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17 de Maio de 2024

STJ - Anulação de condenação baseada em reconhecimento por imagens de outro crime

há 2 anos


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HABEAS CORPUS Nº 697.790 - SC (2021/0316907-4) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PACIENTE : KAIQUE BATISTA SANTOS (PRESO) PACIENTE : MARCOS PAULO GONCALVES (PRESO) INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. IMAGENS ENCAMINHADAS À VÍTIMA VIA WHATSAPP. INOBSERVÂNCIA, NO CASO, DO DISPOSTO NO ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE OUTRA FONTE MATERIAL VÁLIDA E INDEPENDENTE DE PROVA. LEADING CASE DA SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: HC 598.886/SC, REL. MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ. CONDENAÇÃO QUE DEVE SER AFASTADA. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. No caso, a Autoridade Policial salienta que, em um primeiro momento, a Vítima não identificou os autores do crime. Todavia, após alguns dias, o Ofendido reconheceu o segundo Paciente, por intermédio de imagens recebidas em grupos de WhatsApp. No tocante ao primeiro Paciente, o Agente Policial associou as características relatadas pela Vítima ao de Investigado que constava nas imagens de um segundo roubo. Encaminhou as imagens ao Ofendido, que prontamente reconheceu o Réu. Posteriormente, ambos foram reconhecidos pessoalmente na fase inquisitorial. 2. Em decisão proferida em 28/09/2021 no RHC 206.846/SP, consignou o Ministro do Supremo Tribunal Federal GILMAR MENDES que, "[c]onforme ensina a doutrina, 'É ilusório […] esperar da memória um funcionamento regular infalível. Com isso, não estamos negando valor epistêmico à memória, mas destacando a importância de se distinguir a memória tal como ela é da memória que gostaríamos que fosse: a reconstrução dos fatos no processo penal será tanto mais confiável a medida em que mais nos acerquemos da primeira e nos distanciemos da segunda.' (MATIDA, Janaina; CECCONELLO, William W. Reconhecimento fotográfico e presunção de inocência. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 7, n. 1, p. 409-440, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v7i1.506). E prosseguem os professores Janaína e William: 'No que refere especificamente à prova de reconhecimento, a preservação do mito da 'memória máquina filmadora' significa aquiescer a falsos negativos e a falsos positivos, isto é, à absolvição de culpados e à condenação de inocentes. De outro lado, compreender as limitações constitutivas da memória humana torna necessária a tomada de uma série de providências no âmbito probatório – seja no que refere à produção, seja no que refere à valoração probatória, seja, finalmente, no que se refere à adoção de uma decisão sobre os fatos...'." (RHC 206.846/SP, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Documento: 138834843 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 18/11/2021 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça DJe 29/09/2021). Por isso concluiu o Relator que, no caso concreto, era nulo o "reconhecimento fotográfico realizado por WhatsApp, somado ao fato de que nenhuma outra prova há nos autos no sentido de confirmar a autoria sobre o recorrente". 3. A condenação está embasada, fundamentalmente, no reconhecimento fotográfico dos Réus por imagens encaminhadas ao Whatspp da Vítima, sem a devida indicação de outra fonte material independente de prova (independent source). É de suma relevância, a propósito, consignar que no próprio acórdão hostilizado, por duas vezes, ressaltou-se que as regras de reconhecimento não foram seguidas. 4. Em conclusão, o Juízo condenatório proferido pelo Tribunal a quo, fundado tão somente no reconhecimento fotográfico que não observou o devido regramento legal – e dissociado de outros elementos probatórios suficientes para lastrear idoneamente a condenação –, está em desconformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Inobservância do devido regramento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, nos termos da orientação consagrada no julgamento do HC n. 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (STJ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020). 5. Liminar ratificada. Ordem de habeas corpus concedida para absolver os Pacientes, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.


No voto:


Com efeito, observo que as provas que fundamentaram a conclusão das instâncias de origem não se mostram idôneas para lastrear o juízo condenatório, motivo pelo qual se impõe absolvê-los. No caso concreto, a Autoridade Policial salienta que, em um primeiro momento, a Vítima não identificou os autores do crime. Todavia, após alguns dias, o Documento: 138831188 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 8 de 15 Superior Tribunal de Justiça Ofendido reconheceu Marcos Paulo, por intermédio de imagens recebidas em grupos de WhatsApp. No tocante a Kaique, "o agente policial disse que não tinha fotografias dele no banco de dados da polícia, apenas as características do suspeito passadas pela vítima. Relatou que após esse segundo roubo, conseguiu as imagens e verificou que as características correspondiam com a pessoa do assalto no mercado" (fl. 291). Posteriormente, foram reconhecidos pessoalmente na sede policial. Em suma, inicialmente, a Vítima não reconheceu os autores do crime. Passados alguns dias, o segundo Paciente foi identificado nos arquivos repassados em grupos de WhatsApp. Quanto ao segundo Paciente, o Agente Policial associou as características relatadas pela Vítima ao de Investigado que constava nas imagens de um segundo roubo. Encaminhou a fotos ao Ofendido, que prontamente reconheceu o Réu – o que fora ratificado em reconhecimento pessoal na fase inquisitorial. Assim, o édito condenatório concluiu que a vítima, "ao observar as imagens deste segundo roubo, teria de forma espontânea reconhecido os acusados como sendo os autores do roubo por meio de fotografia" (fl. 293). Portanto, tem-se que a condenação está embasada, fundamentalmente, no reconhecimento fotográfico dos Réus pela Vítima realizado na fase inquisitorial e, posteriormente, confirmado em juízo. Concluo, dos excertos reproduzidos da sentença e do aresto ora impugnado, dessa forma, que não foram observadas as formalidades mínimas previstas no art. 226 do Código de Processo Penal, que assim estabelece (sem grifos no original): "Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais."Convém, a propósito, sobre essas regras, reproduzir o seguinte trecho do acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento, em 27/10/2020, do HC n. 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (sem grifos no Documento: 138831188 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 9 de 15 Superior Tribunal de Justiça original):"VIII. Os requisitos mínimos para a validade do reconhecimento de pessoa. O reconhecimento de pessoas é, como já destacado, meio de prova disciplinado no art. 226 do Código de Processo Penal. O dispositivo em apreço estabelece um procedimento e requisitos mínimos para que essa importante fonte de informações possa ter valor probatório, mesmo que produzida na fase inquisitorial, sem, portanto, o contraditório judicial e quase sempre sem o acompanhamento de um advogado ou mesmo do representante do Ministério Público. Eis por que não se poderia transigir com a inobservância do procedimento probatório, indispensável para que esse meio de prova produza seus efeitos no futuro convencimento judicial acerca da autoria delitiva. Mais ainda se revela frágil e perigosa a prova decorrente do reconhecimento pessoal quando se realiza por exibição ao reconhecedor de fotografia do suspeito, quase sempre escolhida previamente pela autoridade policial, quer por registros já existentes na unidade policial, quer por imagens obtidas pela internet ou em redes sociais. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no CPP para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito comprometem a idoneidade e a confiabilidade do ato. Diferente seria a situação de uma prova de reconhecimento derivada de filmagens de um crime por câmeras de segurança ou de um aparelho celular, das quais se permitiria, sem margem a dúvidas, identificar a pessoa filmada durante a ação delitiva, sempre, evidentemente, com o apoio de outras provas, ainda que circunstanciais. Em tais casos, não se trataria de ato de reconhecimento formal, mas de prova documental inserida nos autos, a merecer avaliação criteriosa do julgador. [...]