25 de Maio de 2024
- 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Goiás TJ-GO: XXXXX-17.2019.8.09.0007
Publicado por Tribunal de Justiça de Goiás
Detalhes
Processo
Órgão Julgador
4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais
Publicação
Relator
DIORAN JACOBINA RODRIGUES
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Ementa
EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO POR PARTE DO MOTORISTA DE APLICATIVO DE TRANSPORTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CADEIA DE CONSUMO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Sendo a 99 Tecnologia Ltda. uma empresa de tecnologia responsável pela intermediação de passageiros e motoristas, não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam. Isso porque a empresa recorrente aufere lucro com o contrato de transporte firmado entre passageiro e motorista e, portanto, integra a chamada cadeia de consumo. Inclusive, o STJ vem decidindo que todos aqueles que participam da introdução do produto ou serviço no mercado respondem solidariamente por eventual defeito ou vício, isto é, toda a cadeia de fornecimento é responsável pela garantia e adequação dos serviços/produtos colocados no mercado.
1 2. A propósito, em mais de uma oportunidade, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás optou por afastar a tese de ilegitimidade passiva levantada pela empresa Uber, sob o argumento de que o aplicativo de transporte participa concretamente da cadeia de consumo, já que disponibiliza sua plataforma digital para transportar o passageiro ao destino solicitado. Assim sendo, entende-se que a responsabilidade, nesses casos, é solidária, com base no art. 7º, parágrafo único e 34, ambos do CDC.
2 3. Pois bem. Em análise detida dos autos, constata-se que andou bem a juíza de primeiro grau ao acolher a tese autoral, pois, de fato, o requerente foi vítima de fala discriminatória e preconceituosa por parte do motorista do aplicativo recorrente.
4. Como é de curial sabença, o dever de indenizar pressupõe a confluência de três requisitos: a prática de uma conduta antijurídica, comissiva ou omissiva, a existência de um dano e o nexo de causalidade entre esses dois primeiros elementos (arts. 186 e 927 do Código Civil).
5. No caso em análise, por se tratar de relação de consumo, a responsabilidade é de natureza objetiva, o que torna dispensável a presença do elemento culpa, somente exigível quando a responsabilidade for subjetiva.
6. Sem qualquer justificativa plausível, em conversa com o autor/passageiro, o motorista do aplicativo afirmou que ?tá me cheirando bem não? e ?C vai me roubar?, o que indubitavelmente configura ato ilícito passível de indenização.
7. A propósito, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é ?promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação? (art. 3o, inciso IV, Constituição Federal), de modo que cabe ao Estado-juiz coibir qualquer tipo de prática discriminatória.
8. Comprovada a conduta antijurídica, importa ressaltar que os danos morais também restaram devidamente demonstrados, pois o teor dos comentários feitos pelo motorista é extremamente ofensivo. Conforme narrado na inicial, o autor se autodeclara um jovem negro. A propósito, para a doutora em antropologia e professora da UFG, Luciene Dias, a promoção do autorreconhecimento é um dos passos para o enfrentamento do racismo. Segundo ela, ?Afirmar-se e identificar-se em um país tão racista como o Brasil é tão importante que se apresenta para nós como ato antirracista. Nos reconhecer é o primeiro passo para que possamos nos autodeclarar negros e negras. E o autorreconhecimento é um processo extremamente complexo para a população negra brasileira, pois a nossa identidade foi construída a partir da negação.?3 Nessas condições, o fato de o motorista do aplicativo ter se negado a transportar o autor, dizendo que ele iria roubá-lo, aliado ao fato de que o requerente se identifica como negro, demonstra a gravidade da conduta danosa e justifica a fixação do valor indenizatório em R$ 10.000,00, razão pela qual a sentença deve ser mantida incólume.