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5 de Maio de 2024

STJ Mar23 - Denúncia com Base em Quebra de Sigilo tida como Ilícita pelo STJ - Arquivamento do Feito

ano passado

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 778553 - PE (2022/0332087-5)

RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

EMENTA

HABEAS CORPUS . CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA REJEITADA EM PRIMEIRO GRAU E RECEBIDA EM SEGUNDO GRAU. PROVA ILÍCITA. QUEBRAS DOS SIGILOS DE DADOS FISCAIS E BANCÁRIOS CONSIDERADAS ILEGAIS PELO STJ NO RHC N. 39.869/PE. DECISÕES GENÉRICAS E SEM FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. PARECER ACOLHIDO.

Ordem concedida nos termos do dispositivo.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de XXXXXXX, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 5a Região.

Consta dos autos que o Juiz Federal da 24a Vara da Seção Judiciária de Pernambuco rejeitou a denúncia oferecida contra o paciente e os corréus, pela suposta prática do delito previsto no art. , I, da Lei n. 8.137/1990, em razão da ausência de justa causa, diante do reconhecimento da ilicitude das provas.

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito no Tribunal de origem, o qual deu provimento ao recurso para receber a exordial.

Eis a ementa do julgado (fl. 57):

PENAL. PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. POR

PRETENSA. NULIDADE DA PROVA QUE A EMBASA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO QUE, TODAVIA, NO CASO, FOI. AUTORIZADA JUDICIALMENTE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERDITAR-SE AO MPF ACESSO À JUSTIÇA. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. A denúncia foi rejeitada em primeiro grau ao arrimo de que as provas consideradas em sua formulação (dados bancários a partir dos quais foram lançados os tributos objeto da sonegação) teriam sido obtidas por meios ilícitos (compartilhamento de informações bancárias, constitucionalmente sigilosas, sem autorização judicial escorreita), donde o recurso manejado pelo MPF.

2. Sucede que houve duas autorizações judiciais: A primeira delas obtida pelo MPF de modo genérico, inespecífico, através do Processo 2000.83.00.020056-6, por meio do qual pretendeu o compartilhamento de informações bancárias de correntistas que figurassem em certas condições de suspeição (isentos, por exemplo, os quais, segundo a CPMF paga, houvessem movimentado altas quantias suas contas-correntes). A partir daí, foi identificada a Sra. XXXXXX, em desfavor de quem houve pedido específico de quebra de sigilo bancário, formulado no Procedimento Criminal 2001.83.00.0078686, o qual, do mesmo modo, foi deferido judicialmente, ainda que louvado em fundamentação sintética, concisa;

3. Neste cenário, não é possível dizer-se ilícita a prova em que se baseia a persecução criminal obstada em Primeiro grau, tanto mais para impedi-Ia em seu nascedouro, momento em que toda dúvida milita em favor da sociedade e da persecução (inafastabilidade da jurisdição);

4. Recurso em sentido estrito provido, denúncia recebida.

Aqui, aduz-se que, ao reformar a decisão de rejeição da inicial, o acórdão ora apontado como ato coator chancelou flagrante ilegalidade, consistente na patente carência de motivação idônea das duas decisões que, ainda na fase policial, impuseram a quebra de sigilo fiscal e bancária a partir das quais foram angariadas as provas que ensejaram o oferecimento de denúncia contra o paciente, o que se constitui num clarividente constrangimento ilegal (fl. 9).

Argumenta-se, quanto à ilicitude das provas que embasaram a denúncia, o seguinte (fls. 10/18):

[...]

O aludido Inquérito Policial foi instaurado a partir de notícia crime advinda no Procedimento Criminal n. 2001.83.00.007868-6, conduzido diretamente pelo MPF em face da pessoa de XXXXXXXXXXXX.

Por sua vez, o Procedimento Criminal n. 2001.83.00.007868-6 decorre das informações obtidas pelo Ministério Público Federal no Processo n. 2000.83.00.020056-6.

No bojo desse Processo n. 2000.83.00.020056-6, a requerimento do Parquet, o Juízo da 2a Vara Federal de Pernambuco exarou decisão determinando, de forma genérica, indiscriminada e sem alvo definido, quebras de sigilo fiscal.

Em decorrência dessa decisão, o Ministério Público Federal recebeu informações fiscais de toda e qualquer pessoa física que teve movimentação financeira igual ou superior a cinco milhões de reais no ano calendário de 1998 e não apresentou declaração de imposto de renda ou apresentou como isento.

