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5 de Maio de 2024
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    Sentença de reconhecimento de União Estável Homoafetivo

    Confira abaixo a sentença do processo de reconhecimento de União Estável Homoafetivo pós-morte proferida pelo juiz Antonio Paiva Sales

    PROCESSO Nº 234932008 SECRETARIA DA 4ª VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

    AÇAO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA PÓS MORTE

    AUTORA: M. T. O. da C.

    RÉU: O espólio de M. da C. A. da C., representado por seus pais C. A. da C. e M. L. de J.

    Vistos, etc.,

    M. T. O. da C., brasileira, solteira, agente comunitária de saúde, RG Nº e CPF Nº, residente nesta cidade, ajuizou AÇAO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA PÓS MORTE contra O espólio de M. da C. A. da C., representado por seus pais C. A. da C. e M. L. de J., alegando que conviveu com a "de cujus" uma união afetiva pública, contínua e duradoura, desde 1998, até o falecimento da requerida. E que tal relacionamento era do conhecimento notório, já que moravam juntas e demonstravam para as pessoas seu convívio.

    Alega que da relação constituíram patrimônio comum, uma casa com os móveis que guarnecem a casa, sendo que após o falecimento os familiares da "de cujus" por não aceitar a convivência, tentaram tomar os bens do casal, o que a obrigou a levar ao conhecimento da delegacia que resultou em um termo de conduta de modo a não ser mais perturbada.

    Alega que a mãe da requerida não admitia a relação das duas e não prestava assistência à filha nem mesmo quando adoeceu, que foi cuidada pela autora.

    Citou lei e jurisprudências e pediu, por fim a procedência da ação para ser reconhecida a sua união estável com a falecida M. da C. A. da C..

    A parte ré apresentou contestação, alegando inicialmente continência com outra de Nº 234142008 Ação Cível de OBRIGAÇAO DE FAZER CUMULADA COM PERDAS E DANOS ajuizada pelos mesmos com a autora da presente, requerendo que este Juízo declinasse da competência para o Juízo da 6ª Vara Cível de Teresina, depois negaram a existência da relação e que a autora usa de má-fé, não tendo contribuído para aquisição de bens com a falecida.

    Negam que a autora tenha morava junto na mesma casa da falecida, já que sua mãe morava em frente e a falecida se apresentou com namorado do sexo masculino demonstrando sua preferência sexual.

    Alegam que a relação era de acompanhante e não de amantes. E que o imóvel foi adquirido quatro anos antes do ano que a autora alega ter iniciado a convivência.

    Depois justificam que somente na falta de ascendente ou descendentes a autora poderia ter direito, mas a falecida tem herdeiros vivos, portanto cita os fundamentos do art. 1.790 do Código Civil.

    Contestaram os documentos apresentados pela autora e por fim pediram a improcedência da ação.

    Foi apresentada réplica à contestação (fls.181/188).

    Na audiência de Instrução e Julgamento não foi possível conciliação nem acordo e ouvida a autora afirmou que conheceu a falecida em 1995 e que embora a casa esteja em nome dela, ajudava na reforma, sendo ela que levou e era acompanhante da falecida no Hospital e foi quem realizou despesas decorrentes da internação. Negou que sua mãe residisse próximo delas.

    Os réus afirmam que visitavam a filha e lá viam a autora, mas que não dormiam juntas.

    As testemunhas foram confusas nos depoimentos para se chegar a uma conclusão lógica, mas confirmaram que elas moravam juntas e que construíram benfeitorias na casa em que moravam. E que não sabem de existência de companheiros ou namorados das duas, a não ser um que hoje mora em José de Freitas PI.

    Falaram,ainda, da intenção da falecida passar a casa que estava em seu nome para o nome da autora.

    Nas alegações finais a parte autora alega que é flagrante a relação entre a autora e a falecida, tanto assim que ela foi admitida pelo Poder Público Municipal como dependente beneficiária da falecida no IPMT, vindo recebendo Pensão por Morte.

    Citou os depoimentos das testemunhas, que diz corroborar a existência da relação entre ambas.

    A parte ré apresentou alegações finais pautado mais na negativa de vida em comum como companheiras e que não se constitui família com pessoas do mesmo sexo, já que não podem gerar filhos e que até a adoção ainda é questionada por profissionais, além de atentar contra os bens costumes e com péssimos exemplos aos filhos das famílias tradicionais.

