar, à conta de suposto direito adquirido, a legitimidade da alteração dos contornos objetivos da disciplina original do FUNAC, o que revela preocupação de índole patrimonial, estranha ao exame objetivo e abstrato da ordem constitucional. Quanto à possibilidade de conhecimento da impugnação à Lei Estadual 20.468/2019, eventual suspensão de efeitos da lei revogadora da Lei 19.473/2016 atenderá tão só a CELG D. Denota-se que a companhia é destinatária única do controle objetivo pretendido. Para ambas as leis examinadas, em razão da individualização a priori dos efeitos do conjunto normativo estadual impugnado, torna-se inviável o conhecimento da presente ação, em linha com a jurisprudência do STF, segundo a qual ‘a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos’ ( ADI 2.137, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 12.5.2000). Ademais, os debates sobre o modo de satisfação de créditos outorgados de ICMS, a respeito da higidez da garantia do adimplemento de dívidas da companhia estadual privatizada e, ainda, quanto à divisão de responsabilidade entre os agentes que participaram dos processos de federalização da companhia e contratação, caso demandem análise de índole constitucional, haverão de ter lugar na via do controle difuso. As informações prestadas pelo Governo do Estado de Goiás, segundo as quais tais questões já são coisa litigiosa em instâncias judiciais ordinárias, fortalecem esse entendimento, ainda mais quando se leva em conta que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o processo objetivo de constitucionalidade não se presta a solucionar situações jurídicas concretas ou individuais" (edoc. 36 – grifos nossos). 27. Pelo exposto, não conheço da presente ação direta de inconstitucionalidade (§ 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 25 de maio de 2020. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora
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