[...]

Assim, a partir dessa quebra indiscriminada de sigilo fiscal de toda e qualquer pessoa física na condição acima descrita e das subsequentes informações genéricas fornecidas pelo órgão fazendário, o Ministério Público Federal instaurou diversos procedimentos investigatórios criminais autônomos, para investigar cada um dos cidadãos identificados.

Dentre esses procedimentos investigatórios, foi instaurado, em relação à pessoa de XXXXXXXXXa, o mencionado Procedimento Criminal n. 2001.83.00.007868-6, que, como dito, ensejou a instauração do Inquérito Policial nº 096/2007, balizador da denúncia recebida pelo TRF5.

No ponto, registre-se que XXXXXXXXXXXXX, como descrito na denúncia, trata-se de pessoa que dividia com o paciente a titularidade de conta corrente (conjunta) alcançada pelas medidas invasivas em comento.

E, conforme se observa da inicial, justamente com base nessas informações fiscais e nas subsequentes informações sobre as movimentações bancárias de XXXXXXXXXXXXX, o Ministério Público Federal promoveu a ação penal contra o paciente, consoante se verifica da denúncia, verbis:

[...]

Agora, não bastasse a manifesta ilegalidade da primeira decisão de quebra de sigilo, cujo reconhecimento é imperioso já a partir do quanto acima demonstrado (primeiro fundamento da presente impetração), é inescondível o fato de que a ilegalidade da referida decisão proferida no Processo n. 2000.83.00.020056-6 já foi declarada por esse Superior Tribunal de Justiça.

No julgamento dos EDcl no RHC nº 39.896 (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior), cujo recorrente era a pessoa de XXXXXXXXXX (um dos tantos atingidos pela ordem judicial do Juízo da 2a Vara Federal de Pernambuco nos autos do Processo n. 2000.83.00.020056-6), a Sexta Turma desse col. Superior Tribunal de Justiça

reconheceu a ilegalidade da decisão determinando, indiscriminadamente, o compartilhamento de informações entre Receita Federal e MPF (Doc. 05 - Acórdão do STJ ref. EDcl no RHC n. 39.896/PE).

[...]

É que, uma vez instaurado o Procedimento Criminal n. 2001.83.00.007868-6, foi requerida judicialmente, no interesse do referido procedimento investigativo, a quebra do sigilo bancário da pessoa de Severina de Melo Ferreira, perante, agora, o Juízo da 4a Vara Federal de Pernambuco, tendo a autoridade judicial deferido o pleito, em decisão lavrada nos seguintes termos (Doc. 6 - Decisão Judicial):

"Autorizo a quebra de sigilo bancário, como requerido. Oficie-se os bancos, através de AR, para no prazo de 30 (trinta) dias, fornecer todos os dados requeridos sob as penas da lei".

[...]

Trata-se de decisão absolutamente destituída de qualquer fundamentação. A decisão acima apenas conta com a mera determinação de quebra de sigilo bancário, não havendo uma mínima exposição das razões que levaram à autoridade judicial a decidir.

E essa a ausência de fundamentação não passou despercebida pelo Juízo da 24a Vara Federal de Pernambuco, conforme se verifica da decisão de rejeição da denúncia:

[...]

De se ver, é absolutamente acertada a decisão de rejeição da denúncia proferida pelo Juízo da 24a Vara Federal de Pernambuco. Desse modo, já diante do aqui demonstrado (com base em que se arrima, no ponto, a presente impetração), é inescondível a ilegalidade da segunda decisão de quebra de sigilo, proferida nos autos do Procedimento Criminal n. 2001.83.00.007868-6, pelo que é imperativo o reconhecimento da sua imprestabilidade e, por conseguinte, das provas produzidas a partir dela.

Ao final, requer-se (fl. 21):

a) a concessão da ordem de habeas corpus para cassar o acórdão do Tribunal Regional Federal da 5a Região, proferido nos autos do recurso em sentido estrito n. 2398 ( 0001930-41.2016.4.05.8302), fazendo prevalecer a decisão por meio da qual o Juízo da 24a Vara Federal de Pernambuco rejeitou a denúncia contra o paciente.

b) subsidiariamente, a concessão da ordem para, reconhecendo-se a nulidade das decisões de quebra de sigilo apontadas, determinar o desentranhamento dos autos das provas obtidas a partir delas, nos termos do art.

