Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
7 de Maio de 2024

STJ Ago 22 - Guarda Municipal e Invasão Domiciliar - Nulidade

há 2 anos

Decisão Monocrática

HABEAS CORPUS Nº 716531 - SP (2022/0000197-4)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido liminar, impetrado em favor de SHIRLEY GRAIFF , em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Na origem, a paciente foi denunciada como incursa nos crimes dos arts. 33 , caput e 35 , caput , ambos da Lei n. 11.343/06, tendo sido condenada, ao final da apreciação das instâncias ordinárias, à pena de 10 anos de reclusão e pagamento de 1.500 dias-multa.

Neste habeas corpus , o impetrante alega nulidade na busca pessoal e domiciliar efetuada pela guarda municipal, porquanto ausente prévia autorização judicial ou justa causa que indicasse o estado de flagrância, bem como ausência de competência da guarda para implementar a medida de exceção. Pugna pela absolvição por ausência de materialidade.

Aduz, ainda, ser imperiosa a absolvição pelo crime de associação para o tráfico, por ausência de comprovação da estabilidade e vínculo subjetivo entre os corréus ou, alternativamente, pelo reconhecimento da minorante do tráfico de drogas e a consequente revisão no regime inicial de cumprimento de pena e a substituição por penas restritivas de direito.

Liminar indeferida à e-STJ, fl. 159-161.

Informações prestadas (e-STJ, fls. 165-230).

Ouvido o Ministério Público Federal, este manifestou-se não conhecimento do writ ou, se conhecido, pela denegação da ordem (e-STJ, fls. 234-246).

É o relatório.

Decido.

Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.

Examino, inicialmente, em conjunto, pelo contexto fático, as alegadas nulidades pelas buscas pessoal e domiciliar efetuadas pela guarda civil municipal.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no exame do RE n. 603.616 (Tema 280/STF), reconhecido como de repercussão geral, assentou que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro GILMAR MENDES, julgado em 05/11/2015).

O julgado está assim ementado:

"Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral.

2. Inviolabilidade de domicílio - art. , XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo.

3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia.

4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida.

6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.

7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso."( RE 603.616/RO, Relator Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, DJe 10/5/2016, grifou- se).

Ou seja, as buscas domiciliares sem autorização judicial dependem, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões de que naquela localidade esteja ocorrendo um delito.

Cito precedentes desta Corte:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. FLAGRANTE. PRISÃO PREVENTIVA. CASSAÇÃO. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

3. Depreende-se dos autos que os policiais receberam informações de inteligência segundo as quais o suspeito de um roubo estaria em um local apontado pelo sinal da tornozeleira eletrônica que tal indivíduo usava. Diante disso, a guarnição foi até o local e deparou com uma residência sobre a qual recaíam denúncias anônimas relacionadas ao tráfico de drogas. Na frente da residência, os agentes públicos viram dois suspeitos onde o sinal da tornozeleira era indicado e os abordaram, mas nada de ilícito foi encontrado com eles. Todavia, em razão da existência de informações sobre a prática de tráfico de drogas no imóvel, decidiram ingressar para a realização de busca domiciliar.

4. Não houve, no entanto, referência concreta a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Da mesma forma, não se fez menção a nenhuma atitude suspeita, externalizada em atos concretos, tampouco a movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas no local.

5. Embora os policiais hajam afirmado que o setor de inteligência da polícia fez monitoramento em datas anteriores no local, além de não haver prova concreta nos autos sobre a existência de tal investigação pretérita, tampouco de quando foi feito o suposto monitoramento, não se indicou sequer o que foi constatado nele, isto é, se foi observada movimentação típica da venda de drogas ou algo similar.

[...]

8. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões para o ingresso no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, cassar o decreto de prisão preventiva do acusado. ( HC n. 711.234/MT, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma , julgado em 15/3/2022, DJe de 22/3/2022.)

HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.

1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. A sabida permanência do delito de tráfico de drogas ilícitas, cuja execução se protrai no tempo, não torna justo o ingresso forçado no domicílio fora das hipóteses registradas no art. , XI, da CF/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. 3. Neste caso, a moldura fática extraída dos autos não permite que se conclua pela presença de elementos de suporte suficientes para justificar a decisão de ingressar na residência do paciente. 4. Esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima desacompanhada de medidas investigativas preliminares que indiquem a presença de fundadas razões para não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito.

5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, reconhecendo a

nulidade das provas obtidas mediante ingresso forçado no domicílio do paciente, absolvê-lo das imputações, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. ( HC n. 704.106/ES, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma , julgado em 8/2/2022, DJe de 15/2/2022.)

Reproduzo, por oportuno, os fundamentos do acórdão impugnado quanto à busca pessoal e domiciliar:

"[...] Estabelece o art. 301 do Código de Processo Penal que"Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito". Assim, a prisão em flagrante pode ser realizava por qualquer pessoa visando o exercício do direito de cidadania. Conquanto a guarda municipal não esteja investida de atividade de polícia ostensiva e possua como atribuição funcional primordial o resguardo de bens, serviços e instalações do município, esta pode atuar em caráter secundário na pacificação social, prevenção e inibição da prática delitiva, mormente quando ocorrido em locais e condições que estão sob sua esfera de proteção. No caso em testilha, os guardas municipais deixaram assentado que estavam em patrulhamento, quando avistaram o veículo Ford Ka, cor prata. A janela do carro estava aberta. No interior do automóvel, no banco traseiro, estava o réu Breno (já conhecido nos meios policiais). Ao notar a presença dos agentes públicos, o acusado se abaixou no banco, razão pela qual foi dado ordem de parada. O motorista do" Uber "Rinaldo Leite Ramalho disse que pegou o passageiro na Rua São Gonçalo e o levaria para os" predinhos do Jardim Marília ". Ao realizarem a abordagem, Breno transportava uma sacola contendo 06 tijolos de maconha, 140 porções de cocaína e 140 porções de cocaína na forma de crack. Desta forma, tem-se que não há qualquer ilegalidade na conduta dos agentes de autoridade que, diante da prática de tráfico de drogas, crime de natureza permanente, deram voz de prisão e apreenderam os entorpecentes em questão. Nesse sentido:"Nos termos o artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes"(STJ, RHC 94061 / SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julg. em 19/04/2018, DJe 30/04/2018). E, ainda:" Pode a Guarda Municipal, inobstante sua atribuição constitucional (art. 144, ,sS . , CF), bem como qualquer do povo, prender aquele encontrado em flagrante delito (art. 301, CPP). "(STJ, HC 365283/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julg. em 27/09/2016, DJe 24/11/2016). Não custa acrescentar que os guardas municipais, na condição de agentes de autoridade, podem promover a revista pessoal em qualquer indivíduo quando houver suspeita de prática ilícita, o que encontra reforço na Lei nº 13.022/2014. Confira-se: [...]. Quanto a alegada violação de domicílio, razão não assiste ao réu Breno. Estabelece o art. , XI, CF que a casa é asilo inviolável do indivíduo e ninguém nela pode penetrar sem consentimento do morador, salvo as seguintes exceções: flagrante delito, desastre, prestação de socorro e determinação judicial. Assim, na hipótese de crime permanente, em que a consumação se prolonga no tempo, no caso de 'ter em depósito ou guardar' substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, seria viável o ingresso forçado dos agentes de segurança, no domicílio dos réus, pois caracterizada a situação de flagrante. No entanto, cumpre salientar que, em sede de repercussão geral, o Col. STF entendeu que a entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente, justificadas 'a posteriori', que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.[...]. Com efeito, a situação de flagrante deve ser detectada com certa segurança antes da entrada no domicílio do réu. No caso em testilha, como já mencionado, o acusado Breno foi surpreendido no interior do veículo transportando entorpecentes. Indagado, o réu admitiu que havia retirado a droga com a corré Shirley na Rua São Gonçalo, 284. Disse, ainda, que Shirley pegou os tóxicos com a corré Adriana, na Rua Gonçalo 317. Perceberia R$ 300,00 para entregar as substâncias tóxicas nos pontos de venda do Jardim Marilia. Diante disso, os agentes públicos deslocaram-se até o imóvel de Adriana. A ré estava no corredor do imóvel e autorizou a entrada. No local foram apreendidos: 03 porções de cocaína na forma de crack; 12 tijolos de maconha; 01 porção de haxixe; 103 porções de haxixe; 934 porções de cocaína na forma de crack; 1330 porções de cocaína; 1.139 potes plásticos de maconha; 05 invólucros plásticos contendo" substância não identificada "; 04 balanças digitais; 02 rolos de filme" PVC "; centenas de embalagens plásticas de variadas cores; 10.000 microtubos plásticos vazios e outras centenas de cápsulas vazias; 02 celulares; 01 folha de caderno contendo anotações de típicas de tráfico de drogas; 374 frascos de vidro pequenos e R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais). Assim, verifica-se que a apreensão de drogas em poder de Breno, que acabou apontando o local onde havia retirado os entorpecentes, serviu como amparo as fundadas razões para que os agentes de segurança entrassem no domicílio da ré Adriana em busca das substâncias tóxicas. Portanto, a situação era de flagrante delito já iniciado na via pública, com fundada suspeita de extensão ao local onde as drogas estavam armazenadas, ou seja, no domicílio de Adriana, imóvel esse em que os entorpecentes foram apreendidos. De sorte que, a se exigir dos agentes que adotassem outras providências, certamente a prova do fato se perderia, e o interesse público na coibição do crime igualmente se esvaneceria com ela. E mesmo que assim não fosse, verifica-se que a ré Adriana franqueou a entrada dos guardas no imóvel. Portanto, não há que se falar em nulidade da prisão em flagrante por ilegalidade da abordagem realizada pelos guardas municipais e tampouco em violação de domicílio diante da apreensão de grande de entorpecentes [...]" (e-STJ, fls. 203-208).

No que se refere à busca pessoal, nada a impugnar quanto às conclusões do acórdão vergastado. Cediço que à guarda municipal, por força do art. 301 do CPP, é possível a prisão em flagrante, bem como a qualquer do povo, mormente quando fundada em atitude suspeita de pessoa abordada, escusando-se quando vislumbrou viatura da corporação, de modo que não há reparo a ser feito, quanto ao ponto, nesta via mandamental. Cito precedente:

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE DELITO. ABORDAGEM EM VIA PÚBLICA. FUNDADAS SUSPEITAS IN CASU. INVASÃO DE DOMICÍLIO NÃO EVIDENCIADA. AMPLO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NEGATIVA DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE EM 1/6. QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. REGIME FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA E REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante

ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

II - Apesar da função constitucional das guardas municipais serem restritas à proteção dos bens, serviços e instalações do entes municipais, não se verifica, in casu, qualquer ilegalidade ou abuso de poder na sua atuação, tendo em vista que a prisão efetuada foi realizada em flagrante, a qual poderia ser realizada até mesmo por qualquer do povo e sem mandado, na forma do art. 301, do Código de Processo Penal.

III - In casu, restou configurada a flagrância permanente de tráfico de entorpecentes, com base em fundados indícios (patrulhamento em área conhecida como ponto de venda de drogas, sendo o paciente avistado em conduta suspeita - guardando frasco plástico, no momento em que avistou a viatura, e passando a caminhar na direção contrária) -, ainda em via pública.

IV - Realizada busca pessoal, fora da residência, foram encontradas com o paciente drogas embaladas em porções individuais, tendo ainda, consoante as instâncias de origem, ocorrido a confissão acerca da conduta ilícita, bem como a indicação da existência de mais produtos entorpecentes em estoque em seu domicílio (de propriedade de seu pai, sendo um quarto ocupado pelo paciente). Dessa feita, devidamente configurado o flagrante permanente, fundado em justa causa, resta autorizado o ingresso no domicílio. [...] Habeas corpus não conhecido. ( HC n. 718.117/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Quinta Turma , julgado em 22/3/2022, DJe de 25/3/2022.)

O mesmo não pode ser afirmado quanto à subsequente busca domiciliar perpetrada pelos guardas municipais.

Não obstante esteja legitimada para atuação em bens e instalações dos entes municipais, não é dado à guarda municipal a entrada em domicílios, função que se restringe à autoridade policial. É o que se depreende da leitura do art. , inciso XIV, da Lei n. 13.022/14, que é o Estatuto Geral das Guardas Municipais:

Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:

[...]

XIV - encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário;

Em outras palavras, tendo sido avistado o corréu BRENO em flagrante delito, deveriam os guardas municipais tê-lo encaminhado para o delegado de polícia para adoção das providências devidas, e não se dirigido para o endereço de destino do corréu, o qual foi informado pelo motorista de transporte de aplicativo que o conduzia, a fim de reunir mais provas do crime de tráfico, pois essa providência é exclusiva da autoridade policial.

E, para o caso, pouco importa que tenha havido autorização da corré ADRIANA para ingresso em domicílio, uma vez que não compete à Guarda Municipal, ente de atuação subsidiária, a realização desse tipo de incursão, mas sim à Polícia Militar, atuando preventivamente, ou à Polícia Civil, cumprindo sua função de polícia judiciária.

Acerca do alegado consentimento da corré/moradora, assim já decidiu esta Corte:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA.

INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

7. São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país conhecido por suas práticas autoritárias - não apenas históricas, mas atuais -, a aceitação desse comportamento compromete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos fundamentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele ou raça. 7.1. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu no caso ora em julgamento - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de documentação que a imunize contra suspeitas e dúvidas sobre sua legalidade. 7.2. Por isso, avulta de importância que, além da documentação escrita da diligência policial (relatório circunstanciado), seja ela totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a não deixar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e, particularmente, quanto ao livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar. Semelhante providência resultará na diminuição da criminalidade em geral - pela maior eficácia probatória, bem como pela intimidação a abusos, de um lado, e falsas acusações contra policiais, por outro - e permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa causa para o ingresso e, quando indicado ter havido consentimento do morador, se foi ele livremente prestado. [...]

12. Habeas Corpus concedido, com a anulação da prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio e consequente absolvição do paciente, dando-se ciência do inteiro teor do acórdão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como às Defensorias Públicas dos Estados e da União, ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores-Gerais dos Estados, aos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que deem conhecimento do teor do julgado a todos os órgãos e agentes da segurança pública federal, estadual e distrital.

13. Estabelece-se o prazo de um ano para permitir o aparelhamento das polícias, treinamento e demais providências necessárias para a adaptação às diretrizes da presente decisão, de modo a, sem prejuízo do exame singular de casos futuros, evitar situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, implicar responsabilidade administrativa, civil e/ou penal do agente estatal. ( HC n. 598.051/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma , julgado em 2/3/2021, DJe de 15/3/2021.)

Desse modo, o aresto impugnado não atende ao standard argumentativo instituído pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 280 de sua repercussão geral - até porque, como bem destacado no acórdão paradigma, "não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida". Logo, é necessário reconhecer a nulidade das provas conseguidas pelos guardas municipais sem a demonstração clara do atendimento aos pressupostos elencados pela Suprema Corte.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus . Contudo, concedo a ordem , de ofício, para: i) anular as provas obtidas mediante busca na residência da corré ADRIANA SILVA LIMA, colhidas por autoridade incompetente, bem como todas as provas dela decorrentes; ii) cassar a sentença e o acórdão condenatórios proferidos nos autos da ação penal n. 1500022-26.2021.8.26.0526, determinando outra seja proferida, como entender de direito, em face de todos os corréus, mas sem a utilização das evidências ora reconhecidas como inválidas. Prejudicados os demais perdidos formulados neste mandamus .

Comunique-se, com urgência , ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem como à 2a Vara Criminal da Comarca de Salto/SP.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 01 de agosto de 2022.

Ministro Ribeiro Dantas

Relator

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

(STJ - HC: 716531 SP 2022/0000197-4, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 01/08/2022)


  • Publicações1087
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações593
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-ago-22-guarda-municipal-e-invasao-domiciliar-nulidade/1608213307

Informações relacionadas

Victor Emídio, Advogado
Artigoshá 2 anos

Saiba o que a Guarda Municipal pode ou não pode fazer

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 2 anos

STJ Maio 22 Busca e Apreensão Por Guarda Municipal - Invasão de Domicílio - Nulidade

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciaano passado

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS: AgRg no HC XXXXX SP XXXX/XXXXX-0

Justificando
Notíciashá 8 anos

A Guarda Municipal pode realizar diligências investigativas?

Agnelo Baltazar Tenorio Ferrer, Advogado
Modeloshá 7 anos

[Modelo] Recurso de Apelação Criminal em Face de Decisão do Conselho de Sentença

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)