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24 de Maio de 2024
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    Lei nº. 11.343/06 versus Lei nº. 11.719/08: qual procedimento deve prevalecer?

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Lei nº. 11.343 /06 versus lei nº. 11.719 /08: qual procedimento deve prevalecer? Disponível em http://www.lfg.com.br 15 junho. 2009.

    Com o advento da Lei nº. 11.719 /08, que trouxe novas regras para os procedimentos previstos no CPP (Código de Processo Penal), uma importante discussão veio à tona: o regramento ali previsto teria o condão de revogar normas especiais, a exemplo da Lei nº. 11.343 /06 - Lei Antidrogas?

    Tal questionamento tem como fonte a antinomia existente entre o art. 55 da Lei nº. 11.343 /06 e os arts. 396 , 396-A e 397 da Lei nº. 11.719 /08. O primeiro determina a realização da notificação do réu antes do recebimento da denúncia contra ele oferecia. Em contrapartida, as regras oriundas da Lei nº. 11.719 /08 determinam o recebimento da denúncia, com a posterior citação do acusado, para a apresentação de defesa preliminar, momento em que se torna possível a sua absolvição sumária pelo magistrado de primeiro grau.

    O cerne da questão é a determinação trazida pelo art. 394 do CPP , em seu § 4º: "As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código". Logo após o advento da reforma do CPP chegamos a sustentar que a defesa preliminar, antes do recebimento da peça acusatória (art. 55 da Lei de Drogas), não podia ser eliminada (Lei de drogas comentada, RT, 3. ed., 2009, p. 271). Essa nossa posição (cremos) não tem que ser alterada.

    O TJ-SP não está entendendo assim (como veremos em seguida). Mas não cremos que ele tenha seguido o melhor caminho. Para ele o art. 55 da lei de drogas foi derrogado. Para o TJ-SP a inexistência de revogação expressa pela Lei nº. 11.719 /08 se deve a um único fato: a inconveniência em se referir a cada um dos inúmeros procedimentos especiais hoje existentes. O legislador preferiu, assim, fazer uso da cláusula genérica trazida pelo § 4º do art. 394.

    Em recente decisão proferida no HC 990.08.188568- 9, de relatoria do Desembargador Figueiredo Gonçalves, firmou-se o seguinte: "A lei 11.719 /2008 poderia ter dito, ao seu final, que estava revogado o artigo 55 da Lei Antidrogas, porém não o fez. Em face da multiplicidade de procedimentos especiais postos em normas extravagantes ao Código de Processo Penal , cuidando das mais diversas matérias, seria muito extenso mencionar cada uma das situações e, portanto, preferiu estabelecer, a esse respeito, de modo geral, como feito na nova redação que deu ao § 4o do artigo 394 do CPP".

    Outro ponto que vem sendo abordado é o seguinte: a inexistência de efetivo prejuízo à defesa, em razão da adoção do procedimento previsto pela Lei nº. 11.719 /08, em detrimento das normas da Lei Antidrogas.

    Pelo contrário, conforme bem explicitado pelo Desembargador Figueiredo Gonçalves, "a norma do CPP é superior àquela prevista na Lei Antidrogas, por permitir maior celeridade à absolvição sumária".

    Estamos diante de norma que, quando analisada objetivamente, se revela benéfica ao acusado. O raciocínio é simples: a Lei nº. 11.343 /06 prevê a notificação antecedente ao recebimento da denúncia, como forma de possibilitar ao magistrado, diante da defesa apresentada, a rejeição da peça acusatória. No entanto, se isso não ocorrer, será realizada a citação do réu e efetivado um juízo pleno da pretensão punitiva que, apenas quando exaurido por completo, pode terminar em absolvição sumária.

    O que se depreende das decisoes do TJ-SP é o seguinte: de acordo com o rito da Lei Antidrogas, se não houver a rejeição da denúncia, o acusado viverá todas as fases do processo penal, para, apenas ao final, se cabível, ser beneficiado pela absolvição sumária (o constrangimento do processo em troca da absolvição sumária: uma lógica ilógica!). Uma realidade completamente alterada pela Lei nº. 11.719 /08: o réu, agora, é citado para a apresentação da sua defesa preliminar e a decisão proferida nesse momento já pode ser a de absolvição sumária.

    Do que se vê, as diligências espaçadas da Lei nº. 11.343 /06 foram unificadas, organizadas e, principalmente, abreviadas pelo novo procedimento apresentado ao CPP . Sem dúvida, uma medida que se coaduna perfeitamente com o princípio da duração razoável do processo, previsto na Constituição Federal em seu art. , LXXVIII .

    Nesse mesmo sentido é a decisão proferida pelo Desembargador Ivan Marques (Segunda Câmara Criminal do TJ/SP), no HC 990.08.189286- 3: "não consigo imaginar qual seria o prejuízo decorrente da denúncia ter sido recebida antes da defesa preliminar se, com a adoção do rito comum (CPP) o juízo examinará a defesa prévia e poderá até mesmo absolver sumariamente o acusado".

    Vale lembrar que o CPP , ao tratar do tema "nulidades", em seu art. 563 determina que "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".

    O art. 55 da Lei 11.343 /2006 prevê a defesa preliminar (antes do recebimento da denúncia). O art. 396 do CPP prevê resposta escrita. Este último dispositivo deve incidir na lei de drogas (por força do § 4º do art. 394 do CPP). Ou seja: no procedimento relacionado com delito de drogas (tráfico etc.) temos duas defesas previstas nas leis. A primeira (art. 55) tem por meta alcançar a rejeição da denúncia (nos termos do art. 395 do CPP). A segunda tem o escopo de alcançar a absolvição sumária (art. 397 do CPP). Duas defesas com objetivos distintos (ajustáveis, claro, aos arts. 395 e 397 do CPP). Esse é o devido processo legal hoje vigente no Brasil. O art. 55 não foi derrogado. O § 4º do art. 394 não retirou nenhum direito do réu, ao contrário, só favoreceu.

    O procedimento nos delitos de tráfico de entorpecentes etc., como se vê, mais parece um monstrengo que uma legislação avançada. De qualquer modo, essas são as leis temos no Brasil. Devemos fazer mil arranjos para se saber o que vigora e o que não vigora. Para nós, a existência de duas defesas é o que está nas leis vigentes. Coerência entre elas existe, desde que cada uma tenha uma finalidade distinta. Outro detalhe: considerando-se que o art. 400 do CPP não se aplica para as leis especiais, o interrogatório na lei drogas vem em primeiro lugar. Aqui reside outra distinção dos procedimentos relacionados com os delitos de drogas. É tudo muito confuso, mas pelas leis vigentes, assim é! São temas complexos que nossos tribunais superiores terão que enfrentar.

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