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28 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Procedimento do Juizado Especial Cível • DIREITO CIVIL • XXXXX-31.2021.8.26.0016 • 2ª Vara do Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

2ª Vara do Juizado Especial Cível

Assuntos

DIREITO CIVIL

Juiz

Fernanda Melo de Campos Gurgel Panseri Ferreira

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teor125784731%20-%20Julgada%20Procedente%20em%20Parte%20a%20A%C3%A7%C3%A3o.pdf
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SENTENÇA

Processo Digital nº: XXXXX-31.2021.8.26.0016

Classe - Assunto: Procedimento do Juizado Especial Cível - DIREITO CIVIL

Requerente: Felipe Mendes Felizzola

Requerido: Information Brazil Cursos e Intercâmbio Cultural Ltda

Eu, (MLD) assistente, digitei.

Juiz (a) de Direito: Dr (a). Fernanda Melo de Campos Gurgel Panseri Ferreira

Vistos.

Ante os fatos narrados na inicial e trazidos em defesa, verifica-se que o conjunto fático-probatório documental, jungido à matéria de direito, é suficiente ao deslinde do feito.

Deste modo, mostrando-se desnecessária a realização de audiência de instrução e julgamento e, com base no que expresso pelo artigo 355 do CPC, dispensa-se a realização do mencionado ato.

Acrescento que "a necessidade da produção de prova há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do Magistrado" (STF - RE XXXXX-8-SP).

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, caput , da Lei n. 9.099/95, passa-se à fundamentação e decisão.

Trata-se de ação de rescisão contratual, cumulada com restituição de valores pagos, em que alega o autor que "(...) contratou a Ré para fazer intercâmbio na Austrália, que começaria em XXXXX-05-2020, e realizou os respectivos pagamentos, de R$ 3.139,50 em XXXXX-12-2019 (câmbio de 2,99 = 1.050 AUD) e R$ 8.236,80 em XXXXX-02-2020 (câmbio de 3,12 = 2.640 AUD), totalizando R$ 11.376,30 (ou 3.690 AUD). No entanto, em XXXXX-03-2020 foi declarada pela

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Organização Mundial da Saúde (OMS) a pandemia de Covid-19, o que é notório, gerando o fechamento das fronteiras australianas para brasileiros, situação que perdura até hoje (notícia anexa). Diante dessa situação, de inviabilidade do intercâmbio tal como planejado, o Autor buscou acertar o término do contrato e o reembolso dos valores pagos. Em resposta, a Ré frisou seu interesse de manter o negócio, com a remarcação do intercâmbio, e, caso isso não fosse aceito pelo Autor, se propôs a reembolsar 50% do preço, com base em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado entre a SENACON, o MPF e a ABRASEEIO, associação da qual faz parte a Ré (troca de e-maíls e TAC nos anexos). Contudo, nenhuma das opções propostas pela Ré é boa para o Autor. Quanto à remarcação, sobrevieram fatos na vida pessoal do Requerente que lhe retiraram o interesse no intercâmbio. Primeiro, iniciou um namoro e, segundo, recebeu um aumento na empresa onde trabalha (prints das redes sociais e contracheques anexos); tudo isso torna inviável a remarcação. E quanto à proposta de reembolso de apenas 50% com base no TAC, entende o Autor estar fora da realidade, pois a Ré permaneceria com metade do preço pago sem ter prestado contrapartida alguma. Assim, inconformado com as opções propostas, e percebendo a irredutibilidade da Ré, não sobrou alternativa ao Autor senão buscar seus direitos no Judiciário. III - O Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e sua não vinculatividade. A Ré, ao responder o pedido de reembolso do Autor, escudou-se atrás do TAC recém-mencionado e o opôs como se fosse vinculante para todos que com ela contrataram. Contudo, certo é que, tratando-se de res inter alios, em nada obsta que o Autor busque seus direitos na integralidade, e não pela metade como previsto no TAC. Essa é a dicção do art. 107, § 2º, do CDC, que regula as convenções coletivas de consumo:"A convenção somente obrigará os filiados às entidades signatárias."... IV - A previsão de resolução no próprio contrato. ... Feita essa nota, a qual deve dar norte para o exame do que vem a seguir, destaca-se que o próprio contrato das partes regula a discussão ora proposta, sem ser necessário socorrer-se às normas do CDC ou a Leis criadas para o período excepcional da pandemia. Trata-se das disposições acerca"7. DO CANCELAMENTO E DO REEMBOLSO". Nessa parte, a cláusula 7.3 estabelece:

