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22 de Maio de 2024

STF 2023 - Desclassificação-Lei de Drogas: Tráfico para Uso - 25 gm - Depoimento Policial como Única Prova

há 3 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 234.294 SÃO PAULO

DECISÃO

Trata-se de Habeas Corpus impetrado contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no julgamento do Agravo Regimental no HC 819.320/SP, submetido à relatoria do Ministro RIBEIRO DANTAS.

Consta dos autos, em síntese, que o paciente foi condenado à pena de 8 anos, 5 meses e 7 dias de reclusão, em regime fechado, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao apelo defensivo, para reduzir a pena ao patamar de 5 anos de reclusão, mantido o regime prisional.

Impetrou-se, então, Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, do qual o Ministro Relator não conheceu. Essa decisão foi confirmada no julgamento do subsequente Agravo Regimental, conforme ementa:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. PRESENÇA DE FUNDADAS RAZÕES. ACESSO AO CELULAR NÃO PERMITIDO. IRRELEVÂNCIA. PROVAS INDEPENDENTES. INCOMUNICABILIDAD. DAS TESTEMUNHAS. INOCORRÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS. MINORANTE DO ART. 33, § 4º DA LEI 11.343/2006. RÉU REINCIDENTE. REGIME FECHADO. FUNDAMENTO IDÔNEO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Na esteira do decidido em repercussão geral pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616, para a adoção da medida de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em fundadas razões as quais indiquem a situação de flagrante delito no imóvel. No caso, a visualização da venda de entorpecentes e a confissão do usuário constituem fundadas razões para o ingresso dos policiais na residência do réu, consoante pacífico entendimento desta Corte.

2. A existência de prova independente para a condenação pelo crime de tráfico de drogas torna irrelevante a análise da tese de que o acesso ao celular do paciente foi ilegal, tendo como fim desconstituir a condenação.

3. Não há cerceamento de defesa, pois o juiz sentenciante afirmou que "restou mantida a incomunicabilidade das testemunhas, sendo de rigor a manutenção da instrução por ausência de prejuízo ao réu, assim como por ter sido concedida oportunidade ao patrono de inclusive impugnar no momento eventual irregularidade, o que não foi feito (princípio da preclusão)."

4. A pretensão de desclassificação do crime descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.340/2006 para o art. 28 da referida norma não pode ser apreciada por esta Corte Superior de Justiça, na via estreita do habeas corpus, por demandar o exame aprofundado do conjunto fático-probatório dos autos.

5. Não há se falar em aplicação da minorante do art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006, uma vez que o recorrente é reincidente específico, não preenchendo, portanto, os requisitos legais.

6. A reincidência do paciente torna incabível a alteração do regime prisional para o aberto ou semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, do CP

7. Agravo regimental não provido.

Nesta ação, a defesa alega, em suma: (a) constata-se que houve nulidade em decorrência de invasão de Policiais Militares na residência do Paciente, sem a existência de autorização judicial ou dos moradores; (b) é nítido que Robson em momento algum quis desbloquear o seu celular, no entanto, foi forçado fisicamente a colocar o dedo no sensor de desbloqueio do aparelho celular; (c) ofensa à incomunicabilidade das testemunhas; (d) inexistência do crime de tráfico [...]. O entorpecente encontrado tinha como destinação o próprio consumo dos envolvidos, pois ambos são usuários!; (e) O Paciente tem direito à causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, pois preenchidos os requisitos legais, sendo réu primário e portador de bons antecedentes ; e (f) a suposta gravidade do crime não deve ser considerada como requisito para aplicação do regime inicial de cumprimento de pena [...]. Por fim, é de se reconhecer o direito à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direito.

Requer, assim, a concessão da ordem, para declarar a nulidade das provas e absolver o paciente. Subsidiariamente, redimensionar a pena, com a consequente modificação do regime prisional.

É o relatório. Decido.

O preceito constitucional (art. 5º, XI, da CF/88) consagra a inviolabilidade do domicílio, direito fundamental enraizado mundialmente, a partir das tradições inglesas, conforme verificamos no discurso de Lord Chatham no Parlamento britânico:

"O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar".

A inviolabilidade domiciliar constitui uma das mais antigas e importantes garantias individuais de uma Sociedade civilizada pois engloba a tutela da intimidade, da vida privada, da honra, bem como a proteção individual e familiar do sossego e tranquilidade, que não podem ceder - salvo excepcionalmente - à persecução penal do Estado.

No sentido constitucional, o termo domicílio tem amplitude maior do que no direito privado ou no senso comum, não sendo somente a residência, ou, ainda, a habitação com intenção definitiva de estabelecimento, mas inclusive, quarto de hotel habitado. Considera-se, pois, domicílio todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito.

