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16 de Junho de 2024
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    Juiz homenageia Dia Internacional da Mulher e presa doente irá cumprir pena domiciliar

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Presa com grave problema de saúde tem o direito de cumprir pena em sua casa para buscar o melhor tratamento. Com esse entendimento, o Juiz de Direito e colunista no Justificando, João Marcos Buch, responsável pela Vara de Execuções Penais de Joinville, no interior de Santa Catarina, deferiu o pedido de uma reeducanda. A decisão foi proferida hoje, 8, no Dia Internacional da Mulher e conteve uma série de homenagens à data.

    O caso trata de uma mulher que se apresentou espontaneamente para ser presa, mas que possuía um grave doença no coração. Ela requereu o direito para cumprir pena domiciliar para que pudesse ter acesso ao melhor tratamento à sua condição.

    Na decisão, Buch concedeu o direito com base na Lei de Execucoes Penais, que trata do direito à prisão domiciliar quando a apenada é acometida por doença grave. Por ser Dia Internacional da Mulher, o magistrado fez suas considerações acerca do lugar que as presas vêm ocupando no sistema penitenciário nacional para então concluir que elas são, atualmente, as que mais sofrem.

    “Já não se fala mais em luta por direitos iguais, mas sim em respeito aos direitos iguais. Porém é preciso mais, especialmente nos setores carentes da sociedade, especialmente no sistema penitenciário, tão precário e violador que, ressalvadas algumas ilhas de boa gestão, não recupera, não resgata, apenas reproduz violência. Num céu de tempestades, os raios das prisões talvez sejam os que mais racham e ferem nosso país. A mulher, nessas tormentas, é a que mais sofre” – afirmou.

    Veja a sentença na íntegra

    Neste dia 8 de março, DIA INTERNACIONAL DA MULHER, mais do que nunca é preciso eternizar o olhar para todas as mulheres, sem restrições. A civilidade já alcançou padrões notáveis. Já não se fala mais em luta por direitos iguais, mas sim em respeito aos direitos iguais. Porém é preciso mais, especialmente nos setores carentes da sociedade, especialmente no sistema penitenciário, tão precário e violador que, ressalvadas algumas ilhas de boa gestão, não recupera, não resgata, apenas reproduz violência. Num céu de tempestades, os raios das prisões talvez sejam os que mais racham e ferem nosso país. A mulher, nessas tormentas, é a que mais sofre. Que então ao menos se permita a ela que continue sendo mulher, linda mulher, no sentido mais profundo e histórico que isso significa. É assim que se resgata a dignidade humana, é assim que se resgata a dignidade de toda uma nação.

    VISTOS NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER

    Trata-se da comunicação da prisão nesta Comarca da reeducanda C.F.S., a qual entregou-se voluntariamente com a intenção de buscar auxílio médico ao seu grave problema de saúde.

    A pena imposta é de 6 anos de reclusão em regime inicial semiaberto e a execução penal tramita na Comarca de Porto Alegre (fls. 4-5).

    Ao Ministério Público foi oportunizada vista ampla e integral dos autos no prazo legal, tendo postulado pela realização de nova perícia médica, com resposta a quesitos diversos.

    Nesta data, em inspeção deste juiz no Presídio Regional de Joinville e entrada na galeria onde vivem as mulheres que estão presas, tento o “Dia Internacional da Mulher” como motivação, a detenta apresentou o formulário retro, onde novamente pediu a concessão da prisão domiciliar.

    É a síntese do necessário.

    Dada a situação da reeducanda e considerando que Juízo solicitou o encaminhamento da execução penal, aceitando assim a competência, passo a decidir.

    Preambularmente, cumpre lembrar a lição do criminologista norueguês Nils Christie, para quem o nome da disciplina “Direito Penal” deveria ser alterado para “Direito da Dor”, porque “a dor e o sofrimento desapareceram dos manuais jurídicos, mas, como é natural, não desapareceram da experiência dos apenados” (Limites à dor: O Papel da Punição na Política Criminal. Pelo Horizonte: Ed. D’Plácido, 2016, pág.20). E neste ponto é preciso lutar para reduzir a dor, cujas regras são: “na dúvida, não cause dor. (…) inflija o mínimo de dor possível. Procure alternativas à pena, não somente penas alternativas. (…) A tristeza é inevitável, mas não o inferno criado pelo homem”(idem: págs. 25-6).

    Ainda assim, diante da situação consolidada e das milhares de pessoas presas no país, é preciso jurisdicionar e buscar de todas as formas uma redução no dano prisional e da dor, para isso continuando a acreditar que a pena precisa respeitar a dignidade da pessoa humana.

    Tarefa árdua essa, pois há uma tentativa generalizada de ignorar essa tragédia carcerária e a aplicação desse direito penal da dor. Aliás, “Os juízes não gostam de condenar pessoas à dor. Preferem dizer que condenaram à várias “medidas”. As instituições não gostam de serem consideradas ou autoconsideradas como causadoras de dor”(ibidem: pág.30).

    Mas, nada obstante todos os obstáculos, repita-se: é preciso jurisdicionar.

    Dito isto, adentra-se no mérito da questão posta nestes autos, a prisão domiciliar em razão da saúde.

    Dispõe o art. 117 da LEP: “Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV – condenada gestante“.

