Página 1254 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 6 de Junho de 2014

CIVIL PÚBLICA contra WELLINGTON SOUZA DOS SANTOS e ERLI FERREIRA DOS SANTOS, alegando, em resumo, que os réus são, respectivamente, proprietário e possuidor de imóvel localizado na Serra do Itapeti, zona de preservação ecológica, de modo que a supressão de vegetação deve ser precedida de licenciamento, não ocorrido para o caso; que houve edificação no local e posterior ampliação, além de plantio de espécies exóticas, conforme laudo juntado no inquérito civil. Requereu liminar para cessação da atividade degradadora e, ao final, a imposição de obrigações de não-fazer e fazer ou ressarcimento. Liminar foi indeferida pela decisão de fls. 111/112. O réu Wellington apresentou contestação, aduzindo, em síntese, que a inicial é inepta que o corréu é parte ilegítima e que planta mandioca, milho, feijão verduras e frutas embaixo de linha de alta tensão. Houve réplica. O corréu Erli não apresentou resposta. É o relatório. DECIDO. 1- O feito comporta o julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do Cód. de Proc. Civil, já que o desate da lide independe da produção de outras provas, bastando os documentos que consta dos autos, bem como laudo técnico apresentado pelo requerente (e não impugnado pelo réu CPC, art. 372), aplicando-se, à espécie, o que disposto no art. 427 do CPC. 2- A inicial não é inepta. De fato, está descrita a causa de pedir (intervenção dos requeridos em área de preservação permanente), o dano e a conclusão com pedidos lógicos para imposição de obrigações de fazer e não-fazer. Por outro lado, há narrativa de que o corréu não revel introduziu acessão no local, de modo a gerar atribuição de responsabilidade, o que basta para pertinência subjetiva. De todo o modo, o contestante não tem legitimidade para defender direito de terceiro (CPC, art. ). 3- O requerido não impugna precisamente as alegações de que é proprietário do imóvel em questão, de que neste houve supressão de vegetação (e não importa por quem), construção de residência, plantações, bem como que tal se deu sem qualquer licença (CPC, art. 302). Conforme doutrina Wellington Moreira Pimentel, em seus Comentários: “Se o réu não impugna um fato, ou fatos, estes presumem-se verdadeiros. A impugnação é de cada fato, e deve ser precisa, isto é, deve constar da resposta o fato ou fatos impugnados. Se o réu silencia sobre um, ou uns dos fatos expostos pelo autor na petição inicial, serão havidos como verdadeiros. A negação geral, feita sem que sejam precisados, especificados os fatos, conduzirá à presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor” (obra e autor citados, RT, 2ª Ed., p. 273). Na verdade, o próprio contestante afirma que há construção no local e que planta embaixo das linhas de alta tensão. Certo, ainda, que pelo fato específico atribuído a Erli (ampliação das construções e plantação), a quem não socorre a defesa do corréu, há presunção de veracidade (CPC, art. 319), não sendo aplicável o disposto no art. 320, I, do CPC. 3- No imóvel, conforme já dito, houve supressão da vegetação e intervenção humana danosa ao meio ambiente e incompatível com a Zona de Preservação Ecológica (ZPE). Em tal área, a Lei Estadual nº 4.529, de 18.01.1985 prevê a possibilidade de específicas atividades em cada zona, conforme decorre do Anexo nº 11 desta lei. O relatório de fls. 61/64 indica a existência de acessão realizada no local, mesmo após inicial embargo, o que contou com respectiva supressão de vegetação. Desnecessária perícia (CPC, art. 427). De outro lado, a área objeto da presente encontra-se em área de preservação permanente. Ora, as chamadas áreas de preservação permanente consistem em faixas de terra situadas ao longo dos cursos d’água, nascentes, reservatórios, topos e encostas de morros, cuja preservação da vegetação vem estabelecida no Código Florestal para que possa ser mantida a qualidade das águas e do solo. Modificação dessas áreas somente com expressa autorização do Poder Público por meio de procedimento administrativo próprio e diante de situações especiais, tal como a presença de atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. Não é o caso dos autos. O artigo 1.229 do Código Civil, estabelece que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e destaca que o exercício de tal direito deve preservar a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, sendo