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17 de Maio de 2024
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    Depositário judicial infiel. Constitucionalidade.

    há 15 anos

    Depósito judicial e prisão civil do depositário infiel: análise do julgamento do RE 466343/SP

    Elpídio Donizetti

    Resumo: Este trabalho pretende analisar, criticamente, o recente julgamento do STF acerca da inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel e, ao mesmo tempo, traçar, com base na orientação dessa Corte, as balizas que deverão nortear a conduta dos magistrados, advogados e credores quando constatada a infidelidade do depositário judicial.

    Palavras-chaves: Depositário judicial infiel. Constitucionalidade.

    Sumário: 1 Introdução. 2 Da (in) constitucionalidade da prisão civil do depositário judicial infiel. 3 Conclusão: breve roteiro a ser seguido quando constada a infidelidade do depositário judicial.

     Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) e autor, entre outras obras, do Curso Didático de Direito Processual Civil, 11ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009; O Novo Processo de Execução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; Redigindo a Sentença Cível, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; Para passar em Concursos Jurídicos questões objetivas com gabarito e justificação. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009 e A Última Onda Reformadora do Código de Processo Civil . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

    1 INTRODUÇAO

    Questão que sempre gerou polêmica na doutrina e principalmente na jurisprudência pátria é a possibilidade de prisão civil do depositário infiel.

    Recentemente, o Supremo Tribunal Federal parece ter pacificado a questão. Trata-se do julgamento do RE 466343/SP , finalizado em 03/12/2008.

    Ao longo desta exposição, faremos uma análise crítica acerca desse julgado e proporemos um roteiro que, a partir da decisão do STF, deverá balizar a conduta dos juízes, advogados e credores quando constatada a infidelidade do depositário judicial e mesmo antes da nomeação do depositário, com vistas a evitar a infidelidade.

    2 DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO JUDICIAL INFIEL.

    O art. , LXVII , da CF/88 admite a prisão civil em duas hipóteses: a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

    Ocorre que o Brasil, por via do Decreto 678 /1992, ratificou, em 25/09/1992, o Pacto de São José da Costa Rica, com início de vigência no território nacional em 06/11/1992, o qual admite a prisão por dívidas apenas do devedor inescusável de alimentos (art. 7º).

    A divergência entre o disposto no Pacto São da Costa Rica e o art. , LXVII , da CF/88 , acirrou a discussão acerca de qual seria a hierarquia das normas internacionais quando integradas ao ordenamento jurídico interno se assumiriam status de normas constitucionais ou infraconstitucionais e, via de consequência, se ainda permanecia válida a prisão civil do depositário infiel.

    Com o julgamento do RE 466343/SP , finalizado em 03/12/2008, o STF parece ter pacificado a questão.

    Inicialmente, deve-se observar que o objeto do mencionado recurso extraordinário era a constitucionalidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária, que se equipararia à figura do depósito contratual. Não obstante, a decisão proferida repercute em todas as espécies de depósito.

    Segundo o Min. Gilmar Mendes, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos integrados ao ordenamento jurídico interno sem o quorum qualificado do 3º do art. da CF teriam caráter supralegal, ou seja, não alterariam o texto constitucional , mas se sobreporiam às normas infraconstitucionais. Dessa forma, a subscrição pelo Brasil dos tratados internacionais sobre direitos humanos torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. É o que teria ocorrido com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-lei nº 911 /69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei nº 10.406 /2002).

    A manifestação do Min. Gilmar Mendes foi acompanhada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.

    Os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie, por sua vez, reconheceram não a supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, em especial o Pacto São José da Costa Rica, mas o status constitucional de tais normas .

    Quer tenha status constitucional, quer tenha status supralegal, o fato é que, com base no novo entendimento do STF, não mais há substrato legal para se decretar a prisão civil do depositário infiel quer seja contratual ou judicial o depósito.

    Como desdobramento do entendimento acima esposado, a Suprema Corte deliberou pela revogação da Súmula 619 , que admitia o decreto da prisão civil do depositário judicial infiel no mesmo processo em que constituído o encargo .

    Com relação à prisão civil decorrente do depósito contratual típico ou da alienação fiduciária, não há qualquer discussão. Em se entendendo que o Pacto São José da Costa Rica só admite prisão civil por dívida no caso de inadimplemento de prestação alimentícia, e que o tratado se sobrepõe à legislação infraconstitucional e isso ficou assentado no julgamento do STF , de fato não mais há amparo legal para a prisão decorrente de relação material de cunho privado.

    No entanto, com relação aos depósitos judiciais, a tese perfilhada pela Suprema Corte brasileira não nos parece a mais adequada.

    A bem da verdade, a recente decisão do STF está na contramão da linha adotada pela última onda reformadora do Código de Processo Civil , cujo escopo foi conferir maior celeridade e efetividade ao procedimento executivo e, para tanto, previu medidas coercitivas até para condutas antes reputadas legítimas, como, por exemplo, para o caso de o executado sonegar bens sujeitos à execução (arts. 652 , , 656 , , c/c art. 14 , parágrafo único , do CPC). Ora, a possibilidade de se aplicar pena de prisão constitui importante instrumento para se coibir a má-fé daqueles depositários que, maliciosamente, poderiam se desfazer de bens constritos, retardando ou até inviabilizando, com isso, a satisfação do crédito.

