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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 9 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Órgão Especial

Publicação

Julgamento

Relator

João Carlos Saletti

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP__01542409320138260000_78fed.pdf
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Inteiro Teor

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2015.0000094269

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Arguição de Inconstitucionalidade nº XXXXX-93.2013.8.26.0000, da Comarca de Suzano, em que é suscitante 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM , em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "JULGARAM PROCEDENTE A ARGUIÇÃO. V.U. IMPEDIDO O EXMO. SR. DES. ANTONIO CARLOS MALHEIROS.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), ROBERTO MORTARI, FRANCISCO CASCONI, PAULO DIMAS MASCARETTI, VANDERCI ÁLVARES, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, ANTONIO CARLOS VILLEN, ADEMIR BENEDITO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, BORELLI THOMAZ, JOÃO NEGRINI FILHO, EROS PICELI, ELLIOT AKEL, GUERRIERI REZENDE, XAVIER DE AQUINO, MOACIR PERES, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS E MÁRCIO BARTOLI.

São Paulo, 11 de fevereiro de 2015

JOÃO CARLOS SALETTI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Arguição de Inconstitucionalidade n.º XXXXX-93.2013.8.26.0000

SUSCITANTE - 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

Interessados - Município de Suzano e Viação Suzano Ltda.

V O T O Nº 23.491

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE “Incidente de arguição de inconstitucionalidade em mandado de segurança” Mandado de segurança impetrado por empresa concessionária de transporte público, que se afirma ofendida em direito líquido e certo pela Lei nº 4.213/2008, do Município de Suzano, que diz inconstitucional e interferir no contrato de concessão

Segurança concedida, em primeiro grau, para declarar a nulidade da lei atacada Arguição de inconstitucionalidade suscitada pela 3ª Câmara de Direito Público por afronta ao art. 25 da C.E., por força da Súmula vinculante 10 do STF e do art. 97 da CF Lei que concedeu isenção tarifária (passe livre) para estudantes da rede pública ou privada do Município de Suzano Ausência de previsão de fonte específica de custeio (art. 25 da CE) e desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão (art. 117 da CE e 37, XXI, da CF) Lei inconstitucional Não bastasse, há nova lei municipal local disciplinando referida gratuidade, com respectivo decreto regulamentador Arguição julgada procedente, declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 4.213/2008.

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade da Lei Municipal de Suzano nº 4.213, de 10 de janeiro de 2008, suscitada pela E. 3ª Câmara de Direito Público deste Tribunal ao Órgão Especial (art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante 10 do E. STF) em recurso de Apelação interposto pelo Prefeito do Município de Suzano em face da r. sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado por Viação Suzano Ltda. (fls. 458/463).

No mandado de segurança, a impetrante busca a declaração da “nulidade da Lei Ordinária n. 4.213/08, decorrente do projeto de lei XXXXX-07/08, com efeitos ex tunc , ... com a corolária declaração da inconstitucionalidade ...” (fls. 2/21).

Alega a impetrante: a) “é concessionária dos serviços públicos de transportes coletivos de passageiros na área territorial do município de Suzano”; b) “em 12 de dezembro de 2007 foi votada e aprovada, em sessão extraordinária, sem mesmo constar da pauta, projeto de Lei Ordinária sob nº 161-07/08 ..., de iniciativa