evitada a poluição do ar e das águas. A concepção privatista e individualista de propriedade, de caráter absoluto, deu lugar à concepção social de propriedade, transformando-a em um direito que tem de cumprir finalidade social. Tanto é o que dispõe o artigo , XXIII, da Constituição Federal, que o livre domínio e disposição da propriedade deve atende aos interesses da coletividade. Fugindo da concepção absolutista trazida pelo Código Civil, o direito de propriedade, modernamente, passou a sofrer restrições em suas prerrogativas básicas (uso, gozo e fruição), como forma de favorecimento do interesse público. Tanto importa em ressaltar a presença do princípio da preservação ambiental compulsória, em razão do exercício do direito de propriedade - daí falar-se, hoje, em “função sócio-ambiental” da propriedade. Tomado pela consciência da finitude dos bens ambientais, indispensáveis para a perpetuação da espécie humana, o legislador passou a impor condutas preservacionistas aos particulares, seja através de atos coercitivos ou mediante a concessão de incentivos. Assim, também deve ser reconhecida a presença da restrição ao uso do imóvel pelo réu, pois não seria possível a supressão de vegetação nos termos em que realizado, razão pela qual lhe deve ser imposto o dever de suportar a restrição de uso ao local e recuperar a área, por meio de plantio de espécies nativas de ocorrência regional, consoante determina a Lei nº. 12.651/2012, em seu artigo , § 1º: Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. § 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei. Caso as obrigações de fazer impostas não se possibilitem, deverá o réu arcar com a indenização correspondente aos danos que se mostrarem irrecuperáveis, cujo valor será aferido em perícia. Anota-se, ainda, que pouco importa o fato de a conduta lesiva ter sido provocada, p. ex., pelo anterior possuidor. Tal não exime os réus do dever de reparar o dano. Nem mesmo a omissão do Poder Público descaracteriza o ilícito, em vista da solidariedade existente entre aqueles que o comentem (CC, art. 942, segunda parte). Impende ressaltar, por necessário, que se trata de caso de responsabilidade objetiva do titular do direito sobre o imóvel, que é quem deve preservar e/ou restaurar a vegetação da área. Essa obrigação decorre do só fato dele ser proprietário da coisa (propter rem), não havendo razão para se perquirir quem causou o dano ambiental, se o réu ou se os anteriores proprietários. Permanecendo os atos materiais causadores de degradação ambiental sob o controle do réu, há diário dano ao meio ambiente; há contínua e ininterrupta impossibilidade de regeneração. Neste sentido: ‘ADMINISTRATIVO. RESERVA FLORESTAL. NOVO PROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. O novo adquirente do imóvel é parte legítima passiva para responder por ação de dano ambiental, pois assume a propriedade do bem rural com a imposição das limitações ditadas pela Lei Federal. 2. Recurso provido” (REsp nº 264.173-PR, relator Ministro José Delgado, DJ de 2.4.2001).’” MEIO AMBIENTE - Reserva florestal - Novo proprietário - Legitimidade passiva reconhecida. “Em se tratando de reserva florestal legal, a responsabilidade por eventual dano ambiental ocorrido nessa faixa é objetiva, devendo o proprietário, ao tempo em que conclamado para cumprir obrigação de reparação ambiental, responder por ela. O novo adquirente do imóvel é parte legítima para responder ação civil pública que impõe obrigação de fazer consistente no reflorestamento da reserva legal, pois assume a propriedade com ônus restritivo.” (STJ - REsp. nº 195.274 - 2ª T. - PR - Rel. Min. João Otávio de Noronha - J. 07.04.2005 - DJ 20.06.2005). Note-se que, hoje, o próprio § 2º do art. 7º da Lei prevê que a obrigação tem natureza real. Anota-se, ainda, que o requerido exerce posse vedada sobre área em servidão de passagem de linhas de energia elétrica, colocando em risco sua própria vida. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos do autor para impor aos requeridos a (1) obrigação de não fazer quaisquer empreendimentos, obras, serviços ou atividades que possam provocar danos ao meio ambiente, incluindo supressão e vegetação nativa; retirada de recursos naturais; escavação; aterro; terraplanagem; plantações e cultivos; criação de gado, avícolas e outros; construção, reforma ou ampliação; asfaltamento;

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar