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19 de Maio de 2024
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    Mensalão: parlamentar condenado perde o mandato?

    Publicado por Direito Legal
    há 9 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*

    A polêmica da perda do mandado se instaurou, sobretudo na mídia, não por falta de regras, sim, por excesso delas. Mas se trata apenas de um conflito aparente de normas, solucionável pelo critério hermenêutico da regra-exceção. Já veremos. Antes, uma observação: a avaliação imparcial de todos os aspectos jurídicos do julgamento do mensalão exige que fiquemos longe do brilho da estrela vermelha do PT assim como distante dos grunhidos do bico azul/amarelo do tucano. Pensando no valor justiça, sejamos imparciais (ao menos do ponto de vista partidário) nas nossas valorações jurídicas.

    O STF (data máxima vênia) errou ao não reconhecer o duplo grau de jurisdição a todos os réus, violando a decisão Barreto Leiva da Corte Interamericana. Vai, no entanto, acertar (e acertar com precisão), se declarar a perda do mandato de todos os parlamentares condenados no caso mensalão (três no total: João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry), nos termos do art. 92, I, do CP. O mandato se extingue logo após o trânsito em julgado da decisão, sem necessidade de qualquer decisão da Câmara dos Deputados. Por quê?

    A chave de compreensão do texto constitucional (art. 55, VI), que defere à Casa Legislativa o poder de decidir sobre a perda ou não do mandato do parlamentar, está no art. 92, I, do CP, que prevê essa perda em dois casos muito graves:

    “Art. 92 – São também efeitos da condenação:

    I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

    a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

    b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.”.

    Nesses dois casos (sumamente reprováveis, do ponto de vista da ética e da moralidade pública), apesar do entendimento provisoriamente externado na Ação Penal 481, por se tratar de efeito secundário da sentença condenatória, quem deve decretar a perda do mandato é o próprio STF e essa sua decisão tem consonância com o art. 15, III, da CF, que prevê a suspensão dos direitos políticos de quem é condenado criminalmente em sentença definitiva. Como desdobramento natural, diz o art. 55, IV, que, nesse caso, a Casa Legislativa apenas declara a perda do mandato, não tendo nada que decidir (visto que a decisão aqui é judicial, ou seja, exógena).

    A ordem normativa, portanto, da perda exógena do mandato parlamentar, é esta: 92, I, do CP, art. 15, III, da CF e art. 55, IV, da CF. Essa é a regra geral que comanda o assunto.

    Essa regra geral encontra uma exceção. Qual? É a seguinte: quando o STF condena o parlamentar sem estar presentes os requisitos do art. 92, I, do CP (por exemplo: quando o condena a pena alternativa ou substitutiva), a decisão de decretar ou não a perda do mandato é endógena, ou seja, exclusiva da Casa Legislativa (CF, art. 55, VI), que constitui exceção à regra geral dos arts. 15, III e art. 55, IV, da CF.

    Qual a diferença entre o art. 55, IV e o art. 55, VI, da CF? É a seguinte: a perda do mandato com base no inc. IV é exógena e automática (não requer nenhuma decisão da Casa Legislativa). Já a perda do mandato do inc. VI é endógena e exige decisão do Parlamento. O inciso VI constitui exceção frente ao inciso IV (que é a regra, desde que presentes os requisitos legais do art. 92, I, do CP).

    A história desta exceção é a seguinte: durante os trabalhos constituintes discutiu-se se um parlamentar perderia ou não o mandato quando condenado, por exemplo, por um acidente de trânsito culposo. Nesse caso, normalmente, incide pena substitutiva. Logo, não se aplica o art. 92, I, do CP. Mas teriam aplicação (em tese) o art. 15, III, da CF, c.c. o art. 55, IV. Seria injusta a perda automática (e exógena) do mandato nessa situação.

    Para evitar a injustiça (de se admitir a perda do mandato em todos os casos e em todas as situações) temos então o seguinte: por força do inc. VI do art. 55, da CF, quando não incide o art. 92, I, do CP, cabe à Casa Legislativa decretar (endogenamente) ou não a perda do mandato em decisão secreta, por maioria absoluta. Mas isso só é possível – repita-se – quando não incide o art. 92, I, citado. E este caso excepcional de perda endógena do mandato constitui exceção à incidência automática do art. 15, III, c.c. o art. 55, IV, da CF.

    Há uma regra exógena (norteada pelo art. 92, I, c.c. arts. 15, III e 55, IV) e uma exceção endógena (art. 55, VI, é exceção aos art. 15, III e 55, IV) . Essa parece ser a única forma interpretativa que confere valor a todos os textos envolvidos na polêmica. O disposto no art. 55, VI, não pode ser letra morta. A regra (decretação exógena do mandato) é resultado do art. 92, I, do CP, c.c. arts. 15, III e 55, IV da CF. A exceção (decretação endógena do mandato) é o art. 55, VI, que excepciona a incidência automática dos arts. 15, III e 55, IV, da CF, sempre que ausentes os requisitos do art. 92, I, do CP.

    O conflito aparente de normas, neste caso, resolve-se pela racionalidade exegética da regra-exceção. De outro lado, não se está interpretando a CF (art. 55, VI) conforme a lei ordinária. Não. Estamos buscando a conciliação entre três dispositivos constitucionais: art. 55, VI, art. 55, IV e art. 15, III, que dão vida para a previsão normativa do art. 92, I, do CP (que, portanto, não é inconstitucional).

    Essa nos parece a interpretação correta dos textos (só) aparentemente conflitivos. É a interpretação, de outro lado, que respeita não só o conteúdo das normas envolvidas (art. 92, 1, do CP, e arts. 15, III, 55, IV e 55, VI, da CF), senão também todos os poderes constituídos. Porque será uma grave ofensa ao STF se ele declarar a perda do mandato (nos termos do art. 92, I, do CP) e a Câmara dos Deputados não acatar (desautorizar) essa decisão. Ficaria uma decisão judicial sob o crivo do Poder Legislativo. Nada mais disruptivo e assistemático. Decisão de juiz se cumpre (depois da coisa julgada, quando então não cabe mais nenhum recurso).

    Os poderes são independentes e é fundamental que se respeite essa independência, mas devem ser harmônicos. Daí a necessidade de se delimitar com precisão quando o STF decreta a perda do mandato do parlamentar (decretação exógena) e quando essa tarefa é da própria Casa Legislativa (decretação endógena).

    Para auxiliar segue o texto constitucional:

    Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

    I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

    II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

    III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

    IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

    V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

    VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

    § 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

    § 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

    § 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

    § 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994)

    *LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.

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