STJ 2023 - Prisão Preventiva Revogada de Réu não localizado ao ser citado - Homicídio Qualificado Tentado
Inteiro Teor
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 177707 - BA (2023/0078526-5)
DECISÃO
XXXXXXXXXXXX alega sofrer constrangimento ilegal diante de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no HC n. 8052259-49.2022.8.05.0000, que manteve a prisão preventiva do agente pela prática, em tese, de tentativa de homicídio qualificado.
Neste writ , a defesa sustenta, em síntese, não haver fundamentação idônea para subsidiar o decreto cautelar. Aduz que o paciente não estava foragido, como afirmou o Magistrado de origem. Afirma que houve acréscimo indevido de fundamentação pelo Tribunal a quo acerca da necessidade da custódia cautelar.
Requer a revogação da prisão ante tempus do recorrente ou sua substituição por medidas alternativas.
Às fls. 467-468, a defesa reitera: "a decisão preventiva utilizou de premissa equivocada e como único argumento a circunstância (INEXISTENTE) de que o Paciente teria declinado um falso endereço à Autoridade Policial, circunstância esta que depois foi esclarecida pelo próprio MP/BA como não ocorrida, tal qual, inclusive, também constatou o acórdão do TJ/BA" (fl. 483).
Deferida a liminar (fls. 472-475) e prestadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (fls. 556-560).
Decido.
O paciente foi denunciado pela suposta prática de homicídio qualificado tentado ocorrido em 9/1/2021. A Magistrada de origem recebeu a denúncia em 24/8/2021 e determinou a citação do acusado, que estava em liberdade.
O Ministério Público estadual requereu a prisão preventiva do agente em 6/5/2022 (fls. 516-518). Por não haver sido encontrado, procedeu-se à citação por edital do denunciado e a Juíza decretou a sua prisão preventiva, em 22/6/2022, consoante decisão assim motivada (fl. 185, grifei):
O Ministério Público do Estado da Bahia ofereceu denúncia em face de DIXXXXXXXXXXXXXXS, pela prática, em tese, do delito capitulado no art. 121, § 2º, II c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, em razão de fato ocorrido em 09/01/2021, que teve como vítima Almir Pablo Santos Oliveira. A tentativa de citação pessoal do acusado, no endereço que o próprio forneceu à Autoridade Policial quando de seu interrogatório e pregressamento na fase inquisitiva, restou infrutífera, consoante certidão de ID nº 182958860 e 1769351365, da lavra do Senhor Oficial de Justiça encarregado do mandamus.
Determinada a citação editalícia do réu tido como em local incerto e não sabido (ID nº 184860558), o chamamento ficto foi efetivado (ID nº 186038436), não tendo, no entanto, o acusado comparecido pessoalmente ou constituído defensor nos autos. Com efeito, o declínio de endereço inverídico à Autoridade Policial que o interrogou na fase inquisitiva, como se apraz demonstrada na hipótese vertente, demonstra inequívoco propósito do acusado de subtrair-se às consequências de sua conduta, furtando-se à persecução penal estatal.
O suporte fático concreto delineado tem subsunção expressa à hipótese abstrata inserta no art. 312, penúltima parte, do CPP, como medida imprescindível à GARANTIA DA FUTURA APLICAÇÃO DA LEI PENAL MATERIAL.
O Tribunal de origem, a seu turno, reconheceu o equívoco da Juíza de primeira instância - "efetivamente incorreu em equívoco o Magistrado a quo , ao pontuar que o Paciente forneceu endereço falso à autoridade policial, haja vista que ele não foi interrogado na fase inquisitória" (fl. 392, destaquei) -, mas manteve a prisão preventiva, "notadamente porque ele, supostamente, evadiu-se do distrito da culpa ainda em sede de investigação policial, tanto que deixou para trás o empreendimento que possuía, com todos os equipamentos e mercadorias" (fl. 393).
A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).
In casu , o Juízo de primeira instância decretou a custódia cautelar do paciente pelo fato de ele não haver sido encontrado para a citação. Todavia, segundo o entendimento desta Corte Superior, "a simples não localização do réu para responder ao chamamento judicial ou o fato de encontrar-se em local incerto e não sabido não constitui motivação suficiente para o encarceramento provisório, quando dissociado de qualquer outro elemento real que indique a sua condição de foragido. Não cabe deduzir que, frustrada a notificação ou a citação editalícia no processo penal, o acusado estaria evadido" ( AgRg no RHC n. 167.214/TO , Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6a T., DJe 6/10/2022, grifei).
