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6 de Junho de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais
há 8 meses

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

6ª CÂMARA CÍVEL

Publicação

Julgamento

Relator

Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-MG_AC_50878859120198130024_031b3.pdf
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Inteiro Teor

Número do XXXXX-0/004 Númeração XXXXX-

Relator: Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes

Relator do Acordão: Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes

Data do Julgamento: 26/09/2023

Data da Publicação: 28/09/2023

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REPRESENTAÇÃO - INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO FAMILIAR DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE - ACOLHIMENTO DE MENORES - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E REGRAS ESTABELECIDOS PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CABIMENTO - PRIMAZIA DO MELHOR INTERESSE MENORISTA. Demanda que versa sobre instituição que promove o acolhimento de menores e de suas famílias em situação de vulnerabilidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente não restringe a sua atuação às hipóteses em que os menores institucionalmente acolhidos estejam afastados do convívio familiar, priorizando, por outro lado, a manutenção dos vínculos familiares como princípio a ser adotado pelas entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar, estabelecendo uma série de garantias que devem ser observadas em prol da efetivação dos direitos individuais e indisponíveis da criança e do adolescente. Nesse contexto, é forçoso concluir pela aplicabilidade dos princípios e regramentos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente à espécie, de forma a atender os fins sociais a que se dirige, porquanto a instituição fiscalizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais abriga, em suas dependências, menores em situação de vulnerabilidade, cujos direitos individuais e indisponíveis devem ser garantidos com absoluta prioridade.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.078855-0/004 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE (S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO (A)(S): CARITAS BRASILEIRA REGIONAL MINAS GERAIS, M.B.H.

ACÓRDÃO

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 6a CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. EDILSON OLÍMPIO FERNANDES

RELATOR

DES. EDILSON OLÍMPIO FERNANDES (RELATOR)

VOTO

Trata-se de recurso interposto contra a sentença proferida nos autos da Representação instaurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS em desfavor do MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE e OUTRO, que julgou extinto o processo, nos termos do artigo 485, VI, do Código de Processo Civil (documento n. 366).

O apelante sustenta que os serviços de acolhimento institucional integram a Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social. Afirma que o Abrigo Granja de Freitas está tipificado pela Resolução n. 109/2009 do CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social em Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias. Salienta que o referido abrigo, mesmo sem afetação ao poder familiar, presta serviço de atendimento às crianças e adolescentes acolhidos na entidade, devendo, portanto, serem observadas as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Alega que o ECA, em seu artigo 95, confere ao Ministério Público a atribuição de fiscalizar as entidades governamentais e não governamentais que prestam atendimento a crianças e adolescentes. Aduz que este egrégio Tribunal de Justiça já decidiu pela aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente na hipótese em exame. Ressalta que as crianças e adolescentes estão em situação de risco em virtude da omissão e negligência dos apelados. Pontua, quanto à comprovação de que a situação de risco permanece, que foi pleiteada a produção de provas para tanto, contudo, antes que fossem realizadas as provas testemunhal e pericial, o Juízo de origem extinguiu o processo prematuramente. Pugna pelo provimento do recurso (documento n. 370).

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuidam os autos de representação instaurada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ora apelante, visando à interdição do Abrigo Granja de Freitas para acolhimento de crianças e adolescentes, nos termos do artigo 97, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto não regularizadas todas as pendências apuradas, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes ou prepostos, procedendo-se, ainda, à realização de assembleia geral para devolução da entidade a seu corpo associativo, observado o impedimento dos atuais dirigentes (documento n. 01).

Após a apresentação de contestação pelos réus e manifestação das partes especificando as provas a serem produzidas, o digno Juiz da causa determinou a intimação do autor e dos requeridos "para que se manifestem sobre o regime jurídico aplicável ao Abrigo Granja de Freitas, uma vez que esta definição pode afetar o interesse jurídico na ação" (documento n. 354).

Em atenção ao referido despacho, o autor se manifestou alegando, em síntese, que o abrigo em comento é tipificado pela Resolução n. 109/2009 do CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social em Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias e, conquanto não promova a afetação do poder familiar, presta serviço de atendimento

às crianças e adolescentes acolhidos na entidade, o que atrai a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente à espécie (documento n. 358).

Por sua vez, o Município de Belo Horizonte asseverou que o Abrigo Granja de Freitas destina-se ao acolhimento de famílias de adultos e crianças em situação de risco e vulnerabilidade social, e não ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes abandonados ou afastados do convívio familiar, não havendo transferência do poder familiar ao dirigente da entidade, nos termos do artigo 92, § 1º do ECA, razão pela qual defende ser inaplicável à espécie a legislação menorista (documento n. 360).