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do Sr. Prefeito, matéria que versa sobre isenção tarifária e consequente benefício de gratuidade na utilização dos serviços do sistema municipal de transporte público de Suzano, intitulado “passe livre”, extensivo a todos os estudantes, indistintamente e de forma irrestrita, concedendo-se o direito de adquirir o equivalente a 50 passes mensalmente, incluindo os meses de férias escolares, podendo ainda ser utilizado o benefício aos sábados, domingos e feriados, sem qualquer critério para cadastramento dos assim considerados estudantes”; c) “patente no bojo do projeto de lei ordinária que o referido cadastramento deverá ser processado pela Diretoria de Transportes, assuntos vários e mobilidade urbana DTAVMU, bem como confere ao Administrador Público o julgamento, a seu talante, das entidades estudantis e respectivos filiados que poderão ser contemplados com a referida medida”; d) em 10/01/2008 foi publicada a Lei Ordinária n. 4.213/08, nos mesmos parâmetros do projeto de lei mencionado, concedendo redução tarifária integral (passe livre) no transporte público de estudantes na rede de ensino pública ou privada no município de Suzano, e deu outras providências; e) violados os arts. 78, parágrafo único, 178, 179, III, do regimento interno da Câmara, porque não obedecida as regras para convocação, bem como o art. 42, ante a falta dos pareceres das comissões permanentes da Câmara; f) inconstitucionais a Lei Ordinária 4.213/08 e o projeto de lei XXXXX-07/08; g) a lei em análise não pode ser considerada válida, vez que contrariou dispositivo da Lei Complementar 146/04, art. 62 parágrafo único, ante a falta de indicação das fontes de custeio, bem como art. 63 parágrafo primeiro, que dispõe que o benefício não se aplica aos períodos de férias escolares; h) merece enfoque o veto que a própria autoridade coatora apresentou por ocasião do projeto de Lei Ordinária n. 080-07/08, de autoria parlamentar, quando sustentou a primazia da Lei Complementar sobre a Lei Ordinária; i) o contrato de concessão, celebrado com a administração pública, estabelece (cláusula 3.2, item II.4) que os vales-transporte ou quaisquer outros meios de pagamento para utilização dos serviços concedidos são de competência exclusiva da Concessionária; j) violado o contrato de concessão, “ato jurídico perfeito, uma vez que, pela referida lei, compete à Diretoria de Transportes Assuntos Viários e mobilidade urbana - DTAVMU a emissão e distribuição da carteira de estudante personalizada, bem como a distribuição de 50 passagens de ônibus”; k) “se o contrato ... confere o direito à emissão de quaisquer meios para a utilização de serviços concedidos, respaldado que era na Lei Complementar 146/04, jamais lei ordinária poderia afrontar tal disposição, porquanto fere ato jurídico perfeito e fere lei de hierarquia superior”; l) como decidido no proc. 1999/95, da 4ª Vara Cível da Comarca, ficou estabelecido que a concessionária vem sendo prejudicada, de há muito, pela interferência indevida do Poder Público, que acarretou-lhe ao longo do tempo incomensurável prejuízo decorrente da defasagem tarifária.

Acrescenta: m) conforme cláusula 11.1, item III, assegura-se à concessionária o respeito integral às condições iniciais da proposta comercial firmada em face da administração pública, segundo o contrato administrativo levado

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a efeito, sendo que “tal fato já enseja a violação ao seu direito líquido e certo, a partir da edição da lei 4.213/08, agravando-se ainda a situação pelo desrespeito pela forma adotada para a elaboração da lei e ausência de dotação orçamentária”; n) inaplicável a Súmula 266 do Pretório Excelso, pois evidente a lesão a direito individual da impetrante; o) junta planilhas “que dão conta dos valores vultosos que representam a passagem escolar,... evidenciando-se que à permanecer o decreto e a lei combatidas ..., tal fato ensejará o colapso financeiro da concessionária, o que por via oblíqua acarretará o comprometimento da boa prestação de serviço e a inviabilidade do transporte coletivo na comarca”; o) “se o Prefeito ... errou na forma da modificação da lei Complementar, que apenas admite reforma por mesmo modo e procedimento ..., há de se considerar outra imperfeição no ato do agente”; “é que as Carteiras de estudantes são considerados títulos de transporte para todos os fins da Lei Complementar 146/04, e somente poderão ser expedidos pela própria concessionária ..., no caso a impetrante, segundo ... artigo 63, parágrafo 2º da lei ...”; p) “de resto, para a concessão da gratuidade, que não conste da Lei Complementar 146/04, mister que se faça estudo técnico de viabilidade econômicofinanceiro do contrato de concessão, ... devendo eventualmente ser repassado para a tarifa o custo apropriado, por meio de subsídio, o que ... não ocorreu, tendo o prefeito agido no arrepio da lei e à revelia da concessionária...”; q) a Lei Complementar Municipal não pode ser modificada por lei ordinária de forma como ocorreu, até porque “a própria lei Complementar 146/04 impõe a isenção na forma por ela própria descrita -, de tal sorte que não pode ser considerada válida a lei ora combatida, e também o decreto, que à rigor tornaria “letra morta” o próprio texto constitucional e sobretudo o princípio de hierarquia das leis”; r) “se criada a lei Complementar para cuidar do tema de transporte e eventual isenção, por conseguinte, do mesmo modo deve sofrer alteração, visto que lei de hierarquia inferior não pode dispor de matéria contrariando disposição de lei complementar que goza de supremacia, pouco valendo a sanção do executivo”; s) “cumpre notar que a lei complementar n. 4.213/08, baseada no projeto de lei XXXXX-07/08, não contemplou a indicação de fontes específicas de recursos, segundo exigência do artigo 25 da Constituição Estadual, que deve ser interpretado em combinação com o artigo 42 da Lei Orgânica Municipal, bem como o próprio parágrafo único do artigo 62 da Lei Complementar 146/04, que preceitua a necessidade imperiosa de indicação dos mencionados recursos para aporte, quando criada ou aumentada despesa pública, como no caso em testilha”

