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23 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TRF1 • PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL • DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATRIAS DE DIREITO PÚBLICO (9985) • XXXXX-89.2021.4.01.3800 • Vara Federal Cível do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Vara Federal Cível

Assuntos

DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATRIAS DE DIREITO PÚBLICO (9985), Servidor Público Civil (10219), Sistema Remuneratório e Benefícios (10288), Auxílio-Alimentação (10304

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorTRF01_58ea1f153c3431b2c0defb744431acaa36a8323f.pdf
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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária de Minas Gerais

19a Vara Federal Cível da SJMG

PROCESSO : XXXXX-89.2021.4.01.3800

CLASSE : PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

POLO ATIVO : SUPERINTENDENCIA DE LIMPEZA URBANA

REPRESENTANTES POLO ATIVO : RAIMUNDO EDUARDO FERREIRA MOURA - MG60155 e SANTHIAGO TEIXEIRA GONCALVES LOPES - MG133768

POLO PASSIVO :UNIÃO FEDERAL

DECISÃO

Trata-se de ação ordinária com pedido de tutela de urgência, por meio da qual a parte autora, SUPERINTENDENCIA DE LIMPEZA URBANA DE BELO HORIZONTE - SLU, requer seja liminarmente determinado à parte ré, UNIÃO FEDERAL que suspenda os efeitos do artigo 175 e respectivos parágrafos do Decreto nº 10.854 de 10 de novembro de 2021 a fim de que não produzam efeitos para a autora no âmbito do Contrato Administrativo SLU nº 002/2021, celebrado com a SODEXO, declarando ainda a inconstitucionalidade e ilegalidade da referida norma.

Ao final, requer seja o pedido julgado procedente para suspender os efeitos do artigo 175 e respectivos parágrafos do Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, a fim de que não produzam efeitos para a autora, inclusive no âmbito do Contrato Administrativo SLU nº 002/2021, celebrado com a SODEXO, declarando ainda a inconstitucionalidade e ilegalidade dessa norma de modo definitivo.

Narra a inicial (p. 1574/1607, id861072576) que, em 2018, a SLU propôs ação judicial contra a União, processo nº XXXXX-92.2018.4.01.3800 se insurgindo contra a Portaria 1.287/2017 e seus desdobramentos (Nota Técnica GM 58/2017), editada pelo Ministério do Trabalho no âmbito do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador), que trouxe prejuízo ao erário do Município de Belo Horizonte.

Essa Portaria impunha a proibição da cobrança da taxa de serviço negativa às empresas beneficiárias do PAT, vedando a concessão de descontos financeiros ou taxas de serviços negativas por parte da operadora de serviços PAT às contratantes dos tíquetes alimentação e refeição, que são as empresas ou entes empregadores, que concedem benefícios a seus trabalhadores, o que resultou na impossibilidade de a autora fazer contratações com empresas que apresentam taxas de serviços negativas na prestação do vale alimentação.

Expõe que a sentença proferida no processo XXXXX-92.218.4.01.3800 considerou ilegal e inconstitucional a vedação à taxa negativa de lucro disciplinada pela Portaria 1.287/2017 emitida pelo MTE em razão da inexistência de lei em sentido estrito que estabelecesse limites sobre a cobrança da taxa de serviço.

Relata que, em 2021, a União Federal novamente veiculou a imposição das mesmas restrições por meio da publicação do Decreto nº 10.854 de 10 de novembro de 2021, notadamente em seu artigo 175. Discorre que esse art. 175 veda qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado com fornecedores de alimentação ou facilitadora de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios. Aduz que, nos termos do art. 175 do Decreto, a autora não poderá instaurar um procedimento licitatório e buscar o melhor preço e contratação e nem prorrogar o contrato administrativo em vigor, pois essa conduta estaria em desconformidade com o Decreto 10.854/21 em vigor atualmente.

Sustenta que se trata de indevida interferência na livre iniciativa em fornecer serviços mais baratos e eficientes e que o prejuízo não é somente para o trabalhador, mas também para o erário.

