Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    Acesso aos autos: Conselho Federal aprova parecer de Toron inspirado em idéia pioneira de Fábio Trad

    há 16 anos

    Campo Grande (MS) – O Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou em sessão conduzida pelo presidente nacional da entidade, Cezar Britto, na segunda-feira (9), o ajuizamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do pedido de edição de uma súmula vinculante garantindo o acesso dos advogados aos autos de inquéritos policiais, mesmo quando tramitam em regime de sigilo e desde a fase de investigação. A edição da súmula servirá para acabar com o "calvário" dos advogados, conforme o autor da proposta, o secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB, Alberto Zacharias Toron, também relator da matéria que,no parecer,afirma que “tal posicionamento, isto é, o da utilização da Súmula Vinculante em prol da defesa, foi defendido pioneiramente pelo preclaro presidente da OAB-MS, Fábio Trad, e é, inquestionavelmente, ao menos por ora, o mais eficaz contra os abusos praticados”. Fábio Trad defendeu a proposta que inspirou Toron em artigo publicado no Boletim IBCCRIM nº 152 em julho de2005 (veja a íntegra do artigo no fim deste texto) .

    Os advogados hoje enfrentam negativas para acesso a autos de inquéritos, das delegacias às diversas instâncias judiciais, às quais precisam recorrer. O revisor da proposta, conselheiro federal da OAB por Rondônia, Orestes Muniz Filho, também acolheu integralmente os argumentos de Toron em seu parecer e apresentou um voto considerado "memorável" sobre a questão. "A atuação do advogado no inquérito policial é muito importante porque, muitas vezes, a sorte de um investigado pode estar selada no andamento do inquérito policial", salientou Toron, que também preside da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da OAB, ao defender a proposta de edição da súmula. "Mas o que acontece freqüentemente é que, quando procurado por alguém que está sendo investigado, o advogado vai à delegacia e, mesmo com procuração, não consegue ter acesso aos autos. Bate às portas do Judiciário e o juiz também nega, sob o argumento de que o interesse público na eficácia das investigações não poderia ficar sobrepujado no interesse do particular examinar os autos".

    De acordo com Alberto Toron e Orestes Muniz, é de suma importância que o Conselho Federal da OAB tome agora a iniciativa, legitimada pela lei e a Constituição Federal , de propor ao STF a edificação de uma súmula vinculante para permitir que o advogado, quando tiver negado seu pedido de acesso aos autos de um inquérito, não precise passar por todos os degraus de jurisdição - e só conseguir o acesso depois de percorrer todas as instâncias e chegar ao STF."Se o juiz desrespeitar a Súmula, uma vez editada pelo Supremo, o advogado poderá dirigir-se diretamente ao STF e reclamar o seu direito", destacou Toron.

    Os conselheiros Toron e Orestes Muniz elogiaram o fato de o plenário do Conselho Federal da OAB ter superado a preliminar levantada diante do fato de que a entidade, no passado, foi contra a criação do instituto da súmula vinculante, dentro da Reforma do Judiciário."A grande questão foi saber se a OAB poderia se utilizar desse instrumento agora e a resposta, com todo o respeito às opiniões divergentes, foi afirmativo: em primeiro lugar, o instituto está na Constituição , legitimado democraticamente, e está regulado por lei. E mais importante ainda: não podemos privar a democracia de um importante instrumento de defesa da liberdade e do devido processo legal e, sobretudo, de defesa das prerrogativas profissionais", observaram.

    Veja a íntegra do parecer aprovado pelo Conselho Federal:

    PROPOSTA DE AJUIZAMENTO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA EDIÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE

    A despeito da emblemática decisão da Primeira Turma do STF no habeas corpus n.º 82.354, reafirmando a “inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial”, muitos juízes, sobretudo os federais, continuam negando-a aos advogados dos investigados. Pesa dizê-lo, mas a decisão do Pretório Excelso nessa matéria vem sendo ignorada com freqüência e, quando não, é distorcida de tal maneira que chega a ter como conseqüência a negativa do direito de vista. Para tanto se tornou regra salientar que o acórdão do STF proferido no referido habeas atina com o advogado do indiciado e não o do “mero” investigado ou, por outra, que a diligência ainda está em andamento e, portanto, insusceptível de ser vista pelo advogado. Neste particular costuma-se destacar uma pequena parte da ementa que contém a seguinte ressalva quanto ao direito de vista do advogado: “O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf . L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório”.