A r. sentença de fls. 303/307 concedeu a segurança “para o fim de declarar a nulidade da Lei Municipal n. 4.213/08, de 10 de janeiro de 2008, tornando definitiva a liminar concedida”.

Apelou o Prefeito Municipal de Suzano (fls. 309/329). O recurso foi respondido (fls. 373/389). Manifestou-se o Ministério Público em primeiro e segundo graus por seu não provimento (fls. 293/298, 391 e 397/399).

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A 3ª Câmara de Direito Público, Relator o desembargador CAMARGO PEREIRA, decidiu suscitar a “instauração do incidente de incidente de inconstitucionalidade” (fls. 407/410), asseverando que,

“Diante da aparente inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.213/08, mormente porque disciplinou matéria já prevista em lei complementar do Município, caracterizando, assim, vício formal por invasão de competência, gerador de inconstitucionalidade pela afronta ao artigo 59 da Constituição Federal e, em face da Súmula vinculante nº 10, do Egrégio Supremo Tribunal Federal e por força do art. 97, da C.F., impõe-se a instauração do correspondente incidente perante o Colendo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça.”

O incidente foi distribuído no Órgão Especial ao Desembargador ANTONIO LUIZ PIRES NETO (fls. 423).

A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo “desacolhimento do presente incidente de inconstitucionalidade, com o reconhecimento da constitucionalidade da Lei n. 4.213, de 10 de janeiro de 2008, do Município de Suzano” (fls. 426/437).

Este C. Órgão Especial (j. 11.12.2013 fls. 443/450), Relator o Desembargador ANTÔNIO LUIZ PIRES NETO, não conheceu do incidente determinando o retorno dos autos à C. Terceira Câmara de Direito Público para os devidos fins (artigo 480 e ss. do CPC), porque

“... a C. Câmara suscitante não enfrentou previamente a questão da constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) da norma impugnada, de forma expressa, como era indispensável, nos termos dos artigos 480 e 481 do Código de Processo Civil, tanto que na fundamentação do V. Acórdão existe menção apenas à aparente inconstitucionalidade da lei ...

“...

“Apesar de o V. Acórdão ter indicado o dispositivo da Constituição Federal supostamente violado (art. 59), mencionando que a lei impugnada “disciplinou matéria já prevista em lei complementar, caracterizando, assim, vício formal por invasão e competência”, a verdade é que a fundamentação para eventual acolhimento da arguição de inconstitucionalidade, a cargo da Câmara suscitante (art. 480 do Código de Processo Civil), parou por aí, na esfera da dúvida sobre a existência desse vício, sem exame mais aprofundado daquela lei complementar (supostamente violada) e das demais matérias questionadas nos autos para

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que se pudesse concluir, de forma clara e expressa, no sentido de rejeição ou acolhimento da arguição.”

Retornando os autos, a C. 3ª Câmara de Direito Público, decidiu pela “instauração de incidente de inconstitucionalidade” da Lei Municipal nº 4.213/08, que “concede isenção tarifária (passe livre) para estudantes da rede pública ou privada do Município de Suzano”, “mormente pela afronta ao artigo 25 da Constituição Estadual e, em face da Súmula vinculante nº 10, do Egrégio Supremo Tribunal Federal e por força do art. 97, da C.F.” (fls. 458/463).