    Mas não é só. A meu juízo, os eminentes ministros laboraram em equívoco na exegese do art. 7º da Carta de São José da Costa Rica, que, conforme já afirmado, veda a prisão por dívidas, ou seja, por débito inadimplido, exceto a resultante de alimentos. Entretanto, nem de longe o depósito judicial pode ser tido como dívida.

    Ao contrário do depósito contratual ou equiparado, o depósito judicial é relação típica de direito público e de caráter processual, estabelecida entre o juízo da execução e o depositário judicial dos bens penhorados. Nessa modalidade de depósito, o juiz confia ao depositário que necessariamente não há que coincidir com a pessoa do devedor, portanto, às vezes, sequer no plano subjacente se pode falar em débito a guarda dos bens apreendidos em decorrência de penhora, sequestro, arresto ou outro ato judicial constritivo, com intuito de preservá-los, a fim de assegurar a efetividade do processo.

    Diversamente do que ocorre no depósito contratual, inclusive o decorrente de alienação fiduciária, assume o depositário judicial, na qualidade de auxiliar do juízo, um munus público, e é exatamente esse vínculo funcional existente entre juízo e depositário que, desde priscas eras, tem justificado o decreto de prisão, constada a infidelidade desse servidor público por equiparação.

    Repise-se, porquanto nisso reside o ponto fulcral desta breve análise, o art. 7º do Pacto de São José de Costa Rica veda, tão-somente, a prisão de devedor, ou seja, daquele que tem débito decorrente de relação material (de regra, contratual), o qual em nada se confunde com a figura do depositário judicial, que, em virtude da assinatura do termo de depósito, não assumiu qualquer dívida, mas o munus de conservar e restituir a coisa, sob pena de infidelidade e, consequentemente, de prisão.

    Aliás, o disposto no tratado internacional não impede sequer que o depositário judicial infiel responda penalmente pelo crime de peculato, tipificado no art. 312 do Código Penal , uma vez que, para efeitos penais, considera-se funcionário público quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerça função pública (art. 327).

    Destarte, por originar-se de indevido exercício de munus público, e não de relação contratual, a hipótese de prisão civil do depositário judicial infiel regulamentada pelo art. 666 , do CPC não foi derrogada pelo Pacto São José da Costa Rica.

    Dessa forma, a orientação adotada no RE 466343/SP não pode prevalecer com relação aos depósitos judiciais, sendo constitucional a decretação da prisão civil do depositário judicial infiel, permanecendo, a nosso ver, válido o teor da Súmula 619 do STF .

    3 CONCLUSAO: BREVE ROTEIRO A SER SEGUIDO QUANDO CONSTATADA A INFIDELIDADE DO DEPOSITÁRIO JUDICIAL

    Em que pesem as críticas apresentadas, sabemos todos nós que a lei é aquilo que os tribunais em especial o STF dizem que o é. E o STF entendeu que, no Brasil, só cabe prisão civil decorrente do não-pagamento de pensão alimentícia. Assim, ao menos por enquanto, ao que tudo indica, Inês é morta. Nos autos do processo civil, não há possibilidade de decretar a prisão do depositário judicial infiel. Nada impede evidentemente que amanhã o Supremo ressuscite e reveja o entendimento assentado. Aliás, entre outras, essa permanente possibilidade de revisão dos precedentes é que nos motiva a tecer críticas, construtivas e respeitosas, às decisões da mais alta Corte de Justiça deste país.

    À guisa de conclusão é de se indagar: e então, nós que estamos perto dos fatos e que, por isso mesmo, enxergamos e sentimos os reflexos da má-fé de alguns depositários judiciais, o que devemos fazer diante da inexorabilidade do mencionado precedente? Qual seria, então, a postura a ser adotada pelos credores, advogados, juízes e promotores de justiça quando constatada a infidelidade do depositário judicial?

    Adianto que a despeito da extensão que o STF emprestou à vedação da prisão por dívidas, os depositários judiciais não estão à vontade para dissiparem bens cuja guarda foi-lhes confiada.

    Ante o sumiço do bem depositado, e impossível o decreto prisional, que, como num passe de mágica, comumente tinha o condão de fazê-lo aparecer, caberá ao credor, se houver interesse, optar por indicar outro bem do devedor à constrição ou prosseguir nos próprios autos contra o depositário infiel, a fim de obter dele indenização pelo valor equivalente ao bem antes constrito. Em qualquer das hipóteses, deverá o juiz remeter cópia de peças dos autos ao Ministério Público, para oferecimento de denúncia contra o depositário infiel, por peculato. É a forma de remediar, de correr atrás do prejuízo.

    Antes, porém, que o leite derrame, com a nova orientação do STF, redobrada deve ser a atenção dos juízes ao nomearem os depositários. Mais do que nunca, será imprescindível a prévia certificação da idoneidade financeira do depositário, possibilitando o contraditório principalmente pelo credor, que poderá se opor à nomeação. Dificilmente o bem ficará com o devedor, a menos que preste caução. Isso porque, como não pagou a dívida reconhecida no título executivo, a presunção relativa, evidentemente é de que não goza de idoneidade financeira.

    O tiro, portanto, acaba por sair pela culatra. Aparentemente a decisão no RE 466343/SP beneficia o devedor, mas, na prática, irá prejudicá-lo, porquanto, a não ser excepcionalmente, ficará na guarda do bem apreendido. O mais prejudicado, todavia, é o credor, que verá postergada, quiçá inviabilizada, a satisfação de seu crédito.

    Fonte: ANAMAGES - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/depositario-judicial-infiel-constitucionalidade/606201

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