157, caput e § 1º, do CPP, ordenando que o Juízo processante proceda, após a efetivação da providência, com nova análise acerca da viabilidade da ação penal, notadamente no que concerne à existência (ou não) de justa causa para a instauração do processo penal.

Informações prestadas às fls. 100/102 e 104/107.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou nos termos da seguinte ementa (fl. 121):

Habeas Corpus . Crime contra a ordem tributária. Denúncia rejeitada em primeiro grau e recebida em segundo grau. Prova ilícita. - Tanto o juízo de primeiro grau como o Tribunal Regional Federal da 5a Região assentaram que a denúncia está estribada em dados fiscais e bancários obtidos nos procedimentos investigativos de ns. 2000.83.0020056-6 e 2001.83.00.007868-6. Tendo em vista que as quebras dos sigilos foram consideradas ilegais pelo STJ no julgamento do RHC 39.869/PE (posto que genéricas e sem fundamentação), forçoso reconhecer que não há justa causa para a ação penal, eis que, excluídos os dados advindos da quebra dos sigilos fiscal e bancários do paciente, resta não configurada a materialidade do delito. Parecer pela concessão, a fim de rejeitar a denúncia contra o paciente.

É o relatório.

Estou de acordo com o parecer oferecido pelo Subprocurador-Geral da República XXXXXXXXXX, cujos fundamentos a seguir transcritos adoto como razão de decidir (fls. 122/126 - grifo nosso):

Tem razão o Impetrante.

Colho da decisão de primeiro grau, que rejeitou a denúncia:

[P]asso à análise de cada decisão proferida de per si, sendo, a primeira, proferida pelo Juízo da 2a Vara Federal no processo n. 2000.83.00.020056-6, autorizando o compartilhamento de dados pela Receita com o MPF para a investigação de crimes por contribuintes da CPMF com altas movimentações financeiras e que fossem isentas, inativas ou omissas quanto à declaração do IR e, a segunda, exarada no Procedimento Criminal n. 2001.83.00.007868-6 pelo Juízo da 4a Vara Federal (fl. 53 do apenso II),autorizando a quebra do sigilo bancário da tia dos denunciados, Severina de Melo Ferreira.

[...]

No que concerne à primeira decisão, proferida pelo Juízo da 2a Vara Federal no Processo n. 200.83.00.020056-6, autorizando o compartilhamento de dados pela Receita com o MPF para fins de ação penal, registrou o magistrado que o repasse das informações sobre a movimentação financeira de contribuintes do CPMF para a investigação de crimes por pessoas isentas, inativas ou omissas com altas movimentações teria sido negado por força da Lei nº 9.311/96 e do sigilo bancário e fiscal. Porém, registrou que a Lei nº 9611/96 vedaria a utilização das informações bancária quanto à CMPF para a cobrança de outros tributos, e não para investigar crimes.

Por isso, determinou o Juízo o repasse ao MPF de relação com os dados de identificação e com a indicação das instituições financeiras e dos valores a que se refere o art. 11, § 2º, da Lei 9.311/96, das pessoas físicas que não apresentaram declaração anual de ajuste (omissas), ou apresentaram como isentos e que teriam feito, no ano-calendário de 1998,movimentação financeira igual ou superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), e de pessoas jurídicas na mesma situação com movimentação superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

Como se vê, embora o Juízo tenha tecido argumentos acerca da

necessidade da medida, o fez de forma indiscriminada, sem demonstrar, concreta e especificamente por contribuinte, a pertinência do compartilhamento de dados para fins penais, [...].

Justamente a par dessa decisão obtida no processo n. 2000.83.00.020056-6 perante o Juízo da 2a Vara Federal (fls. 40/42 do Apenso II) é que se logrou identificar a Sra. XXXXXXXXXXa (fl. 69do Anexo I) como tendo movimentado a cifra de R$ 5.271.551,96 junto ao Banco Bradesco, informação com lastro na qual o MPF vindicou a quebra do seu sigilo bancário no Procedimento Criminal n. 2001.83.00.007868-6 junto ao Juízo da 4a Vara Federal (Apenso II), que, a seu turno, proferiu decisão nos seguintes termos (fl. 53 do Apenso II):

"Autorizo a quebra do sigilo bancário, como requerido. Oficie-se os bancos, através do AR, para no prazo de trinta (30) dias, fornecer todos os dados requeridos, sob as penas da lei".

