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6 de Maio de 2024

Precatórios e o Direito Penal: estelionato, fraude eletrônica e falsidade

Publicado por Mateus Lins
há 2 anos

1 - Introdução

Nesse texto irei falar sobre precatórios e RPVs, a definição de cada um, adentrando posteriormente na seara criminal para analisar casos envolvendo estelionato, fraude eletrônica, falsidade e saque indevido de precatórios.

Caso queira ler só a parte penal, pula para o título Precatórios e o Direito Penal: estelionato, fraude eletrônica e falsidade (item 3 infra). Falo ainda sobre competência (item 4). No final trago um último tópico chamado Cuidados envolvendo precatórios (item 5). Boa leitura!

No dia 02 de setembro de 2022, escrevi o texto Precatórios, alterações constitucionais e honorários contratuais

Continuando com o tema precatórios, já que nessa segunda semana de setembro/2022 os precatórios estão sendo pagos pelos Tribunais, trago agora uma análise sobre a temática à luz do Direito Penal.

2 - Definição de RPV (Requisição de Pequeno Valor) e Precatório

Antes de tudo, o que é um precatório e um RPV (Requisição de Pequeno Valor)?

A resposta para essa pergunta se encontra no art. 100 da Constituição Federal:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Quando um indivíduo entra com uma ação judicial contra a Fazenda Pública, caso haja valores a receber e a Fazenda Pública seja condenada, o Juiz determina o pagamento da dívida através de RPV ou Precatório, já que os bens da Fazenda Pública são impenhoráveis. Tem que respeitar a sistemática do art. 100 da CF/88.

Você talvez se pergunte: mas o que é Fazenda Pública?

Leonardo Carneiro da Cunha em seu livro A Fazenda Pública em Juízo define a Fazenda Pública como a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público, referindo-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e às suas respectivas autarquias e Fundações.

Então quando um indivíduo entra com uma ação contra o INSS e tem valores atrasados a receber, ele receberá esse dinheiro via RPV ou Precatório, já que o INSS é uma autarquia federal.

Mas qual a diferença entre esses dois: RPV e Precatório?

A principal diferença reside no quantum a ser pago. Se se tratar de um valor acima de 60 salários mínimos estaremos diante de precatórios. Se for abaixo de 60 salários mínimos, estamos diante de RPVs (Requisições de Pequeno Valor).

Mas cuidado, esse limite de 60 salários mínimos se aplica à Justiça Federal, senão vejamos o que diz a Lei dos Juizados Especiais Federais, Lei 10.259/2001:

Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Analisando a lei em sequência, vemos que o art. 17, § 1o, diz que os RPVs terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível que é como visto de 60 salários míminos, ex vi:

Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.
§ 1o Para os efeitos do § 3o do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3o, caput).
§ 4o Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1o, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.

Caso ultrapasse 60 salários mínimos, será pago através de precatório, como vemos no § 4o acima.

Repito, o limite de 60 salários mínimos é para Justiça Federal, por envolver a Fazenda Pública Federal (União, INSS, IBAMA, UFPE etc).

Mas e quando for órgãos Distritais, Estaduais e Municipais, qual o valor para diferenciar RPV e Precatório?

Bem, a CF/88 no seu art. 100, § 4º estabelece que leis próprias poderão estabelecer valores diferentes:

§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.

A Lei 12.153/2009 que estabeleceu os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios diz que o limite para RPV até que os entes publiquem valores distintos serão de 40 salários mínimos quanto aos Estados e ao Distrito Federal e 30 salários mínimos quanto aos Municípios, senão vejamos:

§ 2o As obrigações definidas como de pequeno valor a serem pagas independentemente de precatório terão como limite o que for estabelecido na lei do respectivo ente da Federação.
§ 3o Até que se dê a publicação das leis de que trata o § 2o, os valores serão:
I – 40 (quarenta) salários mínimos, quanto aos Estados e ao Distrito Federal;
II – 30 (trinta) salários mínimos, quanto aos Municípios.

Pode ser que após o ano de 2009, municípios e Estados, Brasil afora, tenham instituído valores diversos de 40 e 30 salários mínimos. Necessário analisar caso a caso.

3 - Precatórios e o Direito Penal: estelionato, fraude eletrônica e falsidade

Feita essa digressão para explicar o que é RPV e Precatório, vamos trazer o Direito Penal para análise da temática envolvendo precatórios cujo valor é bem maior?

Pois bem, quando finalmente os precatórios estão prestes a serem liberados ou já estão liberados nos bancos, uma infinidade de situações surge atraindo o Direito Penal.

É que beneficiários de precatórios envolvendo milhares de reais começam a receber mensagens ou ligações de estelionatários tentando aplicar golpes para se locupletar ilicitamente.

Uma pesquisa no Google com as palavras precatórios e estelionato irá revelar uma infinidade de golpes em todo o Brasil.

São inúmeras as formas de tentar enganar as pessoas para obter vantagem financeira ilícita. Vou exemplificar algumas formas comuns:

Exemplo 1 - Estelionatários se passam por funcionários do Tribunal e avisam que para receber antecipadamente o precatório, o beneficiário precisa transferir um valor;
Exemplo 2 - Estelionatários se passam por advogados que atuaram na causa e avisam que para receber antecipadamente o precatório, o beneficiário precisa transferir um valor;
Exemplo 3 - Estelionatário se passa falsamente por um beneficiário de precatório, usando documentos falsos, e tenta sacar o dinheiro no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal.

Mas por que estou usando a palavra estelionatários.

Pois bem.