    Dito isto, verifica-se que para o deferimento do pleito, necessária se mostra a verificação do binômio necessidade – inadequabilidade, onde a necessidade se consubstancia em questões de ordem humanitária (saúde e outros), observáveis somente concretamente, e a inadequabilidade carcerária na manutenção do reeducando nos ditames externados pela superveniência das novas condições oriundas da necessidade. Por óbvio que aquela se condicionará às condições desta.

    No caso em espécie, o pressuposto da necessidade encontra-se sobejamente comprovado através do laudo pericial de fls. 43-5, havendo notícia de que a reeducanda sofre de cardiopatia congênita e faz uso de marca-passo com bateria com prazo de validade ultrapassado.

    Por sua vez, a inadequabilidade, ao que consta, encontra-se demonstrada, pois o perito médico esclareceu que a condição da reeducanda é grave e potencialmente fatal, demandando atendimento médico especializado e urgente, seguido de acompanhamento médico rigoroso, sob o risco de óbito súbito.

    Com efeito, pela precariedade do estado de saúde do (a) reeducando (a), da situação prisional a que se acha submetido (a), quer parecer que há violação à norma constitucional que determina, ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (artigo , inciso XLIX, da Constituição Federal).

    Principalmente, a amparar estes direitos, encontra-se o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).

    Ademais, o art. 40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art. 41, VII, do mesmo Diploma.

    E mais, atualmente o próprio Código de Processo Penal veio a disciplinar a prisão domiciliar para presos, sejam provisórios ou condenados.

    Dispõe o CPP:

    Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.” (NR)

    Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

    I – maior de 80 (oitenta) anos;

    II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;

    III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

    IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

    IV – gestante;

    V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

    VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

    Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”

    Destarte, antes a previsão de prisão domiciliar era apenas para reeducandos em cumprimento de pena em regime aberto (art. 117, da LEP). Agora, com este dispositivo a prisão domiciliar será possível para os presos provisórios e por óbvio também a todos os demais presos, independentemente do regime, com requisitos como se ve mais flexíveis.

    Outro caminho não resta, por uma questão humanitária assim, que não seja o da concessão da prisão domiciliar. Somente desta forma a reeducanda poderá buscar o atendimento médico urgente que necessita.

    Registre-se que este Juízo, ao decidir pela prisão domiciliar da detenta, de 27 anos, que voluntariamente se entregou na Justiça para cumprir sua reprimenda (cujo mandado de prisão é valido tão somente até 20.10.2017 – fl. 4), assim o faz porque compreende a responsabilidade histórica do Poder Judiciário para com o padrão ético decorrente da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim o faz porque compreende a necessidade de fortalecimento das instituições, no sentido de dar concretude aos direitos e garantias fundamentais. Assim o faz porque exerce sua prerrogativa constitucional irrenunciável da jurisdição.

    Aliás hoje, 8 de março, é o DIA INTERNACIONAL DA MULHER, cuja ideia de criação surgiu há mais de um século, decorrente das lutas femininas por melhores condições de vida e trabalho. Por este motivo este Juiz na inspeção ordinária que realizou nesta data no Presídio Regional de Joinville, decidiu, como observado acima, adentrar nas galerias femininas.

    Neste dia 8 de março, DIA INTERNACIONAL DA MULHER, mais do que nunca é preciso eternizar o olhar para todas as mulheres, sem restrições. A civilidade já alcançou padrões notáveis. Já não se fala mais em luta por direitos iguais, mas sim em respeito aos direitos iguais. Porém é preciso mais, especialmente nos setores carentes da sociedade, especialmente no sistema penitenciário, tão precário e violador que, ressalvadas algumas ilhas de boa gestão, não recupera, não resgata, apenas reproduz violência. Num céu de tempestades, os raios das prisões talvez sejam os que mais racham e ferem nosso país. A mulher, nessas tormentas, é a que mais sofre. Que então ao menos se permita a ela que continue sendo mulher, linda mulher, no sentido mais profundo e histórico que isso significa. É assim que se resgata a dignidade humana, é assim que se resgata a dignidade de toda uma nação.

    Ex positis:

    I. Indefiro o requerimento do Ministério Público para realização de nova perícia médica, pois os autos já estão suficientemente instruídos e demandam decisão urgente.

    II. Por estarem presentes os requisitos para o deferimento do pretendido, com base no art. 117, inciso II (doença grave), art. 114, parágrafo único e art. 115, todos da LEP, c/c art. 317 e art. 318, II, ambos do CPP, por analogia, DEFIRO A PRISÃO DOMICILIAR favor da reeducanda C.F.S., na seguintes condições: (1) recolhimento domiciliar em período integral, autorizando-se apenas eventuais saídas para tratamento de saúde; (2) comparecimento em Juízo sempre que requisitado e (3) comunicação prévia de mudança de endereço. Deverá ainda o (a) reeducando (a) informar seu endereço residencial no prazo de 10 dias.

    Cientifique-se o Assistente Social do Juízo.

    Requisite-se a imediata apresentação em Juízo.

    Intimem-se e comunique-se à Administração do ergástulo. Expeça-se o termo respectivo.

    III.No mais, certifique-se sobre o encaminhamento do PEC solicitado à fl. 22.

    Caso negativo, com cópia desta decisão, renove-se a solicitação de fl. 22, inclusive para que seja da baixa e cancelamento do mandado de prisão.

    Mantenha-se contato telefônico e aguarde-se por 10 dias.

    Joinville (SC), 08 de março de 2017.

    João Marcos Buch

    Juiz de Direito

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