Nova lei atinge execução iniciada por normas processuais antigas
Apesar de a execução do título judicial ter iniciado antes da alteração na lei processual civil, essas mudanças são de aplicação imediata. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão da Justiça paranaense e autorizou a intimação sobre uma penhora na figura do advogado do executado, conforme alteração do Código de Processo Civil feita pela Lei nº 11.232 /2005.
O caso foi julgado na Terceira Turma. A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou que o direito brasileiro não reconhece a existência de direito adquirido ao rito processual. "A lei nova aplica-se imediatamente ao processo em curso, no que diz respeito aos atos presentes e futuros", afirmou a relatora. Assim, ao contrário do que entendeu o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), a execução de título judicial não está imune a mudanças procedimentais.
A decisão do STJ garante que a intimação do executado possa ser feita na figura do seu advogado, ainda que a execução do título judicial tenha iniciado seguindo a norma processual antiga, que previa a intimação pessoal.
Outras instâncias
A ação original teve início por um pedido de indenização contra uma editora jornalística e três pessoas supostamente responsáveis por divulgação de notícia inconveniente contra o autor da ação. Os réus foram condenados ao pagamento de R$ 30 mil a título de danos morais.
O autor da ação iniciou a execução de sentença, pedindo a citação dos condenados. Encontrou bens de um deles, mas não teve sucesso em intimá-lo da penhora. Para localizar o devedor, requereu a suspensão do processo. Com a entrada em vigor da Lei nº 11.232 /2005 , o autor da ação pediu que a intimação da penhora fosse feita na figura do advogado constituído pelo devedor.
O juiz de primeiro grau negou o pedido, alegando que não seria possível misturar as duas sistemáticas processuais - a antiga e a nova. O TJPR negou o recurso apresentado pelo autor da ação sob o argumento de que a lei processual teria aplicação imediata, desde que não atingisse atos já exauridos quando iniciada sua vigência.
Processo REsp nº
Leia, abaixo, a íntegra da decisão:
"RECURSO ESPECIAL Nº 1.076.080 - PR (2008/0161107-3)
RECORRENTE : LUIZ CARLOS CAÍTO QUINTANA
ADVOGADO : RODRIGO AGUSTINI E OUTRO (S)
RECORRIDO : JONI PAULO VARISCO E OUTROS
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA E OUTRO (S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por Luiz Carlos Caíto Quintana, com
fundamento no art. 105 , inciso III , alínea a da Constituição Federal , contra acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Ação: O recorrente ajuizou ação indenizatória em face de Gráfica e Editora
Cidade S/C Ltda., Joni Paulo Varisco, Adaci Saroli Preisner e Lenita A.C. Picolli, afirmando
serem os recorridos responsáveis por divulgação de notícia desairosa a seu respeito. Postulou a
concessão de direito de resposta, bem como a reparação pelos danos morais sofridos.
Transitada em julgado a sentença que lhe concedeu R$30.000,00 a títulos de
danos morais, o recorrente iniciou a execução de sentença, requerendo a citação dos recorridos.
O recorrente encontrou bens de Joni Paulo Varisco e diligenciou, sem sucesso,
para intimá-lo da penhora. No intuito de localizá-lo requereu a suspensão do processo.
Com a entrada em vigor da Lei 11.232 /05 , o recorrente requereu fosse o
recorrido Joni Paulo Varisco intimado na pessoa de seu advogado sobre a penhora.
Decisão: Indeferiu a intimação do recorrido na pessoa de seu advogado,
considerando que"não seria possível misturar as duas sistemáticas processuais: a antiga,
facultando a apresentação de embargos, já que foi citado naquela época, e a nova,
intimando o advogado da penhora"(fls. 55).