. [...] proponho sejamos capazes de rever essa interpretação, mercê da qual se convalida, de algum modo, o reconhecimento – tanto pessoal quanto fotográfico – feito em desacordo com o modelo legal, ainda que sem valor probante pleno, e que pode estar dando lastro a condenações temerárias. Em verdade, o entendimento que se tem sufragado é o de que, havendo alguma prova que 'dê validade' ao reconhecimento irregularmente produzido na fase inquisitorial, este meio de prova acaba por compor o conjunto de provas a ser avaliada pelo juiz ao sentenciar. O problema de tal interpretação é que, não sendo raro a vítima confirmarem juízo um reconhecimento irregular, esse meio de prova assume importância ímpar no destino do acusado, porque 'amparado' por mera ratificação em juízo de algo que foge dos mínimos standards ou padrões epistemológicos para ser válido. [...]. Documento: 138831188 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 10 de 15 Superior Tribunal de Justiça Na espécie, conforme já salientado anteriormente, o reconhecimento fotográfico – já por si de confiabilidade duvidosa – não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no art. 226 do CPP. Não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida; não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a polícia uma foto de um suspeito que já cometeu outros crimes, mas que nada indicava, até então, ter qualquer ligação com o roubo investigado. Chega a ser temerário o procedimento policial adotado neste caso, ao se escolher, sem nenhuma explicação ou indício anterior, quem se desejava que fosse identificado pelas vítimas."(DJe 18/12/2020) Mister mencionar, ainda, decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal GILMAR MENDES em 28/09/2021 no RHC 206.846/SP, na qual concluiu que, no caso concreto, era nulo o"reconhecimento fotográfico realizado por WhatsApp, somado ao fato de que nenhuma outra prova há nos autos no sentido de confirmar a autoria sobre o recorrente". Desse ato, transcrevo o seguinte fragmento: "Frise-se que não há, nos autos, informações que expliquem por qual razão os policiais fotografaram o recorrente no momento da abordagem, uma vez que, com ele, nada foi encontrado. (eDOC 2, p. 90) Conforme ensina a doutrina, 'É ilusório […] esperar da memória um funcionamento regular infalível. Com isso, não estamos negando valor epistêmico à memória, mas destacando a importância de se distinguir a memória tal como ela é da memória que gostaríamos que fosse: a reconstrução dos fatos no processo penal será tanto mais confiável a medida em que mais nos acerquemos da primeira e nos distanciemos da segunda.' (MATIDA, Janaina; CECCONELLO, William W. Reconhecimento fotográfico e presunção de inocência. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 7, n. 1, p. 409-440, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v7i1.506) E prosseguem os professores Janaína e William: 'No que refere especificamente à prova de reconhecimento, a preservação do mito da 'memória máquina filmadora' significa aquiescer a falsos negativos e a falsos positivos, isto é, à absolvição de culpados e à condenação de inocentes. De outro lado, compreender as limitações constitutivas da memória humana torna necessária a tomada de uma série de providências no âmbito probatório – seja no que refere à produção, seja no que refere à valoração probatória, seja, finalmente, no que se refere à adoção de uma decisão sobre os fatos...' Em 'O Testemunho e as Distorções da Memória', a professora Catarina Gordiano traz os destaques necessários à compreensão das limitações de nossa memória que podem afetar/induzir/distorcer o reconhecimento do agente, sobretudo em momentos de tensão. Diz ela: 'As memórias originais dos eventos emocionais estressantes tendem a ser mais lembradas do que as memórias dos eventos neutros, mas, ainda nesses casos, as falsas memórias também podem ocorrer, principalmente nas situações de estímulo negativo, como um assalto ou algo que Documento: 138831188 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 11 de 15 Superior Tribunal de Justiça cause sofrimento. Haveria, então, um aumento de falsas memórias para conteúdos emocionais negativos e uma diminuição da memória verdadeira para os seus detalhes periféricos; e são esses detalhes que muitas vezes interessam à justiça.' […]. O viés do entrevistador é outro aspecto que pode contribuir para a ocorrência das falsas memórias. Considera-se um perigo grave julgar aquilo que o outro sentiu, compreendeu, quis, segundo aquilo que nós sentimos, compreendemos e queremos, pelo que a técnica penal de tratamento da testemunha torna-se preocupante. Trata-se de uma pessoa que o processo coloca em uma posição incômoda, submetida a uma requisição para utilidade pública: a testemunha é espremida, inquirida e suspeitada (CARNELUTTI, 1995). Acidentalmente o entrevistador pode inquirir a testemunha de maneira enviesada e potencialmente geradora de falsas memórias, por despreparo. Intencionalmente, pode revelar a busca pelas respostas que