Nesse contexto, o Magistrado de origem proferiu a sentença ora impugnada, sob os seguintes fundamentos:

Ao comparar os conceitos aqui em questão, forçoso admitir que o Abrigo Granja de Freitas tem suas próprias exigências. Como mencionado, o núcleo familiar poderá solicitar atendimento e somente terá acesso ao abrigo se houver a disponibilidade de vagas. Havendo vagas, a família realiza uma visita ao abrigo, ocasião que poderá optar se deseja o acolhimento ou não, ou seja, tem o poder de escolher se deseja o abrigamento. É fundamentalmente diverso do que ocorre quando há necessidade de acolhimento institucional da criança ou do adolescente. O acolhimento é determinação imposta legalmente e homologada pelo Juiz da Infância e Juventude ao identificar situação de risco. Ou seja, ocorre apenas em casos extremos em que fique claro a real necessidade dessa medida excepcional em virtude de expressa previsão legal.

O Abrigo Granja de Freitas é regido pela Lei nº 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Ao contrário da Lei 8.069/1990, o art. , inciso III, da Lei nº 8.742/1993, estabelece como princípio o respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade. Isso é, defende a autonomia e a convivência do núcleo familiar, enquanto o acolhimento como disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente é caso de exceção de afastamento do convívio familiar. No Granja de Freitas os vínculos familiares permanecem.

Além disso, não obstante a menção ao termo acolhimento familiar pelo Ministério Público, esclareço que acolhimento familiar é aquele que é executado por família acolhedora previamente cadastrada. Nessa modalidade, o infante ou adolescente, ante a necessidade de afastamento do lar, passa por período de adaptação para que possa ser reintegrado à família biológica ou encaminhado para a adoção. Mais uma vez, não se confunde com o Serviço Familiar que aqui se discute.

Não há dúvidas de que o abrigamento de crianças e de famílias é uma questão de extrema complexidade. O que não se admite é generalizar a configuração de situação de risco, sem que haja a comprovação atual de que os núcleos familiares a vivenciem. Ora, se há indícios de situação de risco, o fato deverá ser apurado em procedimento de Medidas de Proteção, e, caracterizada a situação de violação de direitos, ocasionará acolhimento institucional em Unidade de Acolhimento. Acolhimento que deverá ser avaliado caso a caso.

Ainda assim, a parte autora não apresentou garantias de que a remoção dos grupos familiares cessaria a suposta situação de risco/vulnerabilidade. Ao meu sentir, a certeza que se tem aqui é que as crianças e adolescentes residentes do Abrigo Granja de Freitas são atendidos por Política Pública Municipal, o que assegura ao núcleo familiar uma moradia e acompanhamento pela rede socioassistencial.

Configura-se desmotivada a intervenção do Judiciário da forma que a parte autora requer. A grande questão é que o Ministério Público busca com o presente feito comparar o Abrigo Granja de Freitas como sendo uma unidade de acolhimento institucional, o que, por lógica, transparece a ausência de pressuposto processual que ampare o prosseguimento do da presente ação. A pretensão não pode ser satisfeita, tendo em vista a impossibilidade da aplicação analógica do

Estatuto da Criança e do Adolescente para sanar as irregularidades apontadas.

Nessa ótica, o art. 90, parágrafo 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente menciona que as entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional somente poderão receber recursos públicos se comprovado o atendimento dos princípios, exigências e finalidades do Estatuto da Criança e Adolescente.

Todos os requerimentos de melhoria realizados pelo Ministério Público depende de recursos públicos do Município de Belo Horizonte e pressupõe que seja dado tratamento idêntico a duas modalidades de acolhimento que possuem regime jurídico indiscutivelmente distintos. Dado que o Abrigo Granja de Freitas não é uma Unidade de Acolhimento Institucional, não cabe apuração de qualquer irregularidade, motivo pelo qual o presente feito carece de interesse processual.

Segundo consta do Inquérito Civil juntado aos autos, o Município de Belo Horizonte e Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, ora apelados, celebraram Convênio de Cooperação Mútua para fins de "execução do Serviço de Acolhimento Institucional para famílias em situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social e/ou em situação de rua", devendo, para tanto, atuarem em consonância com o Plano de Trabalho por eles estabelecido (documento n. 03).