    Citou também os depoimentos das testemunhas e por fim pediu a improcedência da ação.

    É O RELATÓRIO. DECIDO.

    Primeiro tenho que a presente ação decorre de direito de família, portanto, não tem conexão ou continência com a ação de perdas e danos nem com a obrigação de fazer.

    Em decorrência do julgamento da apresente ação a parte que se julgar no direito buscará o que achar conveniente no juízo competente.

    No mérito tenho que as provas evidenciam a relação estável da autora com a "de cujus", com ênfase o reconhecimento do pai da falecida ao dizer que ao visitar a filha ali via a autora, além de corroborado pelos depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo que na maioria reconheciam a vida sob o mesmo teto das duas, em que pese, logicamente , não verem relações íntimas entre as duas.

    Nesse tipo de relação, que a sociedade era e ainda é preconceituosa, mesmo se tendo avanços, como reconhecimento recentes de União Estável entre pessoas do mesmo sexo e congressos para tornar pública a luta pela igualdade de direitos dos homossexuais, é difícil se tornar a relação íntima pública ou do conhecimento de todos, sob pena de correr risco de repúdio e chacotas constantes.

    Mas a prova dos autos, principalmente a documental, leva à evidência da existência de uma entidade familiar entre a autora e a "de cujus" , exercida publicamente e semelhante ao casamento, que deve ser reconhecida já que as companheiras conviveram de modo duradouro e como se fossem casadas, dedicando-se uma a outra até no momento da morte, sem prazo certo para existir ou terminar, vivendo um relacionamento social, apresentando-se como marido e mulher.

    Embora a união estável homossexual ainda não esteja prevista em lei, a Justiça brasileira vem reconhecendo cada vez mais a união estável entre casais do mesmo sexo, estabelecendo uma equivalência com a união estável heterossexual.

    A regra que garante a união estável está prevista no parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

    Mas, recentemente houve uma decisão do ministro João Otávio de Noronha , que acha que a norma deve ser interpretada de forma mais ampla, levando-se em conta os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade humana. O ministro ressaltou que não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer vedação explícita ao reconhecimento das relações homoafetivas.

    Diz, ainda, que o Novo Código Civil permite que juízes reconheçam as uniões homoafetivas como estáveis e que a Lei Maria da Penha atribuiu a essas relações o caráter de entidade familiar.

    Diz o Decreto-Lei Nº 4.657, de 04 de setembro de 1942 que:

    Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito .

    E o Código de Processo Civil diz:

    Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito .

    Ora, o Código Civil diz:

    Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família .

    Mas a Constituição Federal diz:

    Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza , garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações , nos termos desta Constituição;

    Portanto se conclui que mesmo não expresso na lei, mas sendo costumeiro se ver a relação entre pessoas do mesmo sexo vivendo como casal e com coabitação, reciprocidade, ajuda mútua, carinho, enfim, equiparado à relação de marido e mulher, forçoso é o reconhecimento da União Estável entre pessoas do mesmo sexo, para cumprimento do direito constitucional supra citado, pela analogia e costumes.

    A autora comprovou pelo documento de fls. 42 que foi a responsável pela internação da falecida no Hospital São Marcos e como tal recebeu várias cópias de documentos que juntou aos autos.

    A autora tinha em seu poder documentos pessoais da falecida e outros documentos particulares, que dá a entender que de fato a relação existia.

    ISTO POSTO.

    Considerando comprovado por testemunhas a relação de coabitação entre a autora e a falecida e não só por isso, mas pelo fato da autora ter vários documentos em seu poder, que só quem convivia poderia tê-los, sendo a relação comparada a de um casal (marido e mulher) julgo procedente a ação, declarando RECONHECIDA a UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA de MARIA TELMA OLIVEIRA DA CONCEIÇAO com MARIA DA CONCEIÇAO ALVES DA CUNHA (ora falecida), no período descrito na inicial de 1998 até a data do falecimento, o que o faço pelos fundamentos do art. 1.723 do Código Civil c/c art. , do Decreto-Lei Nº 4.657, de 04 de setembro de 1942 (Lei de Introdução do Código Civil), art. 126, do Código de Processo Civil e art. , inciso I da Constituição Federal e, assim, declaro extinto o processo com a resolução do mérito pelos fundamentos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil . Custas na forma da lei. P. R. I.

    Teresina, 27 de janeiro de 2011.

    Dr. Antonio de Paiva Sales

    Juiz de Direito

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