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em novo parecer, reviu o posicionamento anterior e manifestou-se pela “declaração de inconstitucionalidade” (fls. 473/479).

Tendo em vista o término da investidura no Órgão Especial do E. Desembargador ANTÔNIO LUIZ PIRES NETO, este incidente veio a mim redistribuído (fls. 483, 485 e 487).

É o relatório.

1. A Lei Municipal nº 4.213, de 10 de janeiro de 2008, “concede redução tarifária integral (passe livre) no transporte público aos estudantes da rede de ensino pública ou privada no Município de Suzano, e dá outras providências”

Art. 1º. Fica concedida a redução tarifária integral ( passe livre) no transporte público aos estudantes da rede de ensino pública ou privada no Município de Suzano, sem limitação de horário ou de dia da semana.

Art. 2.º O benefício de que trata o artigo 1º será concedido mediante crédito de quota mensal correspondente a 50 (cinqüenta) passagens de ônibus, debitáveis mediante o uso, no valor da tarifa vigente, em cartão magnético personalizado ou outro meio tecnológico disponível.

§ 1º. Durante o período da entrada em vigência desta Lei e até que se complete a instalação dos equipamentos eletrônicos necessários ao funcionamento do cartão magnético, a Administração Municipal, por intermédio da DTAVMU fica autorizada a emitir e a distribuir carteira de estudante personalizada, mediante a apresentação da qual o seu titular obterá o acesso gratuito no transporte coletivo.

§ 2º. Os alunos titulares de carteiras de estudantes

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regularmente emitidas pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas -UBES e pela União Nacional dos Estudantes - UNE ficam dispensados de quaisquer outras exigências para a imediata obtenção da gratuidade instituída pela presente Lei.

§ 3º. Poderão ser admitidas, para fins de transporte gratuito de estudante, as carteiras emitidas pelas instituições de ensino que firmarem convênio com a Prefeitura Municipal para esta finalidade.

§ 4º. O cartão de que trata o caput deste artigo será fornecido gratuitamente aos estudantes, salvo nos casos de extravio, oportunidade em que será cobrada tarifa social para emissão de segunda via.

Art. 3º. Terão direito à redução tarifária integral ( passe livre) os alunos do ensino fundamental, médio, tecnológico e superior e os alunos de cursos pré-vestibulares.

Parágrafo único. Instituições de ensino que não se enquadrarem com exatidão nas categorias mencionadas no caput poderão requerer o benefício para os seus respectivos alunos, cuja concessão ficará a critério do Poder Executivo, mediante a consideração do interesse público que representará o benefício eventualmente concedido.

Art. 4º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias.

Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

2. Tratando-se de arguição de inconstitucionalidade, cabe apenas a análise da questão da constitucionalidade propriamente dita. Os demais temas não podem ser discutidos nesta sede. Assim também não cabe resolver se desobedecidas as regras do regimento interno da Câmara ou da legislação infraconstitucional, especialmente o tópico alusivo à afronta do diploma em foco à Lei Complementar nº 146/04.

No caso, a constitucionalidade é contestada ao argumento de ter havido desrespeito à ideia de hierarquia das leis ou de reserva de competência material (art. 23 CE), na medida em que lei ordinária passou a disciplinar terma anteriormente objeto de lei complementar; ausência de dotação orçamentária (art. 25 CE); e desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos (art. 117 CE).

3. Não foi desobedecido o princípio da hierarquia das normas ou o de reserva de competência material.

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A lei que trata do transporte público e o regula é ordinária, não complementar da Constituição e, no caso do Município, de sua Lei Orgânica.

Se para a regulação do transporte público exigência não há de lei complementar, a edição de lei ordinária (embora para disciplinar aspecto limitado ao chamado passe livre para estudantes) não desrespeita a ideia da hierarquia das normas. Em outras palavras, nada impedia a edição de lei ordinária para alterar, no pormenor, lei complementar.

A matéria contrato público de transporte, tarifa de transporte e isenção de tarifa (passe livre) não se encaixa em nenhuma das hipóteses constitucionalmente previstas para a edição de lei complementar (artigo 146 da Constituição Federal). A Constituição do Estado de São Paulo, que não conta com disposição semelhante, considera leis complementares, em razão das matérias expressamente definidas, as que enumera em seu artigo 23. Dentre elas não se enquadra a reguladora do transporte público e de definição de suas tarifas e respectivas isenções.