    Foi por conta de outra negativa de vista, que, passados quase um ano da decisão da lavra do Ministro Pertence, impetramos, em outro caso, novo habeas com vistas a obter o direito de acesso aos autos. Com a liminar indeferida no TRF de Porto Alegre1 (4ª Região), batemos as portas do STJ, o qual negou seguimento ao habeas com fundamento na Súmula 691 do STF, que, por sua vez, inadmite o manejo do writ contra o mero indeferimento de liminar2. Por fim, contra essa decisão, apontando a manifesta ilegalidade do ato hostilizado, chegamos ao Supremo Tribunal, recaindo a relatoria sobre o Min. Celso de Mello3. O notável ministro, afastando a referida Súmula, proferiu decisão que não apenas honra e homenageia a advocacia, mas as melhores tradições da própria Suprema Corte. Ei-la:

    “DECISÃO: os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico.

    O caso ora em exame põe em evidência uma situação que não pode ocorrer, nem continuar ocorrendo, pois a tramitação de procedimento investigatório em regime de sigilo, ainda que se cuide de hipótese de repressão à criminalidade organizada (Lei nº 9.034 /95, art. , § 3º), não constitui situação legitimamente oponível ao direito de acesso aos autos do inquérito policial, pelo indiciado, por meio do Advogado que haja constituído, sob pena de inqualificável transgressão aos direitos do próprio indiciado e às prerrogativas profissionais de seu defensor técnico, especialmente se se considerar o que dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906 /94), em seu art. , incisos XIII e XIV.

    Os impetrantes esclarecem que se lhes negou acesso aos autos do inquérito policial, sob a alegação de que tal medida importaria em "ameaça ao objetivo das investigações", considerada a circunstância de que estas se processam em regime de sigilo.

    Entendo claramente evidenciado, na espécie, o abuso que se verificou, não só contra as prerrogativas profissionais dos Advogados regularmente constituídos, mas, sobretudo, contra os direitos que assistem ao indiciado, ainda que se trate de procedimento investigatório que tramite em regime de sigilo.

    Cabe relembrar, no ponto, por necessário, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em torno da matéria pertinente à posição jurídica que o indiciado ostenta em nosso sistema de direito positivo:

    "INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO.

    - O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto 'dominus litis' - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária.

    A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações.

    O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial."(RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

    Não custa advertir, como já tive o ensejo de acentuar em decisão proferida no âmbito desta Suprema Corte (MS 23.576/DF , Rel. Min. CELSO DE MELLO), que o respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério Público.

    Mesmo o indiciado, portanto, quando submetido a procedimento inquisitivo, de caráter unilateral, em cujo âmbito não incide a regra do contraditório (é o caso do inquérito policial), não se despoja de sua condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem necessariamente conformar-se ao que prescreve o ordenamento positivo da República.

    Esse entendimento - que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída sob a égide da vigente Constituição - encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio (ainda que se cuide de mera investigação conduzida sem a garantia do contraditório), enfatizam que, em tal procedimento inquisitivo, há direitos titularizados pelo indiciado que não podem ser ignorados pelo Estado.

    Cabe referir, nesse sentido, o magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE ("Garantias Constitucionais na Investigação Criminal", p. 74, item n. 4.2, 1995, RT); ADA PELLEGRINI GRINOVER ("A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade", in "A Polícia à Luz do Direito", p. 17, 1991, RT); ROGÉRIO LAURIA TUCCI ("Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro", p. 383, 1993, Saraiva); ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE ("O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos" , in "Justiça e Democracia", vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT); PAULO FERNANDO SILVEIRA ("Devido Processo Legal - Due Process of Law", p. 101, 1996 , Del Rey); ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR ("Inquérito Policial e Ação Penal", p. 60-61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e LUIZ CARLOS ROCHA ("Investigação Policial - Teoria e Prática", p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva), dentre outros.

    Impende destacar, ainda, que o Advogado do indiciado, quando por este regularmente constituído (como sucede no caso), tem o direito de acesso aos autos da investigação penal, não obstante em tramitação sob regime de sigilo.

    É certo, no entanto, em ocorrendo essa hipótese excepcional de sigilo, e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução, que o indiciado, por meio de seu Advogado, tem o direito de conhecer as informações "já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (...)" (HC 82.354/PR , Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei). Ve-se, pois, que assiste ao investigado, bem assim ao seu Advogado, o direito de acesso aos autos, podendo examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906 /94, art. , XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em decisões proferidas por esta Suprema Corte (Inq. 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MS 23.836/DF , Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a investigação, como no caso, esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do investigado, desde que por este constituído, poderá ter acesso às peças que digam respeito, exclusivamente, à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova já produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR , Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

    "Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. , XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade.

    A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF , art. , LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.

    O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf . L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência, a autoridade policial, de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório."(grifei).

    Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido de medida cautelar, em ordem a garantir, ao ora paciente, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso aos autos de inquérito policial no qual figura como investigado e em tramitação, presentemente, em regime de sigilo (Autos n.º n.º 1370-04-Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Curitiba/PR).

    Observo, por necessário, que este provimento liminar assegura, ao ora paciente, o direito de acesso às informações já formalmente introduzidas nos autos do procedimento investigatório em questão, excluídas, em conseqüência, nos termos do precedente referido (HC 82.354/PR , Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE),"as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso".

    Assinalo, ainda, que a presente medida cautelar garante o referido direito de acesso aos autos, não importando estejam eles na própria Polícia Federal ou em tramitação na 2º Vara Criminal Federal de Curitiba/Seção Judiciária do Estado do Paraná.

    Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao eminente Relator do HC 44.139/PR , ao E. TRF/4ª Região (STJ) (HC

    -0/PR), ao Senhor Diretor- -Geral do DPF, ao Senhor Superintendente Regional do DPF/PR e ao Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR (Autos n.º

    A decisão dispensa comentários, mas, não obstante sua clareza e vigor, é como se não existisse. De fato, tanto o mesmo juiz do Paraná continuou a praticar idêntico tipo de coação, quanto outros, na mesma linha, negaram vista dos autos de inquérito a advogados regularmente constituídos. Não é por acaso que o Supremo Tribunal Federal ostenta hoje uma pletora de julgados sobre o tema e com um importante detalhe: todos na mesma linha.

    No rumoroso caso do Inquérito 2.424-RJ, no qual um renomado Conselheiro desta casa atua como advogado de um dos investigados, houve o problema de vista dos autos do inquérito. O Delegado de Polícia Federal, malgrado quisesse ouvir os presos, não permitiu que os advogados tivessem acesso aos autos. Este Conselho Federal peticionou ao Relator do procedimento e o Ministro Cezar Peluso, em despacho lapidar, assentou:

    “ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. , LXIII , da CF , art. 20 do CPP , art. , XIV , da Lei n.º 8.906 /94, art. 16 do CPPM , e art. 26 da Lei n.º 6.368 /76. Precedentes. É direto do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela do interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte (HC n.º 88.190 , rel. Min. Cezar Peluso, DJ 6.10/06). No mesmo sentido, cf ., ainda, HC n.º 82.354 , rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.09.04; HC n.º 86059-MC , rel. Min. Celso de Mello, DJ30.6.05; HC n.º 88.520-MC , rel. Min. Ellen Gracie, DJ 25.4.06; HC n.º 90.232 , rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 2.03.07; HC n.º 87.827 , rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 23/06/06; e, ainda em decisão monocrática proferida pelo Min. Nelson Jobim, no HC n.º 87.619- MC , DJ de 01.02.06”.

    E o próprio pleno do STF se deparou com caso interessante, além de didático. No julgamento do HC n.º 88.520 do Amapá, sob a relatoria da preclara Min. Carmen Lúcia, S. Exa., propunha que se julgasse prejudicada a ordem, pois o objetivo nela perseguido já teria sido alcançado. No entanto, vencida S. Exa., o Plenário concedeu a ordem tendo em vista o “efeito educativo” da decisão, eis a ementa do que se decidiu:

    “HABEAS CORPUS – PREJUÍZO – AMBIGÜIDADE E NECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO. Surgindo ambíguo o prejuízo da impetração e sendo o tema de importância maior, considerado o Estado Democrático de Direito, impõe-se o pronunciamento do Supremo quanto à matéria de fundo.