confirmem suas hipóteses, devido ao papel punitivo que ele acredita que deve desempenhar, por conta do sentimento de violência e de impunidade presentes na sociedade. A metodologia, a linguagem, a repetição e a reelaboração das perguntas, além de servirem como pretexto para se descobrir a verdade real, podem interferir no teor dos relatos da testemunha ao intensificarem a memória não do fato testemunhado, mas da narrativa do fato contido nas perguntas do próprio entrevistador. Stein (2010) apresenta algumas falhas das técnicas de entrevistas, como, por exemplo: 1) não explicar o propósito da entrevista nem as suas regras básicas; 2) não estabelecer 'rapport'; 3) não solicitar o relato livre, baseando-se em perguntas fechadas; 4) fazer perguntas sugestivas ou confirmatórias; 5) não acompanhar o que a testemunha acabou de dizer; não permitir pausas e interromper a fala da testemunha; 6) não fazer o fechamento da entrevista. Desta forma, o tipo da pergunta influencia demasiadamente na resposta do entrevistado. Exemplificando: as perguntas abertas possibilitam mais informações ('O que você viu no mercado naquele dia?'); as fechadas limitam a resposta ('Era de madrugada quando o fato ocorreu?'); as múltiplas confundem, estressam e tolhem as respostas ('Você viu o rosto do acusado?' – 'Com quem ele parece?' – 'Ele estava com uma arma na mão?'); as tendenciosas conduzem o entrevistado a responder conforme a orientação do entrevistador ('Se o acusado era preso foragido no dia do crime, então poderia ser ele o autor?'); as confirmatórias/inquisitivas podem confirmar o que o entrevistador pensa sobre o assunto (A testemunha fala que o acusado parece com o seu cunhado e o entrevistador pergunta: 'Então você me disse que seu cunhado estava na cena do crime, não é mesmo?'). Assim, por já estar influenciado por questões das mais diversas ordens, o entrevistador pergunta conforme sua visão de mundo, influenciando as testemunhas a desenvolverem respostas que corroboram tais ideias. Assim, por exemplo, uma prova testemunhal oriunda de um relato distorcido (falsas memórias sugeridas pelo próprio Documento: 138831188 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 12 de 15 Superior Tribunal de Justiça juiz) decide o fluxo de uma decisão. (O Testemunho e as Distorções da Memória. Henriques, Catarina Gordiano Paes. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2020) In casu, uma hora após a prática do delito, as vítimas receberam, via aplicativo WhatsApp, uma única imagem de uma pessoa indicada pelo policiais como sendo o suspeito da prática do crime quando, prontamente, afirmaram ser ele o autor do crime: o recorrente. Frise-se que o recorrente foi apontado como aquele que teria recolhido os objetos roubados, conforme afirmou a vítima: 'o acusado não estava armado, apenas estava recolhendo os objetos.' É bem certo que o agente ativo do roubo pode dispensar os objetos roubados e a arma utilizada no crime antes da chegada da polícia. É bem certo, também, que os agentes podem se dispersar para alterar a configuração existente na prática do delito. Todavia, nenhum outro elemento corrobora as declarações das vítimas, que afirmaram reconhecer o recorrente, inicialmente, por foto recebida via WhatsApp. In casu, a ausência de outros elementos que corroborem os depoimentos das vítimas impõe, no caso concreto, uma situação de dúvida. Aliás, embora o Juízo haja registrado o depoimento de dois policiais, de modo a demonstrar maior credibilidade à versão da acusação (olha, não foi apenas um, mas dois policiais que disseram a mesma coisa), verifica-se que o depoimento de um é cópia integral do depoimento do outro, a evidenciar, na essência, um único depoimento. [...]. Como se vê, penso, neste momento, assistir razão à DPU ao afirmar que, no caso concreto, o reconhecimento judicial está viciado pelo reconhecimento fotográfico realizado por WhatsApp, somado ao fato de que nenhuma outra prova há nos autos no sentido de confirmar a autoria sobre o recorrente." (RHC 206.846/SP, Rel. Ministro GILMAR MENDES, DJe 29/09/2021; sem grifos no original.) Vale ainda referir que, no caso, igualmente não foi indicada, concretamente, nenhuma fonte material independente de prova (independent source), diversa do reconhecimento oriundo da filmagem dos Pacientes pela Vítima, que ocasionou o reconhecimento fotográfico e o pessoal. É de suma relevância, a propósito, explicitar que no próprio acórdão hostilizado ressaltou-se, por duas vezes, que as regras de reconhecimento não foram seguidas. Reitere-se que, à fl. 438, declinou-se que "embora, quando da realização dos atos