Constato, ainda, que tal convênio foi celebrado com vistas a empreender o abrigamento de 102 (cento e duas) famílias vulneráveis no Abrigo Granja de Freitas, tratando-se, pois, de local que presta serviço de acolhimento institucional na modalidade de abrigo institucional, sendo tipificado, de acordo com a Resolução n.

109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social, como Serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade (artigo 1º, III, 'a').

Conforme prevê o Anexo da mencionada resolução, que estabelece as diretrizes de atuação de cada modalidade de serviço de proteção social, os Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade que operam no acolhimento institucional devem prover ambiente acolhedor e estrutura física adequada para os protegidos, visando ao desenvolvimento de relações mais próximas do círculo familiar.

Especificamente em relação às crianças e adolescentes, a Resolução n. 109/2009 determina que:

Para crianças e adolescentes: Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes de ambos os sexos, inclusive crianças e adolescentes com deficiência, sob medida de proteção (Art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção. As unidades não devem distanciar-se excessivamente, do ponto de vista geográfico e sócio- econômico, da comunidade de origem das crianças e adolescentes atendidos.

Grupos de crianças e adolescentes com vínculos de parentesco - irmãos, primos etc. - devem ser atendidos na mesma unidade. O acolhimento será feito até que seja possível o retorno à família de origem (nuclear ou extensa) ou colocação em família substituta.

O serviço deverá ser organizado segundo princípios, diretrizes e orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente e das "Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes".

O serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes

pode ser desenvolvido nas seguintes modalidades:

1. Atendimento em unidade residencial onde uma pessoa ou casal trabalha como educador/cuidador residente, prestando cuidados a um grupo de até 10 crianças e/ou adolescentes.

2. Atendimento em unidade institucional semelhante a uma residência, destinada ao atendimento de grupos de até 20 crianças e/ou adolescentes. Nessa unidade é indicado que os educadores/cuidadores trabalhem em turnos fixos diários, a fim de garantir estabilidade das tarefas de rotina diárias, referência e previsibilidade no contato com as crianças e adolescentes. Poderá contar com espaço específico para acolhimento imediato e emergencial, com profissionais preparados para receber a criança/adolescente, em qualquer horário do dia ou da noite, enquanto se realiza um estudo diagnóstico detalhado de cada situação para os encaminhamentos necessários.

Lado outro, quanto ao acolhimento de adultos e famílias, a normativa direciona o atendimento para pessoas em situação de rua e desabrigo por abandono, migração e ausência de residência ou pessoas em trânsito e sem condições de autossustento, podendo ser desenvolvido nas seguintes modalidades:

1. Atendimento em unidade institucional semelhante a uma residência com o limite máximo de 50 (cinqüenta) pessoas por unidade e de 4 (quatro) pessoas por quarto.

2. Atendimento em unidade institucional de passagem para a oferta de acolhimento imediato e emergencial, com profissionais preparados para receber os usuários em qualquer horário do dia ou da noite, enquanto se realiza um estudo diagnóstico detalhado de cada situação para os encaminhamentos necessários.

Como se vê, os serviços de proteção social de alta complexidade que atuam no acolhimento institucional são direcionados tanto para famílias em situação de vulnerabilidade, quanto para crianças e adolescentes em cenário de risco pessoal e social, sendo a última hipótese regida pelas regras do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na hipótese em exame, da minuciosa análise do Inquérito Civil instaurado para apurar as supostas irregularidades no Abrigo Granja de Freitas, embora não seja possível precisar o número de crianças e adolescentes acolhidos, observo que estes se encontram abrigados junto às famílias em contexto de vulnerabilidade e, portanto, se submetem às condições precárias de manutenção da entidade.

Com a devida vênia, o fato de os menores, a princípio, não estarem afastados do convívio familiar não exime os réus da responsabilidade de zelar pela segurança e bem estar destes, tampouco tem o condão de afastar a aplicação da legislação de proteção aos direitos menoristas na espécie, os quais devem ser resguardados com absoluta prioridade.

A esse respeito, a Constituição da Republica estabelece que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Os artigos 203 e 204 da Constituição da Republica destacam a obrigação precípua do Poder Público para com a efetivação dos direitos supramencionados:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes.

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social.

Os dispositivos constitucionais supracitados impõem aos entes políticos a ultimação de prestações positivas, a começar pela adoção de políticas públicas que busquem a efetivação dos direitos individuais e indisponíveis da criança e do adolescente, de modo que possam ter condições dignas de vida, pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.

Com efeito, considerando que se encontram acolhidos nas dependências do Abrigo Granja de Freitas diversas crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser interpretado e aplicado de forma a atender os fins sociais a que se dirige, mediante a observância de que os menores são pessoas em desenvolvimento, aos quais deve ser assegurado tratamento especial (artigo , ECA).

Portanto, a presente demanda deve ser analisada também sob as regras da legislação de proteção ao menor, em obediência ao disposto no artigo 227 da Constituição da Republica e no ECA, que assim dispõe:

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

(...)

V - de programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental;

VI - de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem;

VII - de acesso às ações e serviços de saúde (destaquei).

Anoto que há uma premente necessidade de proteger o bem-estar da criança e do adolescente, cuja política social é passível de apreciação pela via judicial, sempre no intuito de tutelar os interesses daqueles que estão acobertados pela lei, dispondo, a respeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente que:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

(...)

Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de:

I - orientação e apoio sócio-familiar;

II - apoio sócio-educativo em meio aberto;

III - colocação familiar;

IV - acolhimento institucional;

V - prestação de serviços à comunidade;

VI - liberdade assistida;

VII - semiliberdade; e

VIII - internação.

§ 1 o As entidades governamentais e não governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária.

§ 2 o Os recursos destinados à implementação e manutenção dos programas relacionados neste artigo serão previstos nas dotações orçamentárias dos órgãos públicos encarregados das áreas de Educação, Saúde e Assistência Social, dentre outros, observando-se o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente preconizado pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo caput e parágrafo único do art. 4 o desta Lei.

§ 3 o Os programas em execução serão reavaliados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, no máximo, a cada 2 (dois) anos, constituindo-se critérios para renovação da autorização de funcionamento:

(...)

Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios:

I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar;

II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa;

III - atendimento personalizado e em pequenos grupos;

IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;

V - não desmembramento de grupos de irmãos;

VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;

VII - participação na vida da comunidade local;

VIII - preparação gradativa para o desligamento;

IX - participação de pessoas da comunidade no processo educativo.

Nota-se, pois, que o Estatuto da Criança e do Adolescente não restringe a sua atuação às hipóteses em que os menores institucionalmente acolhidos estejam afastados do convívio familiar. Pelo contrário, a citada legislação prioriza a manutenção dos vínculos familiares como princípio a ser adotado pelas entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar, estabelecendo uma série de garantias que devem ser observadas em prol da efetivação dos direitos individuais e indisponíveis da criança e do adolescente.

Cumpre salientar que a Lei n. 8.069/90 estabelece, ainda, que compete ao Ministério Público "inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas" (artigo 201, XI).

Em síntese, é forçoso concluir pela aplicabilidade dos princípios e regramentos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente à espécie, porquanto versa a demanda sobre instituição de acolhimento familiar que promove o abrigamento de menores e de suas famílias em situação de vulnerabilidade, não havendo que se falar, portanto, em extinção do processo por ausência de interesse processual.

Por sua vez, de acordo com o ordenamento processual civil em vigor:

"Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

(...)

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485 ;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação."

(destaquei).

O artigo supracitado trata da aplicação da teoria da causa madura, segundo a qual, se possível, estando o processo em condições de imediato julgamento, nos casos em que reformar sentença terminativa, o Tribunal, desde logo, deverá apreciar o mérito.

Todavia, na hipótese, verifico que o Ministério Público pugnou pela produção de prova testemunhal e pela realização de perícia "a fim de comprovar os fatos narrados na inicial, inclusive, que a situação apurada perdura até o presente momento", cujo meio de prova também se prestará a corroborar que a unidade de acolhimento em questão "não apresenta condições para ofertar às crianças e adolescentes com suas famílias nele acolhidas, (...) condições de higiene, privacidade, acessibilidade, habitabilidade e segurança" (documento n. 352).

Assim, diante do expresso pedido de produção probatória pelo autor, evidencio ser inviável decidir, desde logo, o mérito do pedido formulado na petição inicial, porquanto este não se encontra em condições de imediato julgamento.

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do processo e a devida solução da representação no juízo de origem, com a aplicação dos princípios e regras estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Isento de custas recursais (artigo 198, I, do ECA).

DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ - De acordo com o (a) Relator (a).

DESA. SANDRA FONSECA - De acordo com o (a) Relator (a).

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO."

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/1984088390/inteiro-teor-1984088391