    INQUÉRITO – SIGILO – ALCANCE – ACESSO POR PROFISSIONAL DA ADVOCACIA. O sigilo emprestado a autos de inquérito não obstaculiza o acesso por profissional da advocacia credenciado por um dos envolvidos, no que atua a partir de visão pública, a partir da fé do grau detido” (DJ de 19/12/07).

    Tudo em vão, pesa dizê-lo novamente! A cada Mega-Operação da Polícia Federal juízes mandam prender temporariamente, buscar e apreender e, na seqüência, os Delegados Federais querem ouvir os presos. A vista dos autos aos advogados constituídos, porém, é negada. Chega a ser odioso o desdém para com as decisões do STF que firmam claramente a inoponibilidade do sigilo ao advogado e, mais que isso, para com as próprias garantias democráticas. Tanto é assim que em recente decisão da Col. 1ª Turma (18/3/08) o STF, pela voz do eminente Ministro Março Aurélio, no julgamento do HC n.º 92.331 , reafirmou que a autoridade não pode querer ouvir alguém sem lhe franquear o acervo reunido nas escutas e disse, verbis: “a busca de parâmetros não pode conduzir a manter-se, quando já compelido certo cidadão a comparecer para ser interrogado, ou para prestar esclarecimentos, o óbice ao acesso aos fatos que estariam a impeli-lo a tanto” .

    No caso em comento, o subterfúgio para se negar vista dos autos foi o de que “a própria justiça paraibana negou o acesso da defesa a essas escutas, alegando a necessidade de preservar as investigações, porque ainda estariam em curso, mesmo tendo os investigados sido chamados para um interrogatório” (site do STF, idem), mas, prossegue o ministro, “se já existem indícios para se convocar alguém a depor, deve-se dar acesso, à defesa do investigado, às informações que motivaram essa convocação”.

    No noticiário do site do STF, retratando o debate que se estabeleceu entre os ministros e o conteúdo do voto do Ministro Março Aurélio, vem explicitado o seguinte: “O inquérito policial é um procedimento administrativo, não um processo, mas deve também respeitar os direitos fundamentais do indiciado, como os de poder manter-se em silêncio, não produzir provas contra si mesmo, bem como o amplo acesso aos autos. “Fora disso é inaugurar época de suspeita generalizada, de verdadeiro terror”, frisou o relator, lembrando do escritor Franz Kafka, que em seu livro “O Processo” retrata exatamente a vida de um personagem que passa a ser investigado, sem, contudo, ser informado ou ter conhecimento dos motivos dessa investigação.

    O sigilo pode estar ligado às diligências, às investigações em andamento, disse o ministro. Mas, a partir do momento em que as informações passam a fazer parte dos autos – gravações e degravações de grampos legais, inclusive –, deve-se dar amplo acesso à defesa, sob pena de ferir de morte o devido processo legal. O ministro votou no sentido de atender ao pedido da defesa, integralmente, e conceder a ordem de Habeas para permitir o amplo acesso da defesa às peças constantes do inquérito.

    Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito disse entender que a interceptação telefônica, mesmo sendo legal, permite abusos que devem ser combatidos. Ele salientou que negar à parte o acesso aos dados obtidos dessa forma é cercear seu direito de defesa.

    Aquilo que já não é objeto de diligência, já estiver completado e juntado aos autos do inquérito, são peças públicas, acrescentou a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, também acompanhando o voto do relator para deferir o habeas corpus. Ela lembrou que mesmo em se tratando de inquéritos que estejam correndo sob segredo de justiça, esse sigilo não se aplica às partes, que devem ter amplo acesso a todas as peças.

    Já o ministro Ricardo Lewandowski lembrou notícia veiculada hoje nos principais veículos de imprensa, que trata exatamente do aumento de interceptações telefônicas legais no país. Para o ministro, o STF precisa estabelecer as balizas para esse procedimento. Ele votou pelo deferimento da ordem.

    O último a votar, também acompanhando o relator, foi o ministro Carlos Ayres Britto, para quem todas as peças que são juntadas aos autos, em um inquérito, passam a ser cobertos pelo princípio da comunhão das provas. “O que vem para os autos torna-se público, está sob as vistas do investigado”, disse Britto, ressaltando o caráter constitucional desse entendimento” (site do STF, notícias de 18/3/08).