Por outra parte, e respeitado entendimento em diverso sentido, e como assinalou o parecer ministerial de fls. 433/434, “a distinção entre lei complementar e lei ordinária não se resolve pelo princípio da hierarquia das normas, mas por uma questão de competência ratione materiae, como aponta a doutrina” de José Afonso da Silva (Comentário contextual à Constituição, São Paulo; Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 462). Daí porque a lei ordinária aqui discutida, porque pode regular a matéria em questão, não ofende o princípio da hierarquia das leis.

Nesse sentido já decidiu este C. Órgão Especial, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº XXXXX-35.2013.8.26.0000, Relator o Desembargador LUÍS SOARES DE MELLO (j. 24.07.2013):

“Trata-se, com efeito, de lei ordinária alteradora de lei complementar municipal , precisamente como se depreende da exordial, das informações prestadas pela Câmara de Vereadores e da documentação acostada aos autos - especialmente os extratos de f. 25 e 36.

“Entretanto, à luz do ordenamento constitucional, a modificação promovida não se revela inviável .

“Isto porque, segundo jurisprudência consagrada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (RE XXXXX/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23.05.2006, DJ 30.06.2002), não há diferença hierárquica entre lei complementar e lei ordinária .

“Trata-se, em verdade, de duas espécies normativas distintas,

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cada qual destinada e aplicada, especificamente, a determinado âmbito material.

“Nesses termos, de um lado, reserva-se à legislação complementar um rol exaustivo de matérias, definidas mediante expressa determinação constitucional.

“À lei ordinária, por sua vez, cabe versar sobre as matérias excluídas desse rol, residualmente.

“Assim, eventual vício de inconstitucionalidade somente surgirá caso a lei ordinária seja editada para disciplinar matéria reservada à legislação complementar .

“E não é isto o que se verifica aqui.

““In casu”, a lei impugnada criou nova hipótese de desconto no IPTU - situação de isenção tributária parcial -, tema cuja regulamentação não exige a observância de procedimento qualificado.

“Por esta razão, inexiste óbice qualquer à instituição daquele desconto por lei ordinária, exatamente como aqui.

“Irrelevante que a lei impugnada tenha inserido tal hipótese de isenção tributária no texto de lei complementar Código Tributário Municipal de Guarujá -, situação plenamente justificada por sua pertinência temática em relação àquela, sem maiores consequências no que diz às formalidades do procedimento legislativo observado.

“Inocorrente, pois, o vício alegado.”

4. Não obstante, motivo há para acolher a arguição. Isto porque a lei impugnada não especificou a fonte de custeio para dar o necessário respaldo financeiro às isenções concedidas pelo Poder Público, em desrespeito ao art. 25 da Constituição Estadual.

Dispõe o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo:

“Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica a créditos extraordinários”.

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Bem discorre, a propósito, o v. acórdão suscitante (fls. 461/462):

“Ocorre que não há nenhuma menção na Lei Municipal nº 4.213/08 da fonte específica de recursos a sustentar os custos decorrentes de sua aplicação, nos termos do que estabelece o artigo 25 da Constituição Estadual:

“...

“Em completa sintonia com o estabelecido na Constituição Bandeirante, é a Lei Orgânica do Município de Suzano, que no seu artigo 42, assim estabelece:

““Art. 42. Nenhuma lei que crie ou aumente despesa pública será sancionada sem dela conste a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos.”

“Por sua vez, o artigo 62 da Lei Complementar Municipal nº 146, em seu artigo 62, assim já previa:

““Art. 62. A isenção tarifária na utilização dos serviços do sistema municipal de transporte público de Suzano está limitada aos seguintes casos:

““(...)

'“Parágrafo único Nenhuma isenção ou redução tarifária, além daquelas já previstas nesta lei, poderá ser criada sem que haja expressa indicação das fontes específicas de recursos que as suportarão, a fim de manter a modicidade tarifária e se garantir a manutenção do inicial equilíbrio econômico financeiro dos serviços outorgados.””

5. Além da ausência de indicação da fonte de custeio (art. 25 da CE), a lei impugnada viola o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos (art. 117 da CE e 37, XXI, da CF).

Dispõem mencionados dispositivos, com idêntica redação:

“Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual

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somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

A lei em foco, segundo bem argumenta a douta Procuradoria Geral de Justiça em seu segundo parecer (fls. 476/478),

“... viola o equilíbrio econômico financeiro de contratos de concessão e de atos de permissão de serviço público a particulares que exploram o transporte coletivo. O art. 117 da Constituição Estadual e o art. 37, XXI, da Constituição Federal, estabelecem nas contratações públicas a manutenção das condições efetivas da proposta para cumprimento das obrigações, tendo em vista que a tarifa (preço público) fixada pelo Poder Executivo deve corresponder à remuneração pelo custo decorrente da execução delegada do serviço público. Neste sentido, pronuncia a jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCOSNTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.304/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXCLUSÃO DAS MOTOCICLETAS DA RELAÇÃO DE VEÍCULOS SUJEITOS AO PAGAMENTO DE PEDÁGIO. CONCESSÃO DE DESCONTO, AOS ESTUDANTES, DE CINQUENTA POR CENTO SOBRE O VALOR DO PEDÁGIO. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. EQUILÍBIRO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. AFRONTA. 1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação. (...) 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente” (STF, ADI 2.733-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 26-10-2005, v.u., DJ XXXXX-02-2006, p. 11).”

6. Não custa lembrar que o Município de Suzano, aparentemente reconhecendo a impossibilidade de a lei aqui questionada vigorar como posta (não se olvide que concedida inicialmente a liminar, que restou mantida na r. sentença), editou nova lei disciplinando referida gratuidade aos estudantes, de iniciativa do Executivo Municipal.

Trata-se da Lei Complementar nº 226, de 23.12.2013, que “dispõe sobre a criação de “Passe Livre Estudantil”, gratuidade no sistema de transporte coletivo de passageiros, aos estudantes do Município de Suzano, e dá outras providências” (como se vê no site institucional da Câmara Municipal).

A nova lei passou a ser regulamentada pelo Decreto nº 8.529, de 30 de

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janeiro de 2014.

Portanto, a Lei do Município de Suzano nº 4.213/08, além de ser inconstitucional por ausência de indicação da fonte de custeio (art. 25 da CE) e violar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos (art. 117 da CE e 37, XXI, da CF), encontra-se revogada porque nova disposição acerca da matéria foi objeto de nova lei com correspondente decreto regulamentador.

Faço a referência sem olvidar que a edição de nova lei não prejudica o exame do incidente, seja porque se está à frente de julgamento de caso concreto, em que a interessada se viu ferida em seu direito líquido e certo, deduzido na peça inaugural, seja porque a mesma lei nova, obviamente, vigora para frente. Assim, ainda revogando ou derrogando a lei aqui questionada, obviamente não produz efeito retroativo.

7. Lembro, por fim, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº XXXXX-86.2011.8.26.0000, do mesmo Município de Suzano, envolvendo a Lei Complementar nº 192, de 10 de fevereiro de 2011, que deu nova redação ao art. 63, da Lei Complementar Municipal nº 146, de 15 de julho de 2004, autorizando o Executivo a “conceder aos estudantes de primeiro e segundo graus e nível superior, 100% de gratuidade no sistema de transporte coletivo por ônibus, “passe livre”, para ida e volta à respectiva escola ou universidade, bem como eventos culturais dentro dos limites do município de Suzano, e dá outras providências.” Ou seja, essa Lei Complementar nº 192/2011 é mais recente do que a aqui objeto da arguição de inconstitucionalidade, mas anterior à acima citada Lei Complementar nº 226/2013 que dispõe sobre “passe livre estudantil”, que foi regulamentada pelo Decreto 8529/2014.

Referida ação foi julgada procedente por decisão deste Órgão Especial (j.14.03.2012, Relator o Desembargador PIRES DE ARAÚJO), declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 192/2011.

8. Ante o exposto, julgo procedente a arguição de inconstitucionalidade, devendo os autos retornar à consideração da E. Câmara suscitante.

É meu voto.

JOÃO CARLOS SALETTI

Relator

assinado digitalmente

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/892657193/inteiro-teor-892657201