Acórdão: O Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento,
lavrando acórdão que trouxe a seguinte ementa:
"Agravo de instrumento. Processo civil. Direito intertemporal. Execução de
título judicial. Citação na vigência da lei antiga. Inaplicabilidade da Lei
A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais 11.232/2005. Recurso não provido. A lei processual nova tem emprego
imediato, desde que não atinja os atos já exauridos quando iniciada a sua
vigência. Assim, como o credor já ingressou com a execução, e foi efetivada
a citação do devedor, inclusive com a realização da penhora, há de se aplicar
as disposições da lei anterior, que regulamentava a execução de sentença,
posto que já se perfectibilizou a relação processual da execução, inclusive
nascendo o direito do devedor à propor embargos à execução".
Embargos de declaração: Opostos pelo recorrente e rejeitados pelo Tribunal de
origem.
Recurso Especial: Sustentou haver violação ao art. 1.211 do Código de Processo Civil por inobservância das regras de direito processual intertemporal, bem como
Juízo Prévio de Admissibilidade: Apresentadas contra-razões, o Tribunal de
origem deu seguimento ao recurso especial, determinando a remessa dos autos ao STJ.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.076.080 - PR (2008/0161107-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : LUIZ CARLOS CAÍTO QUINTANA
ADVOGADO : RODRIGO AGUSTINI E OUTRO (S)
RECORRIDO : JONI PAULO VARISCO E OUTROS
ADVOGADO : LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA E OUTRO (S)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a controvérsia a definir qual a lei aplicável ao processo de execução
iniciado antes da vigência da Lei 11.232 /05 . I. Violação ao art. 535 , CPC .
O acórdão hostilizado se manifestou sobre todos os pontos suscitados no agravo, alcançando solução que, de acordo com a unanimidade dos votantes, foi tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente.
A prestação jurisdicional dada, portanto, corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem omissão a ser sanada, tampouco contradição a ser aclarada. O Tribunal a quo pronunciou-se de maneira a abordar a discussão de todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei.
O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica em obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC , utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.
Dessa forma, correta a rejeição dos embargos de declaração, não havendo que se falar em ofensa ao artigo 535 do CPC .
II. Juízo de Admissibilidade.
A hipótese dos autos versa sobre execução de título executivo judicial que, após a penhora, é colhida pela vigência da Lei 11.232 /05 .
O Tribunal de origem entendeu que a sistemática antiga deveria prevalecer, razão pela qual o recorrente haveria de promover a intimação pessoal do devedor acerca da penhora.
Ocorre que, com o advento da Lei 11.232 /05 , ficou estabelecido que"do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado ( arts. 236 e 237 ), ou na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio (...)"( art. 475-J , § 1º , CPC ).
Por esta razão, o recorrente insiste na aplicação da nova legislação, afirmando haver violação ao art. 1.211 , CPC , que, no seu entender, determina a aplicação imediata da lei processual nova, atingindo o processo no ponto em que este se achar.
A aplicação do art. 1.211 , CPC , à controvérsia dos autos já havia sido objeto de pedido expresso no agravo de instrumento interposto pela recorrente. Ainda que o Tribunal de origem não tenha feito menção expressa a esse dispositivo legal, é certo que tratou longamente do tema, discutindo, em detalhes, os efeitos da lei nova no tempo. Assim, a questão está bem
prequestionada.
Por outro lado, a apreciação da controvérsia, não exige reapreciação de provas ou
fatos, limitando-se ao exame dos efeitos jurídicos advindos de fatos certos, não controversos e
soberanamente reconhecidos pelo Tribunal de origem.
Isso é o que basta para o conhecimento do recurso especial. Passa-se, portanto, à análise de seu mérito.
III. Violação ao art. 1.211 , CPC .
O art. 1.211 , CPC , em sua interpretação literal, não é uma norma geral de direito intertemporal. Ao contrário, seu sentido está, à princípio, adstrito à eficácia das normas originárias do CPC no tempo. Com efeito, o mencionado artigo estabelece que"este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes".