A SLU se insurge contra a União Federal em face do artigo 175 do Decreto nº 10.854 de 10 de novembro de 2021, que deverá ter seus efeitos suspensos em relação à autora, pois, do contrário, não poderá mais instaurar um procedimento licitatório e buscar o melhor preço e contratação nem tampouco prorrogar o contrato administrativo em vigor.

Alega que seria vantajosa a prorrogação contratual com a empresa SODEXO PASS BRASIL, SERVIÇOS E COMERCIO S.A., nos termos das informações da GERENCIA DE COMPRAS-GCCON da SLU.

Aponta que o impacto financeiro causado pela vedação da prorrogação contratual com a taxa negativa seria atualmente, no valor de R$230.802,94.

Esclarece que o Decreto 10.854/2021 causará o cancelamento do Contrato nº 002/2021 da Autora celebrado com a SODEXO e trará implicações financeiras e administrativas com a realização de nova licitação e contratação do serviço com preços maiores em, no mínimo, R$230.802,94 a mais para 12 meses de contrato.

Diz que o novo termo aditivo do Contrato da SLU nº 002/2021 já está confeccionado e deverá ser publicado até 15 de fevereiro de 2022 quando da data final da vigência do contrato atual.

Junta documentos e ato de designação do cargo de Advogado Público Autárquico.

É o relatório. Decido .

Para deferimento do pedido de tutela de urgência, indispensável a presença simultânea dos seguintes requisitos: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, previstos no art. 300 do novo Código de Processo Civil.

No caso em apreço, entendo presente a plausibilidade da alegação.

O Decreto 10.854/2021 regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais e o Prêmio Nacional Trabalhista, e altera o Decreto nº 9.580/2018.

Nos termos do art. 175 tem-se que:

"Art. 175. As pessoas jurídicas beneficiárias, no âmbito do contrato firmado com fornecedoras de alimentação ou facilitadora de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios, não poderão exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado, prazos de repasse que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores, ou outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador.

§ 1º O disposto no caput não se aplica aos contratos vigentes até que tenha sido encerrado o contrato ou até que tenha decorrido o prazo de dezoito meses, contado da data de publicação deste Decreto, o que ocorrer primeiro.

§ 2º O descumprimento da vedação prevista no caput implicará no cancelamento da inscrição da pessoa jurídica beneficiária do PAT.

§ 3º É vedada a prorrogação de contrato em desconformidade com o disposto neste artigo."

Sabe-se que somente a lei, feita pelo Poder Legislativo, é que pode inovar criando direitos e impondo obrigações.

Analisando a citada norma regulamentar é fácil verificar que ela pretende inovar a ordem jurídica quando estabelece a vedação de se "exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado, prazos de repasse que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores, ou outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador" (face do artigo 175), "não se aplica aos contratos vigentes até que tenha sido encerrado o contrato ou até que tenha decorrido o prazo de dezoito meses, contado da data de publicação deste Decreto, o que ocorrer primeiro" (parágrafo primeiro do artigo 175).

Ou seja, a norma regulamentar não somente inova o ordenamento jurídico,

como afasta a incidência da vedação para os contratos vigentes e por um prazo máximo de 18 meses a contar da sua publicação.

De outro lado, a Lei 6.321/76, com a limitação posteriormente prevista no artigo da Lei 9.532/1997, não contém qualquer restrição nesse mesmo sentido, sendo que o poder regulamentar previsto no artigo d a Lei 6.321/76 não representa qualquer tipo de delegação de competência legislativa. Ao contrário, o benefício fiscal ali previsto deve observar os limites estabelecidos pelo legislador, em respeito ao princípio da legalidade estrita (artigos , II; 150, I, e § 6º, da CF/88).

A plausibilidade da alegação de violação ao princípio da legalidade decorre, ainda, da decisão proferida no processo XXXXX-92.2018.4.01.3800 , envolvendo questão semelhante, ainda que o ato regulamentar fosse diverso.

Além disso, o parágrafo 3º do artigo 175 do Decreto 10.854/2021 estabelece vedação que interfere diretamente no exercício de faculdade contratual previamente estabelecida (de renovar ou prorrogar o contrato) e, nesse ponto, parece violar o disposto no inciso XXXVI do artigo da CF/88, ao interferir nos termos de contrato já firmado anteriormente.

Também o princípio da isonomia parece ter sido violado, pois não verifico distinção entre a situação daquele que possui um contrato vigente e terá direito às práticas vedadas pela face do artigo 175 acima transcrito "até que tenha sido encerrado o contrato ou até que tenha decorrido o prazo de dezoito meses, contado da data de publicação deste Decreto, o que ocorrer primeiro" (parágrafo primeiro do artigo 175), e aquele que também possui contrato vigente por força do exercício do direito de renovação/prorrogação previamente estabelecido no contrato.

Não percebo, em um exame preliminar, distinção substancial a justificar essa diferença de tratamento, sendo que o fato de o contrato continuar em vigor por 18 meses, por força de exercício de faculdade de prorrogação/renovação ou não, não parece ser elemento distintivo legítimo.

No mais, o artigo 170, IV e seu parágrafo único, da CF/88 estabelecem que "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios", entre os quais o da "livre concorrência", sendo "assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".

Esse livre exercício de atividade econômica compreende a possibilidade de firmar contratos e de estabelecer, mediante a livre concorrência, descontos ou benefícios, sendo que a vedação ao direito de contratar e de estabelecer suas regras apenas se justifica quando amparada em interesse constitucional relevante.

No caso, não verifico interesse constitucional que justifique a limitação, sendo que o trabalhador, a quem se dirige a política pública, não terá seu direito reduzido em razão do desconto livremente pactuado.

Esses elementos indicam a plausibilidade da alegação de ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 175, e seus parágrafos, do Decreto 10.854/2021.

Também o perigo da demora está configurado diante do prejuízo decorrente da não renovação do contrato atualmente vigente, com "o cancelamento do Contrato nº 002/2021 da Autora, celebrado com a SODEXO", que "trará implicações financeiras e administrativas com a realização de nova licitação, e contratação do serviço com preços maiores, em, no mínimo, R$ 230.802,94 a mais, para 12 meses de contrato".

Com base na fundamentação desenvolvida, configurado o perigo de dano haja vista as notórias consequências diante do termo final de vigência do contrato da SLU 002/2021, que se encerra em 15/02/2021, defiro, por ora, a tutela de urgência para suspender os efeitos do art. 175 do Decreto 10.854/2021 em relação ao Contrato Administrativo SLU nº 002/2021, celebrado com a SODEXO, que será publicado em 15/02/2022 , sem prejuízo de reexame ao final.

A autora é isenta de custas tendo em vista ser autarquia municipal, pessoa jurídica de direito público.

Tendo em vista os termos constantes na Portaria nº 01/2016 desta 19a Vara Federal (publicada nos dias 31/03/2016, 1º/04/2016 e 04/04/2016 no e-DJF1), não será designada , previamente, data para realização de audiência de conciliação ou mediação nesta ação, diante do manifesto desinteresse já informado pelos entes públicos.

Intime-se a parte autora da presente decisão.

Cite-se a parte ré para contestar, no prazo legal.

Alegadas quaisquer das matérias enumeradas no art. 337 do CPC/2015, dê- se vista à parte autora por 15 dias, permitindo-lhe requerer a produção de outras provas, com a indicação do fato controvertido que pretende comprovar (art. 351 do CPC/2015).

Após, intime-se a ré para também indique a prova que ainda pretende produzir, com a indicação do fato controvertido que pretende comprovar.

Publique-se. Intime-se.

Belo Horizonte, na data do registro.

Marcelo Aguiar Machado

Juiz Federal Substituto

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