    A recorrência do assunto na Suprema Corte, torna presente o temor de que “as diligências em andamento” ou o uso da expressão “indiciado” (como a única condição que permitiria o acesso aos autos pelo advogado) constituam-se em válvulas de escape para se subtrair dos advogados constituídos pelos investigados o direito de examinar inquéritos gravados pelo sigilo. Não é por outra razão que o assunto volta e meia retorna à baila e no Mandado de Segurança nº. o desembargador federal Cotrim Guimarães, do Tribunal Regional da 3ª Região, em sucessivas liminares, aclarou que os advogados constituídos pelo investigado têm o direito de (i) examinar e copiar os autos do inquérito (ii) ainda que estes estejam cindidos, estando parte na polícia federal e parte em juízo e (iii) sem exclusão dos apensos.

    Por outro lado, colocando uma pá de cal no assunto do investigado X indiciado, o Ministro Hamilton Carvalhido, em decisão monocrática exarada em habeas corpus impetrado contra o indeferimento de liminar em outro habeas impetrado perante o TRF da 4ª Região5, por reconhecer que a pessoa convocada para depor não é testemunha e nem vítima e, portanto, é, no mínimo, averiguada, deferiu liminar para que os seus advogados constituídos possam examinar os autos. No expressivo dizer do Ministro: “A falta de indiciação formal ou ato de autoridade policial a tanto dirigido não exclui, a nosso ver, a garantia legal e constitucional do direito de acesso a autos de inquérito, que se há de ter como deferida aos investigados, já indiciados ou não, instrumental àqueloutra do direito à “assistência técnica por advogado”, pena de reduzir-se a um nada, casos tais, a tutela da liberdade”6.

    A decisão em causa dá a correta solução aos casos nos quais, “espertamente”, a autoridade deixa o cidadão numa situação indefinida para impedir o acesso aos autos pelo advogado constituído. O ponto central da decisão é o reconhecimento de que não ostentando o cidadão convocado a condição de testemunha ou a de vítima, tem o direito, por meio de seus advogados constituídos, de examinar o inquérito policial sob sigilo.

    Enfim, todos os casos examinados põem a nu o verdadeiro calvário por que passam os advogados em matéria do exercício da profissão ou, noutras palavras, uma inaceitável violação à garantia do direito de defesa que nasce para o investigado desde a fase do inquérito policial. Aliás, não por acaso, tem o direito desde o flagrante de constituir advogado e este o direito/dever de orientá-lo a permanecer calado como se extrai do art. , inciso LXIII , da Constituição Federal .

    Em conclusão, como já exprimi em outro trabalho escrito com a advogada Alexandra Lebelson Szafir, “inquéritos secretos não se compatibilizam com a garantia de o cidadão ter ao seu lado um profissional para assisti-lo quer para permanecer calado quer para não se auto-incriminar (CF , art. , LXIII). Portanto, a presença do advogado no inquérito e, sobretudo, no flagrante não é de caráter afetivo ou emocional. Tem caráter profissional, efetivo, e não meramente simbólico. Isso, porém, só ocorrerá se o advogado puder ter acesso aos autos. Advogados cegos, blind lawyers, poderão, quem sabe, confortar afetivamente seus assistidos, mas, juridicamente, prestar-se-ão, unicamente, a legitimar tudo o que no inquérito se fizer contra o indiciado”7.

    Assentadas tais premissas, resta saber o que fazer? Para o Conselho Federal, atuar pontualmente em cada caso que nos chega como temos feito até agora, além de ser insatisfatório, tem revelado uma funesta reiteração das condutas violadoras das prerrogativas profissionais dos advogados em torno da mesma matéria. Assim é preciso pensar num mecanismo que tenha amplo alcance e garanta a prerrogativa do advogado que, no caso, dá vida a uma garantia constitucional.

    Embora no passado, quando dos debates legislativos, este Conselho tenha se posicionado contra o instituto da Súmula Vinculante, hoje esta é uma realidade com assento constitucional e legal. Portanto, a despeito das idiossincrasias pessoais, pode e deve ser utilizada em prol da defesa e, em última análise, do interesse público que as prerrogativas consubstanciam como muito bem salientou o min. Celso de Mello no prefácio ao “Prerrogativas profissionais dos Advogados”8. Tal posicionamento, isto é, o da utilização da Súmula Vinculante em prol da defesa, foi defendido pioneiramente pelo preclaro presidente da OAB-MS, Fábio Trad e é, inquestionavelmente, ao menos por ora, o mais eficaz contra os abusos praticados. Claro está que a proposta em foco não afasta outras providências, como por exemplo, as que atinam com representações por abuso de autoridade, ou outras perante o CNJ.