É que o art. 171 do Código Penal tipifica como crime a conduta de obter vantagem ilícita através de engodo, iniciando o capítulo VI do Codex Criminal com o título do estelionato e outras fraudes, senão vejamos:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

Sendo assim, quando um indivíduo tenta ou consegue de forma criminosa obter vantagem ilícita como nos exemplos acima, estará cometendo o crime de estelionato.

Uma curiosidade trazida pelo Professor da USP em Direito Penal, Dr. Luciano Anderson de Souza em seu livro Direito Penal Vol. 3, da Editora Revista dos Tribunais, 3a Edição, 2022, é que a palavra estelionato vem do latim stellio que alude ao camaleão, animal que tem a capacidade de mudar de cores, iludindo e enganando.

Mas precisamos dissecar mais ainda os 3 exemplos citados.

Nos exemplos 1 e 2 acima, quando um indivíduo valendo-se de métodos que induz ou mantém alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, usando WhatsApp, E-mail, contato telefônico ou meio análogo estará cometendo fraude eletrônica que prevê sanção penal mais dura que a forma simples, no art. 171, § 2º-A, senão vejamos:

Fraude eletrônica
§ 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo. (Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021)
§ 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional. (Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

Como visto, essa fraude eletrônica foi introduzida no Código Penal pela Lei. 14.155/2021, levando em conta multiplicidade dos golpes nos últimos anos, usando-se de redes sociais.

Os § 2º-A, § 2º-b e § 3º do art. 171 do CP são qualificadoras e causas de aumento de pena.

Enquanto a pena do estelionato simples da cabeça do art. 171 prevê pena de reclusão de um a cinco anos e multa, a fraude eletrônica do art. 171, § 2º-A, do CP prevê pena de reclusão de 4 a 8 anos e multa.

A pena mínima em abstrato se eleva de forma sobrepujante o que afasta por exemplo a possibilidade do réu que cometeu fraude eletrônica se beneficiar da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89, da Lei 9.099 que exige pena mínima em abstrato igual ou inferior a 1 ano, benefício possível para o réu que responde a forma simples do estelionato.

Importante esclarecer que o art. 171 também prevê causas de aumento de pena quando o crime é praticado contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso.

E quanto ao exemplo 3 citado? Quando um indivíduo se passa falsamente por um beneficiário de precatório usando documentos falsos para sacar o dinheiro na Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil?

Aqui estamos diante de 2 crimes. O crime de estelionato do art. 171 e o crime de uso de documento falso do art. 304 que faz referência aos crimes dos arts. 297 a 302.

Sendo assim, o indivíduo com a finalidade de sacar um precatório terá que apresentar original e cópia do RG, CPF e Comprovante de Residência. Usando de algum desses documentos falsificados estará ele cometendo os crimes do art. 171 e do art. 304, ambos do Código Penal.

Mas quanto ao concurso de crimes (estelionato + uso de documento falso), é necessário esclarecer que o STJ possui súmula de n. 17 que estabelece que o crime de falso se exaure e é absorvido pelo crime de estelionato, senão vejamos:

Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

Sendo assim, no exemplo 3, quando o indivíduo se vale de documento falso para cometer o crime do art. 171, estará ele cometendo um único crime a luz do entendimento sumular do STJ.

É importante salientar que os crimes de estelionato e outras fraudes admitem a forma tentada. Ademais, não há previsão de forma culposa. Ainda é importante lembrar que preenchidos os requisitos do art. 28-A do CPP, caberá ANPP (Acordo de Não Persecução Penal). Por fim, cabe também suspensão condicional do processo, desde que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a 1 ano, conforme art. 89, da Lei 9.099.

4 - Competência: Justiça Federal ou Justiça Estadual?

Que tal problematizar a questão?

O indivíduo do exemplo três tenta sacar um precatório federal no Banco do Brasil. Qual a competência para julgar o crime: justiça federal ou justiça estadual?

Renato Brasileiro no livro Competência Cível e Criminal da Justiça Federal da Editora JusPodivm (p. 216/217 da Edição de 2020) explica que a competência da Justiça Federal se encontra enumerada no art. 109 e seus incisos da CF. A lesão aos bens, serviços e interesses da União tem que ser direta. No caso, mesmo se tratando de um precatório federal, o que em tese poderia atrair a competência da justiça federal, a ser recebido no Banco do Brasil, o prejuízo do saque fraudulento do precatório seria suportado pelo particular, o que atrai a competência da Justiça Estadual para julgar a questão.

Ademais, há entendimento sumular sobre a matéria conforme teor da súmula 42 do STJ, ex vi:

Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.

5 - Cuidados envolvendo precatórios


Para receber um RPV ou Precatório, o beneficiário precisará apresentar pessoalmente no Banco (CEF ou BB) original e cópia do RG, CPF e Comprovante de Residência.

Se você é beneficiário de precatórios, nunca pague algo antes para receber. Não se exige dinheiro para o saque do precatório, muito menos para se antecipar, pois os bancos não antecipam nada. Caso haja antecipação do pagamento, advirá do próprio Tribunal que administra os precatórios e jamais haverá solicitação de algum dinheiro.

Para se informar sobre precatório, você deve usar os sites oficiais da Justiça para o acompanhamento processual. Caso receba ligação, mensagem, carta ou qualquer outra coisa, sempre desconfie e ligue para o seu advogado ou para o próprio Tribunal. Não forneça dados, não clique em links.

Para não cair em golpes, seja cético e sempre desconfiado. O mundo de hoje está cheio de camaleões tentando lhe enganar para obter vantagem ilícita! Muito cuidado! Na dúvida, desconfie!!! É o seu dinheiro em jogo!

E caso tenha caído em algum golpe, procure uma delegacia imediatamente para registrar um BO. Caso queira, contrate um advogado para melhor instruir.

Acredito que era isso que eu queria falar com vocês sobre precatório e direito penal. O que acharam?

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