Essa decisão, naturalmente, e sem maiores delongas, carece igualmente de adequada fundamentação, vez que não analisou a situação fática subjacente que autorizaria ou não a excepcionalidade da medida, ainda que por referência aos argumentos do MPF, ferindo as garantias constitucionais de fundamentação das decisões judiciais. Sobre essa decisão, a 6a Turma do STJ também teve a oportunidade de se manifestar nos autos do RHC 39.896/PE, conforme acórdão adiante transcrito:

RECURSO ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E USO DE DOCUMENTO FALSO. DECISÃO QUE ANALISA AS TESES FORMULADAS NA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DEBATE A RESPEITO DE CADA ALEGAÇÃO. EXISTÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. ACESSO AOS DADOS BANCÁRIOS DE FORMA DIRETA PELA RECEITA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL COM BASE EM INÉPCIA DA DENÚNCIA. EXORDIAL ACUSATÓRIA QUE NARRA SATISFATORIAMENTE AS CONDUTAS IMPUTADAS AO PACIENTE,COM A INDICAÇÃO DO INDISPENSÁVEL NEXO CAUSAL.

1. Esta Corte tem reiteradamente decidido que a motivação do Juízo de primeiro grau a respeito das alegações formuladas na referida defesa preliminar deve ser sucinta, limitando-se o magistrado a fazer um juízo de admissibilidade da acusação, principalmente quando não evidenciado fato que ensejaria a absolvição sumária do réu, até porque o mérito da acusação será devidamente apreciado no decorrer da instrução criminal.

2. No caso dos autos, o magistrado singular, de forma fundamentada, repeliu cada alegação formulada pela defesa na resposta à acusação, razão pela qual não há falar em ausência de fundamentação na decisão que manteve o recebimento da denúncia e deu início à instrução criminal.

3. O sigilo bancário e o sigilo fiscal estão incluídos no direito à privacidade, tutelado constitucionalmente (art. , X e XII, da CF), de modo que a violação exige suficiente fundamentação por parte do Judiciário a respeito da existência dos motivos que justifiquem a sua ocorrência.

4. No presente caso, o Juízo de primeiro grau não fundamentou concretamente a necessidade da medida, não podendo a única linha redigida ser considerada nem sequer como fundamentação per relationem, uma vez que não se fez a devida referência aos argumentos do pedido formulado pelo membro do Ministério Público Federal.

5. Evidenciado que o sigilo bancário da pessoa jurídica administrada pelo recorrente foi violado diretamente pelo Fisco, que obteve deforma direta os dados relacionados à movimentação financeira da investigada, deve ser reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da referida violação. Precedentes.

6. Tendo em vista a impossibilidade de se aferir se a denúncia que deflagrou a ação penal penal se encontra, ou não, consubstanciada exclusivamente na prova obtida por meio da quebra considerada ilegal (de sigilo fiscal e bancário da pessoa jurídica gerida pelo acusado), apresenta-se

prudente a análise da tese de inépcia da denúncia.

7. A persecução criminal carece de legitimidade quando, ao cotejar- se o tipo penal incriminador indicado na denúncia com a conduta supostamente atribuível ao denunciado, a acusação não atende às exigências estabelecidas no art. 41 do Código de Processo Penal deforma suficiente para a deflagração da ação penal, bem assim para o escorreito exercício do contraditório e da ampla defesa.

8. No caso dos autos, encontra-se suficientemente delineado na exordial acusatória o vínculo subjetivo entre o recorrente e os fatos a ele atribuídos, de forma o bastante para o prosseguimento da ação penal. Observa-se que as imputações, apesar de se vincularem ao fato de ele ser sócio da sociedade empresária, apegam-se, também, à circunstância de que o contrato da sociedade previa que ele seria um dos sócios-gerentes e administrador da empresa, elemento indicador da convicção de que a ele cabia o gerenciamento das obrigações com o Fisco, a qual somente poderá ser desconstituída no decorrer da instrução criminal.

9. Observa-se que o membro do Ministério Público Federal, ao contrário do alegado na inicial, empreendeu consideráveis esforço sem demonstrar a existência de indícios de autoria em relação ao recorrente, não se podendo cogitar de inépcia da denúncia por ausência de demonstração do nexo de causalidade e de individualização da conduta imputada.