    Nessa conformidade, por estar presente o requisito do art. da Lei Federal n.º 11.417 de 19 de dezembro de 2006 e considerando a legitimação ativa deste Conselho Federal (art. 3º, V, do mesmo diploma), proponho que se submeta ao Col. Supremo Tribunal Federal a necessidade da edição de uma Súmula Vinculante em torno da questão do acesso aos autos de inquérito policial gravado pelo sigilo pelo advogado do investigado. É o voto.

    Brasília, 30 de março de 2008.

    Alberto Zacharias Toron

    Secretário-Geral Adjunto do Conselho Federal

    VEJA a íntegra do artigo de Fábio Trad que inspirou a proposta de Toron:

    (Artigo publicado no Boletim IBCCRIM nº 152 - Julho / 2005)

    A súmula vinculante pro reo (um instrumento a favor da liberdade) - por Fábio Trad

    Sonhar é preciso porque nos recorda a realidade que precisa ser vivida. Os juristas sonhamos e por isso vivemos, mas a realidade insiste e, na maioria das vezes, a sua poderosa força dobra o espírito, entorpecendo a vontade.

    Urge, entretanto, retemperar os ânimos e fortalecer a militância. Neste passo, uma das formas de transcender o pensamento estéril é dilacerar a grossa camada de me­do que nos impede de criar. Claro, o preço do sono é a segurança, mas a Vida é uma constante guerra de vencidos e derrotados. Os vencidos, entretanto, entenderam o Trágico e tentaram justificar esteticamente a sua existência; já, os derrotados, gozam-se com as sombras da caverna...

    Lateja vida no Conhecimento e o impulso da criatividade, saudavelmente autoritário, nos impele à Razão como escudo de defesa.

    A história é mais ou menos assim:

    a) Fato 1: O plenário do Supremo Tribunal Federal (HC nº 81.611) decidiu que os crimes previstos no art. 1ºº da Lei nº 8.13777 /90 são materiais, portanto consumam-se com a supressão ou redução do tributo. Conseqüência: antes de exaurido o processo administrativo-fiscal com a declaração de exigibilidade da obri­ga­çãotributária, não se pode falar no elemento normativo do tipo denominado tributo, inexistindo crime.

    Entretanto, existe uma enorme resistência por parte das instâncias inferiores em adotar o posicionamento da excelsa corte, sob o argumento pueril da independência entre as instâncias administrativa e penal.

    Em virtude desta resistência que prolonga desnecessariamente (não sem uma ponta de inconsciente sadismo judicial) o sofrimento de muitas pessoas, a liberdade está sendo sacrificada no altar de uma burocracia esquizofrênica e kafkiana. A justificativa dos que resistem à orientação do plenário do STF (a liberdade de consciência do julgador) é pálida quando confrontada com os valores sacrificados (dignidade e liberdade).

    b) Fato 2: O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça são confluentes em conferir efeito retroativo à aplicação do art. , § 2º , da Lei nº 10.684 /2003 em favor dos réus que pagam integralmente seus débitos tributários e previdenciários, operando-se a extinção da punibilidade. Antes da lei, a extinção da punibilidade só ocorria quando o pagamento fosse efetuado antes do início da ação fiscal; agora, a qualquer tempo, desde que haja o pagamento integral, impõe-se a extinção da punibilidade. Pois bem, o STJ no HC nº 37.627/SP , REsp. nº 656.621-RS e HC nº 36.199/SP (e outros mais) e o STF no HC nº 81.929 -0 não tergiversam e reconhecem a extinção da punibilidade.

    Entretanto, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região resiste “anti-heroicamente”, apegando-se a sombras de um corpo ausente... Sustenta, por exemplo, que, muito embora a lei nova explicite o art. 168-A do CP como tipo inserido em sua abrangência, não faz alusão a indistinto débito previdenciário, mas apenas ao débito previdenciário patronal! O STJ, reiteradas vezes, afastou este argumento, mas, não obstante o posicionamento de ambas as cortes (STJ e STF), o TRF da 3ª Região insiste em reafirmar a posição oposta para o desespero de todos quantos sonham em imprimir o mínimo de racionalidade ao sistema hierárquico da jurisprudência brasileira.