Nesse mesmo sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIME DE SUPRESSÃO DE TRIBUTOS MEDIANTE OMISSÃO DE INFORMAÇÕES À RECEITA FEDERAL. PRISÃO PREVENTIVA. NÃO LOCALIZAÇÃO DO ACUSADO. CITAÇÃO POR EDITAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO QUE DEMONSTRE A CONDIÇÃO DE FORAGIDO. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.
1. Toda prisão preventiva, para ser legítima à luz da sistemática constitucional, exige que o Magistrado, sempre mediante fundamentos concretos extraídos de elementos constantes dos autos (arts. 5.º, incisos LXI, LXV e LXVI, e 93, inciso IX, da Constituição da Republica), demonstre a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria delitiva (fumus comissi delicti), bem como o preenchimento de ao menos um dos requisitos autorizativos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP, no sentido de que o réu, solto, irá perturbar ou colocar em perigo (periculum libertatis) a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.
2. Além disso, de acordo com a microrreforma processual procedida pela Lei n.º 12.403/2011 e com os princípios da excepcionalidade (art. 282, § 4.º, parte final, e § 6.º, do CPP, provisionalidade (art. 316 do CPP) e proporcionalidade (arts. 282,
incisos I e II, e 310, inciso II, parte final, do CPP), a segregação provisória há de ser medida necessária e adequada aos propósitos processuais a que serve, não podendo ser decretada ou mantida caso intervenções estatais menos invasivas à liberdade individual, consagradas no art. 319 do CPP, mostrem-se, por si sós, suficientes para acautelar o processo e/ou a sociedade.
3. Não obstante a decisão primeva e o acórdão combatido tenham justificado a necessidade da custódia cautelar para assegurar a aplicação da lei penal, uma vez que o Réu não foi localizado, mesmo após várias tentativas, constato que não foi indicado nenhum elemento concreto que evidenciasse a intenção do Recorrente de se furtar ao processo.
4. A 6.a Turma do Superior Tribunal de Justiça entende "que o perigo para a aplicação da lei penal não deflui do simples fato de se encontrar o réu em lugar incerto e não sabido. Não há confundir evasão com não localização" (STJ, RHC 50.126/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 19/10/2015.).
5. Recurso ordinário em habeas corpus provido para revogar o decreto de prisão preventiva do Recorrente, se por al não estiver preso, sem prejuízo de nova decretação ou da imposição de medidas cautelares alternativas, desde que devidamente fundamentadas. ( RHC n. 104.362/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz , 6a T., DJe 19/8/2019, destaquei)
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA 6 ANOS APÓS OS FATOS. FUNDAMENTO. NÃO LOCALIZAÇÃO DO RÉU. REVELIA. ELEMENTO INIDÔNEO. EVIDÊNCIA DE ILEGALIDADE. LIMINAR CONFIRMADA.
1. A simples ausência do réu, citado por edital, não é fundamento bastante para decretar a prisão cautelar, pois o desaparecimento do agente do distrito da culpa não leva, necessariamente, à conclusão de que pretenda ele se furtar à aplicação da lei penal. Precedentes.
2. Na espécie, a custódia do paciente foi decretada, mais de 6 anos após os fatos, somente em razão da revelia, o que configura nítido constrangimento ilegal.
3. Ordem concedida, confirmando-se a liminar deferida, para cassar o acórdão atacado e restabelecer a decisão do Juízo de primeiro grau, que indeferiu o pedido do Ministério Público de decretação da prisão cautelar do ora paciente (Processo n. 0013566-19.2010.8.26.0405, da 4a Vara Criminal da comarca de Osasco).
( HC n. 371.642/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior , 6a T., DJe 19/3/2019, grifei)
Ressalto que a premissa fática ensejadora do decreto cautelar se mostrou equivocada. Deveras, embora o Magistrado de primeira instância haja afirmado que o agente declinou o endereço durante a fase inquisitorial, esse fato foi refutado tanto pelo MP-BA quanto pelo Tribunal de origem, os quais asseveraram que o acusado nem sequer foi ouvido no inquérito policial.
À vista do exposto, concedo a ordem para, confirmada a liminar, tornar sem efeito a decisão que decretou a prisão preventiva do acusado, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar caso efetivamente demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
Comunique-se, com urgência, o inteiro teor deste decisum às instâncias ordinárias.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 24 de abril de 2023.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Relator
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(STJ - RHC: 177707, Relator: ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: 26/04/2023)
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