Página 405 do Diário de Justiça do Estado do Paraná (DJPR) de 23 de Setembro de 2016

argumento de que a perícia não levou em consideração a auditoria realizada pela ANATEL. Pelo que consta, aludida auditoria teria detectado manipulação de resultados financeiros em balanços para, à base deles, pagar dividendos e juros sobre o capital próprio aos acionistas em alguns anos. O laudo pericial apontou que, de fato, nos exercícios de 1998, de 2001 a 2005 e em 2008, em que pese a existência de prejuízos acumulados e não recompostos, a Sercomtel distribuiu dividendos e juros sobre o capital próprio aos acionistas (laudo complementar, pág. 05). Essa irregularidade, contudo, é irrelevante para determinar a quantidade de ações preferenciais classe A a ser entregue: a determinação do número dessas se fez à luz do capital social subscrito e integralizado em 19.9.1996, considerados o total de linhas telefônicas disponibilizadas e o preço de emissão das ações então adotado. Fatos ulteriores, tal como os apurados pela ANATEL, não interferem nesse cálculo. Ademais, a responsabilização dos administradores por eventuais danos causados à Companhia há de ser buscada em ação própria (Lei n. 6.404/1976, arts. 158 e 159 e §§). Inaceitável a intromissão neste procedimento de liquidação de questões completamente alheias aos limites objetivos da coisa julgada formada na fase de conhecimento (CPC, art. 509, § 4º).6. Articula-se que houve aumento de ações resultante da incorporação da Sercomtel Celular pela ré. A impugnação não tem consistência. É que, tanto a cisão que resultou na criação da Sercomtel Celular (6ª AGE de 29.4.1998) como a incorporação que a extinguiu (59ª AGE de 31.10.2012) ocorreram após a consolidação do número de ações preferenciais classe A a serem entregues aos titulares dos terminais telefônicos. Trata-se, volto a repetir, de negócios jurídicos impotentes para modificar, para mais ou para menos, aquele quantitativo. Não custa, aliás, insistir: como não se está a discutir sobre o valor atual das ações, mas apenas a apurar a quantidade destas que deve ser entregue à parte autora, mostram-se impertinentes os questionamentos sobre os critérios de correção monetária desses valores mobiliários. 7. Estabeleceu-se polêmica quanto ao cabimento da inclusão de juros sobre capital próprio e dividendos na condenação. Enfrentemos, portanto, as questões colocadas. 7.1. Data venia, ao contrário dos dividendos (como veremos logo mais), não há como considerar incluídos na condenação os juros sobre o capital próprio. Constituem esses juros, que incidem sobre os lucros acumulados em exercícios passados, receita financeira que visa a compensar o investidor pela indisponibilidade do capital investido na sociedade. No ponto, anota Fábio Ulhoa Coelho: "No plano conceitual, cada espécie remunera o investimento por motivos próprios. Enquanto os juros remuneram o investidor pela indisponibilidade dos recursos, os dividendos remuneram-nos pelo particular sucesso do empreendimento social. [...] A limitação dos juros sobre o capital à TJLP, estabelecida pelo legislador tributário (Lei n. 9.249/95, art. , caput), estabelece uma equivalência genérica entre essa espécie de remuneração do acionista e a que ele, normalmente encontraria no mercado, caso destinasse os mesmos recursos a investimento diverso. Os dividendos representam, por sua vez, a remuneração proporcionada ao investimento, pelo sucesso da empresa explorada pela companhia. Se a sociedade anônima, em determinado exercício, paga juros no limite legal da TJLP, e ainda, delibera a distribuição de dividendos, os acionistas podem distinguir, com clareza, a parcela da remuneração de seu capital, que seria também obtida, em média, noutros investimentos oferecidos no mercado (juros), da parcela gerada de modo particular pela concreta alternativa de investimento por eles adotada (dividendos)" (Curso de Direito Comercial - Vol. 2 - 9ª Edição, p. 342/343, Ed. Saraiva - 2006, grifou-se). Extrai-se desses conceitos que os juros sobre o capital próprio constituem frutos civis produzidos não pelos valores mobiliários em si, mas sim pelas reservas de lucros acumulados (que são de propriedade da sociedade empresária). Daí por que a só existência de pedido e de condenação a entregar as ações não é o bastante para que neles se compreendam implicitamente os juros sobre o capital próprio. Os pedidos devem ser interpretados restritivamente (CPC, art. 322, § 1º), vedando-se ao juiz impor ao réu a obrigação de entregar ao autor coisa diversa (extra petita) da que fora pleiteada ou em quantidade superior (ultra petita) à que fora pedida. Essa conclusão, apoiada que está na letra dos arts. 141 e 492 do CPC, tem por substrato o princípio da inércia da jurisdição: ne procedat judex ex officio (o juiz não procede de ofício - art. do CPC). De modo que, não possuindo os juros sobre capital próprio a mesma natureza acessória dos dividendos, ao juiz é vedado, à falta de pedido expresso da parte na inicial, incluí-los na condenação ou na liquidação. Confira-se o entendimento sedimentado da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (composta pelas duas Turmas de Direito Privado daquela Corte): "RECURSO ESPECIAL. BRASIL TELECOM. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. PEDIDO INEXISTENTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. PAGAMENTO ESPONTÂNEO PELA EMPRESA, QUE NÃO GERA AUTOMATICIDADE DE MAIOR DIRETO. JULGAMENTO EXTRA-PETITA. PARCELA EXCLUÍDA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. 1. Os pedidos se interpretam estritamente, de modo que, tendo a parte, por sua vontade, pago extrajudicialmente o que entendeu acessório, não há como, sem pedido processual expresso na petição inicial, condená-la, em processo judicial, a realizar esse pagamento em Juízo, sob pena de haver julgamento extra-petita. 2. Configura julgamento extra-petita a inclusão de parcela referente a juros sobre capital próprio na condenação, sem que houvesse pedido nesse sentido, devendo, portanto, dessa condenação, ser excluída essa verba. 3. A jurisprudência deste Tribunal é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos dotados pelo Acórdão recorrido bastam para motivar a conclusão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos da parte. 4. Recurso Especial provido" (REsp. n. 1.171.095-RS, redator para o acórdão Min. Sidnei Beneti, maioria, Segunda Seção, julg. 9.6.2010, DJ de 3.12.2010). 7.2. Solução diversa comportam os dividendos. A ação de sociedade anônima é bem principal, do qual procedem os frutos civis - denominados dividendos -, que lhe são acessórios. Sendo assim, à falta de ressalva no título judicial, a condenação a entregar os valores mobiliários importa também a de pagar os dividendos por eles produzidos. É o princípio segundo o qual o acessório segue a sorte do principal (accessorium sequitur principale), que mereceu de Eduardo Ribeiro de Oliveira as seguintes considerações: "Constitui princípio, geralmente aceito, o que se consubstancia no brocardo accessorium sequitur principale. Encontrava-se expresso no art. 59 do Código de 1916, com a ressalva da existência de disposição em contrário. O direito vigente não o reproduziu. Daí não se segue, entretanto, que não mais encontre aplicação. Bem ao contrário, salvo as exceções constantes de lei, ou de contrato, há de ter-se como certo que o princípio, universalmente acolhido, como observa Carvalho Santos, subsiste em nosso direito. Isso, aliás, o que explica o contido no art. 94 que, em relação às pertenças, estabelece uma exceção à regra geral. Esse princípio encontra numerosas aplicações. Assim, em regra, o acessório segue a natureza do principal e o proprietário desse também o é do acessório. Em tema de obrigações, o direito de exigir a entrega de uma coisa abrange os respectivos acessórios (art. 233)" (in Comentários ao Novo Código Civil, ed. Forense, volume II, Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira, 2008, p. 97-98 - grifei). Realmente, como bem notou o Min. Eduardo Ribeiro no excerto doutrinário acima transcrito, dispõe o art. 233 do Código Civil: "A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso". Anota, no ponto, Fábio Ulhoa Coelho: "A obrigação de dar coisa certa abrange, em princípio, os seus acessórios (CC, art. 233). Recorde-se que os bens, considerados reciprocamente, classificam-se em principais e acessórios (Cap. item 3). (...) O acessório segue a sorte do principal (...). Há, porém, duas exceções a examinar. A obrigação de dar o principal não se estende aos acessórios, em primeiro lugar, se a vontade dos sujeitos convergir nesse sentido. Se o credor e devedor da obrigação de dar coisa certa contratam que um ou mais de seus acessórios não se incluem na prestação, o vínculo de dependência entre eles e a coisa principal se desfaz. Na venda de ações das sociedades anônimas às vésperas da distribuição de dividendos anuais correspondentes ao último exercício, não é incomum as partes definirem que estes serão recebidos pelo vendedor. O direito aos dividendos é acessório ao direito de titularidade das ações e apenas não se compreende na obrigação do vendedor de transferir o domínio de coisa certa porque assim foi contratado com o comprador" (Curso de Direito Civil, Saraiva, 4ª, vol. 2, 2010, págs. 57-58, grifei). O art. 233, primeira parte, do Cód. Civil, se aplica como luva ao caso dos autos. Embora o título judicial não contenha expressa condenação da ré a pagar dividendos (leia-se: frutos civis acessórios das ações preferenciais classe A), tal obrigação deve nele compreender-se, seja porque não excluída expressamente pela sentença ou pelo acórdão, seja porquanto as circunstâncias do caso não induzem à conclusão de que se pretendeu exonerar a Sercomtel de pagálos. É esse o entendimento da 25ª Câmara de Direito Privado do eg. TJSP: "(...) DIVIDENDOS Direito de remuneração pelos dividendos e demais bonificações que deixaram de receber, uma vez que o pagamento de tais verbas acessórias, frutos civis advindos dos ativos mobiliários, decorre logicamente do dever de ressarcimento pelo valor do bem principal" (Apelação Cível n. 010XXXX-35.2010.8.26.0100. Rel. Hugo Crepaldi, julg. 12.12.2013). Objeta a ré que o direito aos dividendos, além de pressupor que aqueles que o recebam sejam titulares das ações na data de sua distribuição (Lei n. 6.404/1976, art. 205), dependeria da apuração de lucros no exercício. Aduz, nesse passo, que as distribuições de dividendos apontadas no laudo pericial se fizeram irregularmente, visto ocorridas em exercícios nos quais houvera acumulação de prejuízos. Tais objeções, porém, são improcedentes. Os titulares dos direitos de uso de linhas telefônicas apenas não figuravam como acionistas da Sercomtel nas datas em que distribuídos os dividendos por uma razão elementar: o descumprimento, pela ré, da obrigação de lhes entregar as ações preferenciais classe A na forma preconizada na Lei Municipal n. 6.419/1995. Ora, soa contrário ao princípio da boa-fé objetiva admitir que o devedor argua o seu próprio inadimplemento para exonerar-se da obrigação de pagar os dividendos. É o que se denomina venire contra factum proprium, que "traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Esse exercício é tido, sem contestação por parte da doutrina que o conhece, como inadmissível" (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1977, p. 742). O mesmo raciocínio se aplica para rebater a alegação de que os dividendos foram distribuídos irregularmente. Afinal, como essa irregularidade foi praticada pela própria ré, não lhe socorre o direito de alegá-la em juízo para verse isentada de cumprir a obrigação. Inadmissível permitir que o devedor se defenda alegando a própria torpeza! Consequentemente, são devidos os dividendos apurados na pág. 14 do laudo principal, a saber: (...) 8. Considerando a atuação singela da parte autora na fase de liquidação e o valor relativamente reduzido do proveito econômico da causa, condeno a Sercomtel a pagar honorários advocatícios (fase de liquidação), ora fixados por equidade em R$ 150,00 (CPC, § 8º do art. 85). A honorária deverá ser atualizada monetariamente pelo INPC/IBGE a contar da presente data, sem prejuízo dos juros de mora (12% ao ano), contados a partir do decurso do prazo de 15 dias concedido para o pagamento. Esclareço que a fixação dos honorários advocatícios na fase de liquidação se faz dado a inquestionável natureza contenciosa da fase de liquidação. Esta ação individual foi uma das que permaneceram suspensas até que se apurasse, nos autos do processo-piloto n. 29630-29/2009, a quantidade de ações que deveriam ser entregues a cada titular de direito de uso de terminal telefônico. Tanto é assim que todos os advogados que movem idênticas ações foram intimados para intervir naquela demanda, onde se realizou extensa perícia. Nessa hipótese, firmou-se a jurisprudência do STJ no sentido do cabimento da fixação de honorários em liquidação de sentença (v. g., AgRg no REsp: 1.017.456/RS, Relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, julg. 19.11.2013, Quarta Turma, DJ de 10.12.2013). 9. Em resumo, como a parte autora era titular de direito de uso sobre terminal telefônico compartilhado e 100% Sercomtel, declaro liquidada a obrigação constante do título executivo, impondo-se à ré: a) que entregue à parte autora 54 ações preferenciais classe A, no prazo de 15 dias contado da data em que se tornar preclusa esta decisão, sob pena de multa diária de R$ 50,00; b) que pague à parte autora os dividendos, no valor de R$ 89,10, atualizado pelo INPC/IBGE desde 31.12.2012 e acrescido de juros de mora (12% ao

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