    Ora, impetra-se um habeas corpus perante o tribunal de 2ª instância, sustentando direito que o Supremo Tribunal Federal assegurou em favor de outros pacientes. A liminar é indeferida. Espera-se a publicação da liminar. Dela não se pode recorrer. Aguarda-se o julgamento do mérito. Tempo. Denega-se a ordem. Mais tempo aguardando a publicação do acórdão. Ao Superior Tribunal de Justiça, a mesma toada: liminar, liminar negada; mérito, mérito negado; publicação do acórdão. Tempo, tempo, tempo. Muito tempo. Mas desde o início do primeiro passo, já se sabia que o direito seria assegurado pelo Supremo Tribunal Federal.

    Qual é o sentido dessa aventura, senão a ilustração de um drama kafkiano em que a coisificação do homem se mistura ao desprezo da Razão?

    A dignidade humana é o fundamento. A liberdade é um bem jurídico primordial. Prestigiá-los é dever constitucional.

    Se no âmago da estrutura que se quer mais próxima do ideal, constata-se um ponto que entrava o livre fluxo para a sua finalidade, o ato de tentar removê-lo traduz compromisso com a defesa de sua própria essência.

    Enfatiza-se: não soa bem a passividade dos juristas diante da perspectiva de reduzir o sofrimento (em última instância, Direito é Dor) de milhares de pessoas presas e processadas criminalmente, que são condenadas a penarem na terrífica senda da máquina judiciária brasileira à espera de um julgamento que lhes será tão benéfico quanto insuportável e irracionalmente demorado, além de injusto...

    O vício diagnosticado não é incurável.

    A súmula vinculante é um fato, entretanto em Direito Penal causa espécie falar dela, pois o que está em jogo é a liberdade. Não faltam autores que tangenciam a histeria e pregam o extermínio intelectual de quem sustenta a compatibilidade da súmula vinculante com o Direito Penal.

    Basta de apriorismos!

    Por que não se pensar em fazer da súmula vinculante um instrumento comprometido com a liberdade, legitimado constitucionalmente na esteira do princípio do favor rei e do ideário garantista?

    A “súmula vinculantepro reo” em matéria penal flui na mesma direção da correnteza que legitima a prevalência do jus libertatis sobre o jus puniendi em hipóteses irredutíveis (in dubio pro reo; escusas absolutórias; revisão criminal pro reo; perdão judicial; vedação da reformatio in pejus, etc.).

    Ora, se a instituição da súmula vinculante pretende fundamentalmente opor-se à morosidade, ganharia tônus ético se a esta finalidade fosse acrescida a defesa do valor liberdade, a principal sacrificada pela irracionalidade desta famigerada câmara de espera que, no plano simbólico, recorda o purgatório.

    O processo criminal estigmatiza, atormenta e ameaça. Com a “súmula vin­culantepro reo”, abre-se ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de tornar-se, em certo sentido, fonte irradiadora de uma política criminal garantista e racionalizadora do poder punitivo, anulando os efeitos negativos da persistência de um processo criminal de desfecho previsível.

    A história poderia ser diferente. Impetra-se um habeas corpus perante um tribunal de 2ª instância e, invocada a súmula, garante-se, desde logo, ao acusado o direito que lhe foi negado, subtraindo de seu destino a punitiva espera que a burocracia judiciária brasileira lhe impõe sem qualquer foro de razoabilidade.

    À luta, pois!

    (Fábio Trad- Advogado, professor mestre de Direito Penal e Direito Penal Econômico da Universidade Católica Dom Bosco e Instituto Meritum - Mato Grosso do Sul, mestre e coordenador regional do IBCCRIM em Mato Grosso do Sul e vice-presidente regional da Associação Internacional de Direito Penal – Brasil)

    • Publicações13065
    • Seguidores101
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações141
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/acesso-aos-autos-conselho-federal-aprova-parecer-de-toron-inspirado-em-ideia-pioneira-de-fabio-trad/27502

    Informações relacionadas

    Romerson Wilson Galvão Fonseca, Advogado
    Modeloshá 3 anos

    Inclusão de apelido público ao nome

    Asenete Gomes Galdino Reboucas, Advogado
    Modeloshá 6 anos

    Modelo ação retificação de nome

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)