Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
3 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Jurisprudência - União Estável - Direito sucessório - Vantagens e desvantagens dos cônjuges e companheiros segundo a disciplina do novo Código Civil

    EMENTA

    União Estável �- Direito sucessório �- Vantagens e desvantagens dos cônjuges e companheiros segundo a disciplina do novo Código Civil �- Participação do cônjuge, em concorrência com os descendentes, na sucessão dos bens particulares do "de cujus" e sua exclusão da herança no que tange aos bens comuns, dos quais recebe apenas a meação que sempre lhe pertenceu �- Situação exatamente inversa na sucessão do companheiro �- Regra do artigo 1790 do Código Civil que, entretanto, não se considera inconstitucional, pois, na comparação global dos direitos concedidos a uns e outros pelo novo Código Civil, a conclusão é a de que o cônjuge restou mais benefíciado, não havendo assim ofensa ao artigo 226 § 3º da Carta Magna �- Reconhecimento, no presente processo, do direito da agravante de concorrer com a filha do falecido na partilha da meação ideal pertencente ao mesmo no imóvel adquirido onerosamente durante a união estável �- Direito real de habitação também reconhecido à agravante, em face da regra do artigo § único da lei n.9278/96 não revogada pelo novo estatuto de direito privado �- Recurso provido em parte. (TJSP �- Agravo de Instrumento nº 589.196-4/4-00 �- Bragança Paulista �- 2ª Câmara de Direito Privado �- Rel. Des. Morato de Andrade �- Julgado em 03.02.2009)

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 589.196-4/4-00, da Comarca de BRAGANÇA PAULISTA, em que é agravante ELZA SORAGE DE OLIVEIRA sendo agravado CRISTINA APARECIDA MONTEIRO, Inventariante do Espólio de ADHEMAR MONTEIRO:

    ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO, EM PARTE, AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

    O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ ROBERTO BEDRAN (Presidente), BORIS KAUFFMANN.

    São Paulo, 03 de fevereiro de 2009.

    MORATO DE ANDRADE �- Relator.

    RELATÓRIO E VOTO

    1. Cuida-se de agravo de instrumento tirado em autos de arrolamento, pela ex-companheira do "de cujus", que se insurge contra a decisão que lhe reconheceu o direito somente à meação do imóvel inventariado e lhe negou o cargo de inventariante.

    Recurso respondido pela filha do falecido.

    É o relatório.

    2. Rejeita-se a preliminar da contraminuta. O recurso apropriado era mesmo o agravo de instrumento, pois se tratou de decisão interlocutória sobre pedido de habilitação da companheira no inventário, não tendo havido decreto de extinção do processo, que prosseguirá normalmente até a partilha.

    3. A agravante e o "de cujus" viveram em união estável durante dezoito anos, até a morte do mesmo, fato reconhecido pela agravada, que, inclusive, esclarece que era tratada como filha por ela (fls.50).

    Nesse período, em 21/8/98, adquiriram um imóvel, que foi escriturado e registrado somente em nome do companheiro (fls.37).

    Na mesma data, por instrumento particular, este prometeu vender à companheira a meação ideal do bem, e, posteriormente, em 15/1/99, também por contrato particular de compromisso, alienou a ela a outra metade, constando em ambos os casos que o preço era quitado no ato.

    Em verdade, esses negócios jurídicos foram absolutamente inócuos, sem nenhuma eficácia, dado o regime de comunhão parcial de bens que vigora na união estável. Já que o bem foi adquirido no período de convivência, e sob a vigência da regra do artigo da lei n.9278/96, a comunhão estabeleceu-se de imediato, pouco importando que a escritura tenha saído apenas em nome do varão.

    Não há como adquirir fração ideal de imóvel que é objeto de comunhão, a qual só se desfaz com o término da união estável. Após esse termo, sim, poder-se-ia transmudar a comunhão em condomínio ou atribuir o bem com exclusividade a um dos companheiros, na partilha do patrimônio comum realizada em vida dos mesmos.

    De sorte que o imóvel, pela mancomunhão, sempre continuou a pertencer aos conviventes, até sujeitar-se, com a morte do varão e a extinção da união estável, sob a vigência do novo Código Civil, à sucessão na forma do seu artigo 1.790, inciso II.

    Com isso, está prejudicada a arguição de prescrição.

    4. Em matéria de alimentos e regime de bens, o novo Código Civil estabeleceu regramento idêntico para a união estável e o casamento (artigos 1694 e 1725, respectivamente).

    Já no direito sucessório, houve tratamento discriminatório, existindo regras que favorecem o cônjuge supérstite e outras, em menor número, que colocam o companheiro supérstite em vantagem.

    No que interessa ao presente caso, e considerada a hipótese de o regime de bens do casamento ser o da comunhão parcial, idêntico ao que vigora para a união estável, tem-se que o artigo 1829-I concede ao cônjuge supérstite participação, em concorrência com os filhos, apenas nos bens particulares do falecido, excluindo-o da herança nos bens comuns, enquanto o artigo 1790, incisos I e II, estabelece para o companheiro sobrevivente a situação exatamente inversa.

    Ou seja, em concorrência com descendentes, o cônjuge recebe, nos bens comuns, apenas o que sempre lhe pertenceu, isto é, sua meação, e nada recebe na outra metade desses bens comuns que constitui propriamente a herança.

    Assim, quando o "de cujus" deixa apenas bens adquiridos onerosamente durante o casamento, o viúvo ou viúva fica somente com a fração ideal de 50% deles. Já se, ao invés de casamento, tivesse havido união estável entre eles, o companheiro ou companheira poderia chegar a receber até 75%, na hipótese do inciso I do artigo 1790.