Como já pacificado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, domicílio, numa extensão conceitual mais larga, abrange até mesmo o local onde se exerce a profissão ou a atividade, desde que constitua um ambiente fechado ou de acesso restrito ao público, como é o caso típico dos escritórios profissionais. Como salientado por GIANPAOLO SMANIO, "aquilo que for destinado especificamente para o exercício da profissão estará dentro da disposição legal" (SMANIO, Gianpaolo Poggio. Direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 1999. p. 67).

Dessa forma, a proteção constitucional à inviolabilidade domiciliar abrange todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço preservaram-se, mediatamente, a intimidade e a vida privada do indivíduo, pois, como destacado pelo Ministro CELSO DE MELLO,

"a extensão do domicílio ao compartimento habitado e outras moradias , além de locais não abertos ao público no qual exerce a pessoa sua profissão ou atividade, há que ser entendida como um reforço de proteção à intimidade e à privacidade, igualmente exercitadas e merecedoras de tutela em locais não incluídos no rígido conceito 'residência' e domicílio" ( HC 106.566/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 19/3/2015).

Os direitos à intimidade e à vida privada - consubstanciados em bens, pertences e documentos pessoais existentes dentro de "casa" - garantem uma salvaguarda ao espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, e contra flagrantes arbitrariedades.

O conteúdo de bens, pertences e documentos pessoais existentes dentro de "casa", cuja proteção constitucional é histórica, se relaciona às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade (intimidade), e também envolve todos os relacionamentos externos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações sociais e culturais (vida privada).

Não há dúvidas, portanto, que se encontra em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da Dignidade da Pessoa Humana ( CF, art. 1º, III), com o direito à honra, intimidade e vida privada ( CF, art. 5º , X) utilizar-se, em desobediência expressa à autorização judicial ou aos limites de sua atuação, de bens e documentos pessoais apreendidos ilicitamente acarretando injustificado dano à dignidade humana, autorizando a ocorrência de indenização por danos materiais e morais, além do respectivo direito à resposta e responsabilização penal.

Os direitos à intimidade e vida privada, corolários da inviolabilidade domiciliar, devem ser interpretados de forma mais ampla, em face do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, levando em conta, como salienta PAOLO BARILE as delicadas, sentimentais e importantes relações familiares, devendo haver maior cuidado em qualquer intromissão externa (Diritti dell'uomo e libertá fondamentali. Bolonha: Il Molino, 1984. p. 154), pois como nos ensina ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO,

"as intromissões na vida familiar não se justificam pelo interesse de obtenção da prova, pois, da mesma forma do que sucede em relação aos segredos profissionais, deve ser igualmente reconhecida a função social de uma vivência conjugal e familiar à margem de restrições e intromissões" (Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 128).

Excepcionalmente, porém, a Constituição Federal estabelece específica e restritamente as hipóteses possíveis de violabilidade domiciliar, para que a "casa" não se transforme em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior se pratiquem ou se pretendam ocultar.

Dessa maneira, nos termos do já citado inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia, por determinação judicial.

A violabilidade lícita de domicílio legal, sem consentimento do morador, é permitida, portanto, somente nas estritas hipóteses constitucionais:

(a) DURANTE O DIA:

(a.1) flagrante delito;

(a.2) desastre;

(a.3) para prestar socorro;

(a.4) determinação judicial.

(b) PERÍODO NOTURNO:

(b.1) flagrante delito;

(b.2) desastre;

(b.3) para prestar socorro.

Dessa maneira, salvo situações absolutamente excepcionais (flagrante delito, desastre, para prestar socorro), tanto de dia, quanto à noite; o texto constitucional somente estabeleceu a previsão da cláusula de reserva jurisdicional para o período diurno, consagrando, portanto, uma maior proteção durante o descanso noturno, no sentido de garantir total efetividade a essa tradicional garantia fundamental.

O alcance interpretativo do inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal foi definido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na análise do RE 603.616/RO (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 10/5/2016, Tema 280 de Repercussão Geral), a partir, exatamente, das premissas da excepcionalidade e necessidade de eficácia total da garantia fundamental; tendo sido estabelecida a seguinte TESE:

"A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados."

O paradigma, consagrando a excepcionalidade das hipóteses e a

necessidade de eficácia total da garantia fundamental, consignou ser lícita a entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, mesmo em período noturno, desde que existam fundadas razões, justificadas a posteriori, que indiquem a ocorrência de flagrante delito.

O entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL impõe que os agentes estatais devem permear suas ações, em tais casos, motivadamente e com base em elementos probatórios mínimos que indiquem a ocorrência de situação de flagrante.

Na espécie, o Superior Tribunal de Justiça ratificou a conclusão das instâncias ordinárias quanto à ausência de nulidade pela alegada violação de domicílio, nos termos seguintes:

No caso, conforme extrai-se dos autos, os policiais militares, durante patrulhamento na localidade, avistaram o paciente entregando algo suspeito ao indivíduo Robson, e, quando o acusado visualizou a viatura, teria corrido em direção a uma residência. Ao abordarem o usuário Robson, ele confessou que estaria comprando o entorpecente do réu e, inclusive, mostrou aos agentes a negociação por mensagem de whatsapp.

Tais circunstâncias não deixam dúvida quanto a presença de fundadas razões de que naquela localidade estaria ocorrendo o delito de tráfico, o que autoriza o ingresso forçado dos policiais na residência, consoante pacífico entendimento desta Corte: : [...]

Nesse contexto, em se tratando de delito de tráfico de drogas praticado, em tese, na modalidade "ter em depósito", a consumação se prolonga no tempo e, enquanto configurada essa situação, a flagrância permite a busca domiciliar, independentemente da expedição de mandado judicial, desde que presentes fundadas razões de que em seu interior ocorre a prática de crime, como ocorreu na hipótese. Ilustrativo desse entendimento o referido precedente do Plenário desta CORTE:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia.

Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6 . Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso.

( RE 603.616/RO, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 10/5/2016).

A justa causa, portanto, não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito. Essa é a orientação que vem sendo adotada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL em julgados recentes ( HC 201.874 AgR/SP, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 30/06/2021; HC 202.040 MC/RS, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 11/06/2021; RHC 201.112/SC, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 28/05/2021; HC 202.344/MG, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 28/05/2021; RE 1.305.690/RS, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 26/03/2021; RE 1.170.918/RS, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 03/12/2018; e RHC 181.563/BA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 24/03/2020).

No caso concreto, conforme narrado, o ingresso dos agentes de segurança pública no domicílio foi devidamente motivado. Desse modo, não há, neste juízo, qualquer ilegalidade na ação dos policiais militares, pois as fundadas razões para a entrada dos policiais no domicílio foram justificadas, em correspondência com o entendimento da CORTE no RE 603.616/RO, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 10/5/2016.

Além disso, qualquer conclusão desta CORTE em sentido contrário demandaria minuciosa reanálise das questões fáticas suscitadas pela defesa, providência incompatível por esta via processual (cf. HC 159.624 AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 16/10/2018; HC 136.622-AgR/MS, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, Dje de 17/2/2017; HC 135.748/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, Dje de 13/2/2017; HC 135.956/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, Dje de 28/11/2016; HC 134.445- AgR/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, Dje de 27/9/2016).

No que tange aos pedidos de ilicitude das provas obtidas pelo acesso ao celular e da alegada ofensa à incomunicabilidade das testemunhas, registrou o STJ:

Do mesmo modo, não há se falar em ilicitude das provas obtidas pelo acesso ao celular, uma vez que o paciente mostrou espontaneamente às mensagens de texto aos policiais.

De fato, "a jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos ('WhatsApp'), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel" (HC 372.762/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 3/10/2017, DJe 16/10/2017).

Todavia, conforme se verifica dos excertos acima transcritos, na hipótese o paciente autorizou o acesso aos celulares, de forma voluntária e consciente, bem como houve posteriormente autorização judicial para a perícia no equipamento eletrônico. Logo, são válidas as mensagens extraídas do celular do réu para subsidiar a decisão condenatória.

[...]

Ademais, como bem salientado pelo Tribunal a quo , a condenação pelo crime de tráfico de drogas não se deu exclusivamente nas provas colhidas do celular, havendo outros elementos probatórios, colhidos durante a instrução processual, suficientes para manutenção da condenação. Nesse sentido: ( HC 448.003/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/3/2019, DJe 9/4/2019).

[...]

Quanto tese de nulidade em razão da violação à ampla defesa, no ponto, o juiz sentenciante afirmou que "r estou mantida a incomunicabilidade das testemunhas , sendo de rigor a manutenção da instrução por ausência de prejuízo ao réu, assim como por ter sido concedida oportunidade ao patrono de inclusive impugnar no momento eventual irregularidade, o que não foi feito (princípio da preclusão)." (e- STJ, fl,. 64) Já o Tribunal estadual refutou a tese da defesa, sob o fundamento de que "inexiste nulidade no depoimento judicial dos policiais, já que a mera suposição de ter ocorrido violação não é suficiente para anular o ato, mesmo porque prejuízo concreto algum foi demonstrado." (e-STJ, fl. 77)

Como se vê, as instâncias ordinárias afastaram a tese de incomunicabilidade das testemunhas, não havendo que se falar, portanto, em nulidade do ato.