10. Recurso parcialmente provido, apenas para determinar o desentranhamento das provas decorrentes da quebra de sigilo fiscal e bancário, cabendo ao magistrado de origem verificar se a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal se encontra calcada em outros elementos de convicção, não contaminados pela ilicitude da prova obtida por meio da quebra ilegal das mencionadas garantias, bem como quais outros elementos de prova e decisões proferidas na ação penal em tela estão contaminados pela ilicitude ora reconhecida. ( RHC n. 39.896/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 22/10/2013, DJe de 14/11/2013.) [...] em 22/10/2013, DJe de 14/11/2013.) [...]

n. 39.896/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 22/10/2013, DJe de 14/11/2013.) [...]

No caso, à luz dos dados obtidos por referidas quebras, fiscal e bancária, a Receita Federal elaborou Representação Fiscal para fins Penais (Apenso I - Procedimento Administrativo nº 10435.001.260/2003-05) contra a Sra. XXXXXXXXXXX por suposta sonegação de imposto de renda nos anos-calendários de 1998 e 1999 em razão da elevada movimentação financeira verificada, embora omissa quanto à entrega das declarações anuais, apurando-se, consoante Auto de Infração, crédito tributário no valor de R4 6.144.922,47, objeto de detida explicação no Termo de Verificação e de Encerramento de Ação Fiscal. Também calcado nestes dados, o MPF requereu a realização de diligências à Polícia Federal, incluindo eventual empréstimo da conta para movimentação de terceiros, o que ensejou a identificação dos ora denunciados nos autos do IPL nº 096/2007, instaurado com esse fim.

Como se vê, tanto a decisão que indevidamente compartilhou os dados entre a Receita e o MPF quanto a que, sem qualquer fundamentação concreta, autorizou a quebra do sigilo bancário da falecida titular da conta bancária, encontram-se eivadas de vício insuperável, porquanto proferida sem frontal colisão com o ordenamento constitucional e legal e, ainda, contra a jurisprudência majoritária do STJ, cuja 6a Turma teve a oportunidade de apreciar e se posicionar especificamente acerca da ilicitude das provas decorrentes das quebras de sigilo fiscal e bancário em caso envolvendo outro investigado detectado a partir da primeira quebra, porquanto não fundamentaram concretamente a necessidade do afastamento do sigilo. [...] Portanto, as provas produzidas em decorrência das quebras ilícitas, por ausência de idônea e específica fundamentação e necessidade de afastar o sigilo, padecem da mesma sorte, o que inevitavelmente repercute sobre a denúncia ofertada pelo MPF, cuja provas substanciais são, nesse sentido, ou ilícitas, no caso dos extratos bancários e da Representação Fiscal para fins Penais, ou dela derivadas, o que põe em xeque a justa causa para o seu recebimento, porquanto inexistem provas idôneas e suficientes acerca da materialidade e autoria delitivas. [...]. (45/48, grifos nossos)

Por sua vez, a conclusão fática do Tribunal Regional Federal da 5aRegião foi

a seguinte:

S]ucede que houve duas autorizações judiciais. A primeira delas obtida pelo MPF de modo genérico, inespecífico, através do Processo 2000.83.00.020056-6, por meio do qual pretendeu o compartilhamento de informações bancárias de correntistas que figurassem em certas condições de suspeição (isentos, por exemplo, os quais, segundo a CPMF paga, houvessem movimentado altas quantias por suas contas-correntes). A partir daí, foi identificada a Sra XXXXXXXXXXX, em desfavor de quem houve pedido específico de quebra de sigilo bancário, formulado no Procedimento Criminal 2001.83.00.007868-6, o qual, do mesmo modo, foi deferido judicialmente, ainda que louvado em fundamentação sintética, concisa. (e-STJ Fl. 55)

Conforme se nota, a denúncia está estribada em elementos de informação colhidos a partir das quebras de sigilos nos procedimentos 2000.83.0020056-6 e 2001.83.00.007868-6.

Todavia, ambos foram considerados ilegais pelo Superior Tribunal de Justiça na apreciação do RHC n. 39.869/PE (relativo a paciente diverso), cuja ementa foi acima transcrita.

Quanto à quebra do sigilo no procedimento de n.2001.83.00.007868-6, consignou o Ministro Relator :

N]o tocante ao pleito de anulação da prova obtida por meio da quebra de sigilo fiscal e bancário do paciente, melhor sorte socorre o recorrente.