    O presente caso enquadra-se na hipótese do incido II do artigo 1790, e, assim, a agravante, se não existirem outros bens nem dívidas no espólio, receberá 66,668% do imóvel todo (50% de sua meação mais 16,668% na herança) e a agravada 33,336%, correspondente ao dobro da parte daquela na meação do companheiro. O cálculo é aproximado, restando uma sobra de 0,004%. É feito apenas para facilitar o raciocínio. O cálculo definitivo estará a cargo, obviamente, do partidor.

    E não se duvide sobre a interpretação da regra do artigo 1829-I adotada acima. Vem amparada na lição dos doutrinadores e no enunciado n.270 do CEJ (Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal"), transcrito no"Código Civil e Legislação Civil em Vigor", de Theotônio Negrão e José Roberto F.Gouvêa, Saraiva, 25a.ed, nota 2-a ao artigo 1829:"O art. 1829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime de separação convencional de bens ou, se casados nos regimes de comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes".

    Claras são as injustiças que as opções do legislador acarretam.

    Assim, como no caso presente, se o" de cujus "só deixa bens adquiridos onerosamente durante a união estável, a situação do cônjuge fica altamente prejudicada em relação a do companheiro.

    Já na hipótese de os bens da herança serem exclusivos do falecido, o companheiro sairá perdendo.

    Suponha-se o caso do companheiro rico, que deixa vasto patrimônio, mas todo ele adquirido antes da união estável.

    A companheira nada receberá.

    Só não ficará totalmente desamparada, porque deve se lhe reconhecer o direito real de habitação.

    Na divergência doutrinária em torno deste tema, merece prevalecer o entendimento de que continua em vigor a regra do artigo , parágrafo único, da lei n.9278/96. Convincentes os fundamentos do enunciado n.117 do CEJ:"O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831 (do novo Código Civil), informado pelo art. , 'caput', da Constituição Federal de 1988".

    Como pondera Euclides de Oliveira ("Direito de Herança - A Nova Ordem da Sucessão", Saraiva, ed.2005, pág. 179),"não houve revogação expressa da referida lei pelo vigente Código Civil. Nem existe incompatibilidade de normas, uma vez que o Código regula outros aspectos do direito sucessório, mas nada alude quanto ao comentado direito de habitação".

    Portanto, na espécie, fica reconhecido à agravante o direito real de habitação no imóvel em que residia com o companheiro, e nele continua a residir, mas apenas" enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento "(artigo § único da lei n.9278/96).

    5. Em conclusão, a disciplina do atual Código Civil, no que tange ao direito sucessório dos companheiros, causa muita perplexidade (confiram-se as observações de Euclides de Oliveira, na obra mencionada, páginas 158/192). Há mesmo os que reconhecem inconstitucionalidade na regra do artigo 1790 do Código Civil (Mauro Antonini, na obra conjunta"Código Civil Comentado", coordenada pelo Ministro Cezar Peluso, ed.2007, Manole, págs. 1778/1785, e ainda Zeno Veloso e Rolf Madaleno, mencionados por Euclides de Olivera, na obra mencionada, págs. 154/155).

    Mas o fato é que, não exigindo o artigo 226 § 3º da Constituição Federal igualdade absoluta de direitos decorrentes do casamento e da união estável, vedando apenas que os do companheiro superem os do cônjuge, no balanço global das vantagens atribuídas no Código Civil a um e a outro, não se divisa inconstitucionalidade na norma do mencionado artigo 1790, pois é indiscutível que o resultado final da comparação das regras que disciplinam a sucessão dos cônjuges e companheiros leva à conclusão de que mais beneficiados foram os primeiros, bastando lembrar que os últimos estão em posição inferior na ordem da vocação hereditária e não são herdeiros necessários (atualmente, o cônjuge é herdeiro necessário, inovação trazida pelo artigo 1845).

    6. Por fim, anote-se, em contrário ao que constou da decisão agravada, que no inventário"os bens pertencentes ao 'de cujus' em comunhão com o seu cônjuge (ou companheiro, acrescente-se) devem ser relacionados integralmente, e não apenas a parte ideal que lhe pertencia", segundo lição de Theotônio Negrão e José Roberto Gouvêa ("CPC e Legislação Processual em Vigor", 39ª.ed., Saraiva, nota 4-a ao artigo 993).

    Quanto ao pedido de substituição da inventariante, merece acolhimento. É a companheira que se acha na posse da herança, incidindo, ademais, por analogia, a regra do inciso I do artigo 990 do CPC.

    Portanto, é a agravante que passa a ocupar o cargo.

    Face ao exposto, dá-se provimento em parte ao recurso, para os fins mencionados.

    Morato de Andrade �- Relator.

    • Publicações9072
    • Seguidores218
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações2100
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/jurisprudencia-uniao-estavel-direito-sucessorio-vantagens-e-desvantagens-dos-conjuges-e-companheiros-segundo-a-disciplina-do-novo-codigo-civil/2540949

    Informações relacionadas

    Tribunal de Justiça de Minas Gerais
    Jurisprudênciahá 3 meses

    Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Apelação Cível: XXXXX-55.2020.8.13.0223

    Tribunal de Justiça de Minas Gerais
    Jurisprudênciahá 3 meses

    Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Apelação Cível: XXXXX-75.2020.8.13.0470

    Artigoshá 4 anos

    União estável e suas vantagens e desvantagens.

    Superior Tribunal de Justiça
    Jurisprudênciahá 2 anos

    Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgInt no AREsp XXXXX GO XXXX/XXXXX-3

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)