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... Ao que tudo indica, essa disposição soluciona o debate ora proposto, sendo certo que estamos diante de fato alheio à vontade das partes (pandemia), e que por isso não foi possível oferecer o curso ao Autor. Assim, também deve ser certo o reembolso integral do valor pago, sem qualquer tipo de desconto, por decorrência da inviabilidade do serviço contratado. Não fosse assim, é possível retirar da cláusula 7.1 do contrato o caminho para o desate da controvérsia, a qual trata da hipótese de impossibilidade de realização do intercâmbio por negativa de visto pela Autoridade de Imigração do país de destino. Isto é, essa disposição contratual regula as consequências diante de fato externo, que independe de atos das partes, como é o caso da pandemia ora vivenciada. Vejamos: ... À vista disso, seja por cláusula expressa, seja por interpretação sistemática integrativa do contrato para trazer essas cláusulas para regular também o presente caso, a relação das partes se resolve ou pelo reembolso integral, sem descontos, como prevê a cláusula 7.3, ou pelo reembolso parcial, apenas com desconto das taxas previstas na cláusula 7.1.1. ... V - Inaplicabilidade da Lei 14.046 de 2020 ... Ademais, mesmo que se aplicasse, o que se cogita para a argumentar, a solução proposta pela Lei de não devolver nada ao consumidor nas hipóteses em que a empresa ofereça a remarcação ou a disponibilização de crédito (art. , I e II, Lei 14.046)é absolutamente inconstitucional na perspectiva do presente caso, violando frontalmente a diretriz de defesa do consumidor prevista no art. 170, V, da Constituição: ... VIII - O valor do reembolso O valor a ser reembolsado é o seguinte. O Autor pagou, como já dito, R$ 3.139,50 em XXXXX-12-2019 (câmbio de 2,99 = 1.050 AUD) e R$ 8.236,80 em XXXXX-02-2020 (câmbio de 3,12 = 2.640 AUD), totalizando R$ 11.376,30 (ou 3.690 AUD). E de acordo com a nota de rodapé da cláusula 3.1, dentro do"3. Preço", os valores pagos foram convertidos em dólar australiano na data do pagamento, e devem ser novamente convertidos para o real, com a cotação da data da venda e consequente reembolso ao Autor (a qual deve ser considerada a data da citação, quando constituída em mora a Ré), nos termos da cláusula 7.8:" (páginas 01/07).

Pede a resolução do contrato e a consequente condenação da Ré a

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reembolsar o Autor, com juros e correção monetária, no montante de R$ 11.376,30.

Em contestação, alegou a ré que "9. A ABRASEEIO firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (" TAC ") com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública e com o Ministério Público Federal, que estão representando os consumidores submetidos ao Sistema Brasileiro de Defesa do Consumidor, a fim de esclarecer questões sobre a aplicação de regramentos relativos aos cancelamentos de intercâmbios, política de remarcação e reembolsos, em função direta ou indireta da pandemia do COVID-19. 10. Com o objetivo de minimizar os prejuízos decorrentes da pandemia do COVID-19, está estabelecido no TAC, na cláusula 2.2 que:" o intercambista poderá solicitar o cancelamento do contrato, com a devolução parcial dos valores pagos, permitindo-se à agência de intercâmbio que faça a retenção, a título de remuneração, da taxa de agenciamento do intercâmbio no percentual de 15% do valor do programa de intercâmbio e mais os percentuais elencados nas alíneas abaixo: (i) contratos cujos embarques se darão até 31/7/2020 - retenção de 35% do valor do programa do intercâmbio (ou seja, devolução de 50% do valor total do programa ao intercambista) ". Valor este que será reembolsado em até 9 meses, a contar da data de solicitação do cancelamento. ... 13. O Autor pretende a aplicação da cláusula 7.3 do Contrato de Prestação de Serviços para Intercâmbio Cultural no presente caso. Contudo, a referida cláusula prevê uma situação em que a instituição de ensino no exterior não possa oferecer o curso contratado, o que evidentemente não se encaixa no presente caso: ... 15. Entretanto, conforme será demonstrado a seguir, é possível que o Autor altere a data de seu intercâmbio e realize o curso contratado. O que significa que a instituição de ensino está totalmente apta a oferecer o curso contratado. ... 16. Além disso, não é razoável que a responsabilidade de um prejuízo causado exclusivamente em razão da pandemia do COVID-19 recaia exclusivamente sobre a Ré, como pretende o Autor nesta ação. c) Aplicabilidade da Lei nº 14.046 de 2020 ... Excelência, o contrato firmado pelas partes tem como título o seguinte termo:

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" CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA INTERCÂMBIO CULTURAL ". 18. Apesar disso, não há dúvidas de que o intercâmbio promove uma experiência cultural. Aliás, o próprio site da Ré explica o que é o intercâmbio, esclarecendo tratar-se de uma troca de culturas: ... 22. Neste sentido, verifica-se que em conformidade com o art 2º da referida lei, a Ré, a pedido do Autor, postergou o início do intercâmbio contratado por duas vezes: ... 1a Oportunidade - em 21/01/2021: ... 2a Oportunidade - em 6/7/2021: ... 23. Excelência, é de rigor aqui destacar que o 2º pedido de remarcação de intercâmbio solicitado pelo Autor foi realizado 1 mês e 22 dias da propositura da presente ação!! ... 26. Além disso, o Autor atribui a desistência do intercâmbio por motivos pessoais, tais como, início de namoro e promoção no emprego. Todavia, a Ré nada tem a ver com os motivos pessoais que estejam impedindo o Autor de remarcar seu intercâmbio cultural. ... e) DOS PEDIDOS. 30. Diante do exposto, requer que a presente ação seja julgada PARCIALMENTE PROCEDENTE, para condenar a Ré a restituir o valor correspondente a 50% do valor do programa de intercâmbio, nos termos do item (i), da Cláusula 2.2 do TAC." (páginas 55/61).

Em que pese a argumentação da ré, assiste parcial razão à parte autora.

Ora, é de conhecimento público e notório que a pandemia mundial de Covid 19 fez com que os países implementassem inúmeras restrições para entrada de estrangeiros, ou mesmo para circulação dos seus cidadãos. Os planos de vacinação nacionais vem se arrastando por todo o ano de 2021, e adentrarão ao ano de 2022, sem data específica para vacinar a população não prioritária, inclusive com terceira dose adicional das vacinas.

Foi em razão da pandemia que o intercâmbio do autor não pôde ser realizado, injusto, portanto, impor à parte autora uma postergação do contrato, sem garantia alguma de novos

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cancelamentos, também em razão da referida pandemia e de sua novas ondas ou cepas virais, observadas no mundo todo, inclusive com a incidência de novos lock downs parciais.

É fato que a ré recebeu pagamento pelo serviço de venda de intercâmbio cultural, sem que nada tenha sido fornecido à parte autora, a não ser incerteza quanto à uma eventual e imprevisível possibilidade de embarcar para o destino programado (Austrália).

No caso dos autos, portanto, não resta outra solução possível, a não ser determinar à ré que restitua o valor integralmente pago pela parte autora, sem incidência de qualquer multa, taxa ou ônus por cancelamento, em razão da ausência de possibilidade de prever data certa para que a parte autora possa desembarcar, sem riscos à sua saúde, na Austrália.

Por outro lado, em conforme lei 14.046/20, a ré deveria devolver o valor pago pelo autor em até 12 meses após o fim do estado de calamidade pública. Assim, não havendo data certa para a referida constatação, impõe-se a obrigação da devolução do valor pago pelo autor em doze meses, a contar da data em que se realizaria o intercâmbio (maio de 2020), vez que não há nos autos comprovação de efetivam remarcação do intercâmbio contratado.

Também com equiparação ao que determina a Lei 14.046/20, o valor a ser devolvido pela ré R$ 11.376,30, deverá ser atualizado monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

Diante do exposto, com arrimo no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE EM PARTE, nos termos do art 487, I do CPC, para resolver o contrato firmado en tre as parte e condenar a ré a pagar ao autor, a título de danos materiais, a quantia de R$ 11.376,30 (onze mil,

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trezentos e setenta e seis reais e trinta centavos) , com atualização monetária calculada com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), desde a distribuição da demanda, e acrescida de juros de 1 % ao mês, desde a citação.

Consoante artigos 54 e 55, da Lei n.º 9.099/95, as partes estão isentas do pagamento de custas, taxas, despesas e honorários, salvo na hipótese de recurso.

O prazo para interposição de recurso é de 10 dias e o valor do preparo é de R$ 593,10.

Em caso de execução, nos termos do Comunicado CG 1631/2015, deverá a parte exequente, por seu advogado, fazer cadastramento digital no SAJ da petição intermediária como cumprimento definitivo de sentença (categoria Execução de Sentença, tipo de petição, item 156 - Cumprimento de Sentença); ou como cumprimento provisório de sentença (categoria Execução de Sentença, tipo de petição, item 157 - Cumprimento Provisório de Sentença).

Publique-se. Intimem-se.

São Paulo, 01 de dezembro de 2021.

FERNANDA M.C. G. PANSERI FERREIRA

Juíza de Direito

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,

CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

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