Impende ressaltar, ademais, que, para o reconhecimento de eventual nulidade, far-se-ia necessária a demonstração do efetivo prejuízo, o que não ocorreu na hipótese em análise. É o que dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".

Assim, para se investigar (a) como os fatos se desenvolveram no momento da prisão em flagrante e (b) o modo pelo qual se deu a oitiva das testemunhas, de forma a infirmar a conclusão a que se chegou a instância ordinária, seria indispensável o exame do conjunto fático- probatório constante dos autos, providência incompatível com esta via processual ( HC 144.343-AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 11/9/2017; HC 136.622-AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 17/2/2017; HC 135.748, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 13/2/2017; HC 135.956, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 28/11/2016; HC 134.445-AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, DJe de 27/9/2016).

Além disso, tal como afirmou o STJ, as alegações defensivas não apontam de modo preciso, como exige a jurisprudência pátria, os reflexos negativos do ato reputado coator. Ou seja: não se indicou o prejuízo sofrido e nem de que modo a nulidade arguida favoreceria o paciente, sobretudo porque (a) a condenação do paciente não está amparada exclusivamente no suposto conteúdo dos dados obtidos a partir do exame no aparelho celular; e (b) não se anula a instrução somente porque uma testemunha conversou com outra, sem ter havido qualquer dano à imparcialidade do depoimento (NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 18ed., Forense, 2019, p. 591).

Incide, portanto, a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief) . Pertinentes, a propósito dessa temática, as lições de ADA, SCARANCE e MAGALHÃES: Sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil, que sacrificaria o objetivo maior da atividade jurisdicional (As nulidades no processo penal , p. 27, 12a ed., 2011, RT). Nesse mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: HC 132.149-AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 16/6/2017; RE 971.305-AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 13/3/2017; RHC 128.827, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 13/3/2017; RHC 129.663-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 16/5/2017; HC 120.121-AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 9/12/2016; HC 130.549-AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, DJe de 17/11/2016; RHC 134.182, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 8/8/2016; HC 132.814, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 1º/8/2016; AP 481-EI-ED, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 12/8/2014, este último assim ementado:

(...) 3. Além da arguição opportune tempore da suposta nulidade, seja ela relativa ou absoluta, a demonstração de prejuízo concreto é igualmente essencial para o seu reconhecimento, de acordo com o princípio do pas de nullité sans grief , presente no art. 563 do Código de Processo Penal. Precedentes. (...)

Em suma, as alegações de nulidade não procedem; entretanto, assiste razão à defesa em relação ao pleito de desclassificação do crime.

A presente hipótese, entretanto, apresenta excepcionalidade, em virtude da pequena quantidade de maconha apreendida e das circunstâncias e condições em que se desenvolveu a ação, indicando a necessidade de ser analisada a possibilidade de desclassificação do delito, uma vez que a condenação do paciente a 5 anos de reclusão, em regime fechado, se deu com base em acusação por tráfico ilícito de entorpecentes, em razão da apreensão de 25g de maconha.

Importante destacar que, em face do Princípio da Presunção de Inocência, a situação de "dúvida razoável" somente pode beneficiar o réu, pois, como destacado pelo Ministro CELSO DE MELLO ao proferir voto no julgamento da Ação Penal 858/DF,

[...] nenhuma acusação penal se presume provada. Esta afirmação, que decorre do consenso doutrinário e jurisprudencial em torno do tema, apenas acentua a inteira sujeição do Ministério Público ao ônus material de provar a imputação penal consubstanciada na denúncia.

Com a superveniência da Constituição de 1988, proclamou-se, explicitamente (art. 5º, LVII), um princípio que sempre existira, de modo imanente, em nosso ordenamento positivo o princípio da não culpabilidade (ou do estado de inocência) das pessoas sujeitas a procedimentos persecutórios.

No particular, a condenação do paciente foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça com arrimo nos seguintes fundamentos, extraídos do acórdão ora impugnado:

No que se refere à pretensão de desclassificação do delito do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 para o art. 28 da mesma lei, verifica-se que há testemunhos seguros, somado ao conjunto probatório trazido como fundamento na sentença condenatória, confirmada no acórdão recorrido (prisão em flagrante, boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão, auto de constatação e laudo toxicológico), de que o paciente vendeu, guardava e tinha em depósito, em desacordo com a lei ou norma regulamentar, 25.83g de maconha.

Confiram-se os seguintes trechos do acórdão impugnado:

"De acordo com a denúncia, no dia 19 de abril de 2022, por volta de 21h15, na Rua Santa Catarina, 600, na Comarca de XXXXXXXXXXX, XXXXXXXXXXXX vendeu, guardava e tinha em depósito, sem qualquer autorização legal, vinte e cinco gramas e oitenta e três centigramas de maconha.

Pois bem.

A materialidade delitiva está demonstrada pelo auto de prisão em flagrante (fls. 01), boletim de ocorrência (fls. 11/13), auto de exibição e apreensão (fls. 16/17), auto de constatação (fls. 21/27), bem como pelo laudo toxicológico (fls. 187/189).

A autoria também é certa.

Silente na delegacia (fls. 05), VITOR, em audiência, negou a prática da traficância ilícita, dando a entender que na ocasião teria agido apenas com" camaradagem "ao vender sem fins lucrativos uma porção de droga à testemunha Robson (fls. 225 gravação audiovisual). Tal versão, porém, não é capaz de isentá-lo da responsabilidade criminal pelo narcotráfico." (e-STJ, fls. 73-74; sem grifos no original).

Destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que, "para a ocorrência do elemento subjetivo do tipo descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, é suficiente a existência do dolo, assim compreendido como a vontade consciente de realizar o ilícito penal, o qual apresenta 18 (dezoito) condutas que podem ser praticadas, isoladas ou conjuntamente" ( REsp 1.361.484/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/6/2014, DJe

13/6/2014).

Vale anotar, ainda, que os depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão em flagrante são meio idôneo e suficiente para a formação do édito condenatório, quando em harmonia com as demais provas dos autos, e colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, como ocorreu na hipótese.

A Lei 11.343/2006 não fixou uma quantidade de substância entorpecente como referencial para diferenciar o tráfico de drogas do uso de substância entorpecente, até porque nada impede que um portador de pequena quantidade seja um traficante. É o contexto descrito na denúncia, amparado pelas provas colhidas ao longo da persecução criminal, que permitirá a autoridade judiciária verificar se a droga encontrada com o agente realmente era destinada à mercancia ou ao próprio consumo. Para tanto, devem ser observados os parâmetros estabelecidos pelo art. 28, § 2º, da Lei de Drogas, cuja redação é a seguinte:

Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Da simples leitura da sentença condenatória, é possível constatar que o Juízo sentenciante, à míngua de qualquer elemento robusto que evidenciasse a prática da mercancia ilícita, concluiu que as circunstâncias ensejadoras da prisão em flagrante denotam a prática do tráfico, uma vez que a abordagem se deu no exato momento em que o réu entregava a droga.

Dessa maneira, não se demonstrou, cabalmente, que a droga apreendida era destinada ao comércio, sobretudo se considerado que o outro agente presente no contexto da prisão ressaltou em juízo que uma semana antes o réu havia dito que não vendia [droga]. O paciente, por sua vez, enfatizou na fase judicial que é mero usuário de droga. É usuário desde 12 anos de idade.

Nessas circunstâncias, é temerária a manutenção da condenação do paciente à acentuada pena de 5 anos de reclusão, em regime fechado, em decorrência da apreensão de 25 gramas de maconha.

As penas cominadas ao referido delito, previsto no art. 28, são: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo.

A pena de advertência é de aplicação imediata e instantânea, enquanto as demais serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 meses, se o acusado for primário, ou por até 10 meses, em se tratando de reincidente (art. 28, § 3º, da Lei 11.343/2006).

No particular, o paciente permaneceu segregado cautelarmente durante toda instrução criminal (Doc. 3, fl. 44), que culminou em sua condenação, confirmada pelo TJSP. Já houve, portanto, o cumprimento de sanção mais severa do que qualquer das penas previstas no art. 28 da Lei 11.343/2006.

Diante do exposto, CONCEDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS para desclassificar a conduta de tráfico de drogas (art. 33, caput , da Lei 11.343/2006) para posse de droga para consumo pessoal (art. 28, caput , da Lei 11.343/2006) e, por consequência, DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE do agente, tendo em vista o cumprimento de medida mais severa do que a pena aplicável, quanto aos fatos apurados na Ação Penal 1500091-68.2022.8.26.0673, que tramitou na Vara Única da Comarca de Flórida Paulista/SP.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 30 de outubro de 2023.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente

(STF - HC: 234294 SP, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 30/10/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30/10/2023 PUBLIC 31/10/2023)

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