No entanto, esta Corte vem dando interpretação mais ampla a esta regra, para tratá-la como regra geral aplicável a todo o processo civil. Com isso, essa norma regula os efeitos temporais da Lei 11.232 /05 .Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. IMPUGNAÇÃO. RECURSO
CABÍVEL. DIREITO INTERTEMPORAL. 1 - Em tema de direito processual
intertemporal prevalece "o chamado isolamento dos atos processuais, pela
qual a lei nova, encontrando um processo em desenvolvimento, respeita a
eficácia dos atos processuais já realizados e disciplina o processo a partir de
sua vigência (Amaral Santos)." 2 - O recurso cabível contra a decisão que
resolve a impugnação, na fase executiva do processo, é, como regra, o
agravo de instrumento, conforme o art. 475-M , § 3º , do CPC , acrescentado
pela Lei nº 11.232 /2005. O fato de, no caso concreto, ter havido o manejo de
embargos do devedor, ainda sob a vigência do anterior regramento, não faz
concluir pelo cabimento de apelação só porque proferida a decisão que o
resolve já quando em vigor o mencionado dispositivo. Aplicação do art. 1.211 do CPC (tempus regit actum). 3 - Recurso especial conhecido e provido
para determinar ao Tribunal de origem o julgamento do agravo, conforme
entender de direito"(REsp 1.043.016/SP , 4a Turma, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, DJe 23/06/2008).
"(...) Embora o processo seja reconhecido como um instrumento complexo,
no qual os atos que se sucedem se inter-relacionam, tal conceito não exclui a
aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais, pela qual a lei nova,
encontrando um processo em desenvolvimento, respeita a eficácia dos atos
processuais já realizados e disciplina o processo a partir da sua vigência.
Esse sistema, inclusive, está expressamente previsto no art. 1.211 do CPC
(...)"(MC 13.951/SP , 3a Turma, minha relatoria, DJe 01/04/2008).
Com isso, pode-se dizer que o direito brasileiro não reconhece a existência de
direito adquirido ao rito processual. A lei nova aplica-se imediatamente ao processo em curso, no que diz respeito aos atos presentes e futuros. Vale a regra do tempus regit actum. Por isso, é
impreciso afirmar que a execução de título judicial, uma vez ajuizada, está imune a mudanças
procedimentais. Confira-se, nesse sentido, o seguinte precedente:
"RESP. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SEGUNDA FASE.
INCIDÊNCIA DO ART. 475/J DO CPC . TRÂNSITO EM JULGADO.
SENTENÇA ANTERIOR À LEI 11.232 /2005. 1. Uma vez transitada em
julgado a sentença que, na segunda fase da ação de prestação de contas,
declara a existência de um crédito em favor da empresa-autora, na forma do
art. 918 do Código de Processo Civil , adequada a aplicação da letra do art. 475-J, deste mesmo diploma legal, ainda que anterior a decisão à sistemática
introduzida pela Lei 11.232 , de 22 de dezembro de 2005, por força da norma
do art. 1.211 daquele Código. 2. Recurso especial não conhecido"(REsp
1.026.610/RS, 4a Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 12/08/2008).
Tem-se, assim, que os atos pendentes a serem praticados no processo iniciado
pelo recorrente passam a ser regido pela Lei 11.232 /2005.
Como o Tribunal de origem reconheceu que o recorrente"promoveu a execução
de sentença em 01.12.2004 (fls. 36) requerendo a citação do executado via carta precatória
para a Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, a qual foi cumprida em data de
30/06/2005 (fls. 38), tendo ainda sido efetivada a penhora em imóvel dos executados (fls.
44). Destaque-se que somente não houve ainda a intimação da penhora"(fls. 81), vê-se que
a intimação da penhora era efetivamente o ato pendente e deveria se dar sob a forma da lei nova.
Com isso, era efetivamente de se dispensar a intimação pessoal do executado que
teve seus bens constritos se, nos autos, ele é representado por advogado regularmente
constituído, nos termos do art. 475-J , § 1º , CPC .
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial, para
determinar que a intimação da penhora se dê na forma do art. 475-J , § 1º , CPC .
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