O sigilo bancário e o sigilo fiscal estão incluídos no direito à privacidade, tutelado constitucionalmente (art. , X e XII, da CF), de modo que a sua violação exige suficiente fundamentação por parte do Judiciário a respeito da existência dos motivos que justifiquem a sua ocorrência.

Dos autos não consta cópia do despacho que autorizou a quebra dos referidos sigilos, mas, em contato com a Secretaria da 4a Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, obtive o inteiro teor do despacho, tendo o magistrado consignado apenas que (fl. 486):

Autorizo a quebra do sigilo bancário, como requerido. Oficie-se aos bancos para, no prazo de 30 (trinta) dias, fornecer todos os dados requeridos, sob as penas da lei.

[...]

Como se vê, o magistrado singular não fundamentou concretamente a necessidade da medida, não podendo a única linha redigida ser considerada nem sequer como fundamentação per relationem, uma vez que não se fez a devida referência aos argumentos do pedido formulado pelo membro do Ministério Público Federal.

Posteriormente, ao julgar embargos de declaração, também consignou a ilegalidade do compartilhamento genérico e coletivo dos dados fiscais pela Receita Federal ao Ministério Público:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS . CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E USO DE DOCUMENTO FALSO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DA DECISÃO QUE DECRETOU A QUEBRA DO SIGILO FISCAL. PRETENSÃO DE MODIFICAÇÃO DO JULGADO, A FIM DE DETERMINAR O DESENTRANHAMENTO APENAS DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO DA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. OMISSÃO SANADA, SEM MODIFICAÇÃO NA CONCLUSÃO DO JULGADO. DECISÃO QUE SE APRESENTA GENÉRICA. AUSÊNCIA DE MENÇÃO A ELEMENTOS CONCRETOS DO CASO EM ANÁLISE. DETERMINAÇÃO DA QUEBRA DO SIGILO FISCAL DE TODAS AS PESSOAS FÍSICAS QUE APRESENTARAM MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA IGUAL OU SUPERIOR A CINCO MILHÕES DE REAIS E SE DECLARARAM ISENTAS OU SE OMITIRAM NA APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO.

1. Verificado que a decisão que analisou o pedido de quebra do sigilo fiscal do embargante não foi objeto de exame no acórdão decorrente do julgamento do mérito da presente impetração, merecem acolhimento os embargos, dada a ocorrência de omissão no julgado.

2. O Juízo de primeiro grau, de forma genérica, determinou o compartilhamento das informações obtidas pelo Fisco com o órgão do Ministério Público Federal de todas as pessoas, físicas e jurídicas, que foram omissas, declararam-se isentas ou inativas, as quais apresentaram movimentação financeira igual ou superior a R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), sem tecer argumentação concreta e específica, limitando-se a autorizar o procedimento considerado ilegal por este Superior Tribunal, de compartilhamento dos dados pela Secretaria da Receita Federal com o Ministério Público Federal, a fim de consubstanciar eventual ação penal.

3. O sigilo fiscal está incluído no direito à privacidade, tutelado constitucionalmente (art. , X e XII, da CF), de modo que a sua violação exige suficiente fundamentação por parte do Judiciário a respeito da existência dos motivos que justifiquem a sua ocorrência.

4. Embargos de declaração acolhidos apenas para fins de esclarecimentos, sem atribuição de efeitos modificativos.( EDcl no RHC n. 39.896/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 24/4/2014, DJe de 9/5/2014.)

Assim, considerando que a persecução penal, no que diz respeito à materialidade do delito, teve início em dados obtidos de forma ilegal (autorização coletiva de acesso a dados fiscais, no primeiro caso, e autorização judicial de quebrado sigilo bancário sem qualquer fundamentação, no segundo caso), correta a decisão do juízo de primeira instância no sentido da rejeição da denúncia.

Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem, a fim de rejeitar a denúncia contra o paciente .

De fato, diante da ilicitude das provas coligidas, não há justa causa para o exercício da ação penal, estando, portanto, correta a decisão de rejeição da denúncia proferida pelo Magistrado singular.

Ante o exposto, acolhendo os fundamentos do parecer ministerial, concedo a ordem a fim de rejeitar a denúncia contra o paciente.

Comunique-se.

Publique-se.

Brasília, 28 de fevereiro de 2023.

Ministro Sebastião Reis Júnior

Relator

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(STJ - HC: 778553, Relator: SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Publicação: 02/03/2023)

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