na delegacia e na penitenciária (autos n. 5019342-62.2021.8.24.0023, ev. 1, INQ1, p. 13/15), a inobservância das regras contidas na norma processual, infere-se que a Autoridade Policial apresentou fotos de outros indivíduos, bem como colocou um dos acusados ao lado de outras pessoas, oportunidades que o ofendido reconheceu os réus de Documento: 138831188 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 13 de 15 Superior Tribunal de Justiça pronto" (sem grifos no original). E, à fl. 440, explicitou-se que "que nem mesmo o reconhecimento realizado com a inobservância das regras processuais ou o fato de estarem de capacete no momento dos fatos foi suficiente para afastar a autoria delitiva que recaiu, sem dúvidas, aos acusados" (sem grifos no original). No mais, não houve prisão em flagrante e a res furtiva não foi encontrada na posse dos Pacientes. Em conclusão, o juízo condenatório proferido em primeiro grau e confirmado pelo Tribunal a quo, fundado tão somente no reconhecimento dos Réus pela Vítima, que não observou o devido regramento legal – portanto, dissociado de outros elementos probatórios suficientes para lastrear idoneamente a condenação –, está em desconformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Não fora observado o integral regramento previsto no referido art. 226 do Código de Processo Penal, nos termos do que consagrado no julgamento do HC n. 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020). A propósito, cito ainda os seguintes julgados: "PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO. RECONHECIMENTO PESSOAL REALIZADO EM SEDE POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. AUTORIA ESTABELECIDA UNICAMENTE COM BASE EM RECONHECIMENTO EFETUADO PELA VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. As Turmas que compõe a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que 'o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa' (HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/4/2021, DJe 3/5/2021). 2. Dos elementos probatórios que instruem o feito, verifica-se que a autoria delitiva do crime de roubo tem como único elemento de prova o reconhecimento da vítima em delegacia, sem observância das disposições do art. 226 do CPP (ainda que confirmado posteriormente em juízo). 3. Agravo regimental não provido." (STJ, AgRg no REsp 1.905.338/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021.) "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ROUBO TENTADO. NULIDADE. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. AUSÊNCIA DE CORROBORAÇÃO POR OUTRAS PROVAS. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. 'O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, Documento: 138831188 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 14 de 15 Superior Tribunal de Justiça realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa' (HC n. 598.886/SC, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020). 2. No caso, a única prova de autoria utilizada para a condenação do agente foi o reconhecimento fotográfico realizado em solo policial, que nem sequer foi repetido sob o crivo do contraditório, porquanto depreende-se que a vítima tão somente declarou que havia realizado o referido reconhecimento na fase administrativa. 3. Tem-se, portanto, édito condenatório lastreado em prova colhida em solo policial, repetível, porém não repetida, além de não corroborada por outros elementos obtidos na esfera judicial, procedimento que não atende aos ditames do devido processo legal. 4. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, para quem 'depreende-se que o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal não fora observado no presente caso, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, ensejando a nulidade da prova, e não servindo de fundamento para condenação, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva'. 5. Agravo regimental provido."(STJ, AgRg no HC 637.951/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/05/2021, DJe 02/06/2021.) Assim, no caso, o reconhecimento fotográfico, mesmo confirmado em juízo, não é suficiente para lastrear a condenação, por ter sido concretizado sem observância do art. 226 do Código de Processo Penal. Ante o exposto, em ratificação aos fundamentos da decisão em que deferi o pedido liminar (fls. 459-469), CONCEDO a ordem de habeas corpus para afastar a condenação havida no Processo-crime n. 5019779-06.2021.8.24.0023/SC e, em consequência, ABSOLVER os Pacientes, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. É como voto




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