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4 de Junho de 2024
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    Caso 123Milhas: vouchers de hotéis cancelados

    Há responsabilização solidária entre a agência, o intermediário financeiro e o hotel?

    Publicado por Lucas Milet
    há 6 meses

    by @lucasmilet

     Via de regra, as aquisições de vouchers de hotéis realizadas perante a 123Milhas eram dispostas numa cadeia de fornecimento, na seguinte sequência: agência de viagens (123Milhas), intermediador financeiro (Hotelbeds, por exemplo) e hotel. Pode, então, nessa circunstância, o intermediador ou o hotel ser responsável solidário quando do cancelamento do voucher? 

     Como de conhecimento notório, a Agência de Viagens 123Milhas realizou pedido de Recuperação Judicial, em 29/08/2023, deferido em 31/08/2023 e suspenso em 19/09/2023 (com manutenção da blindagem da recuperanda). Todavia, algumas reservas foram adquiridas meses antes desse ocorrido, com a respectiva entrega de vouchers, confirmando as hospedagens, mas ao cume canceladas. Ademais, tais emissões não equivaliam a um pacote promocional, problemática da 123Milhas, recuperanda. Inclusive, alguns intermediadores e hotéis promoveram cancelamentos dos vouchers dias antes do pronunciamento desse pedido de Recuperação Judicial. E, segundo relatos, a 123Milhas enviou e-mails, informando que os cancelamentos foram ações exclusivas do intermediador ou do hotel. Cumpre destacar que em alguns casos nem mesmo a lista de credores da 123Milhas possui rubrica específica do valor da reserva do consumidor, significando, a priori, que a Agência de Viagens não reconhece a existência de dívida de hospedagem.

     O cerne da questão, então, é evidenciar quem causou o dano. Se todos ou alguns forem responsáveis pela causação, em alguma medida, haverá responsabilização solidária. Os arts , parágrafo único, e 25, § 1º, do CDC, dispõem sobre a responsabilidade de todos aqueles que compõem a cadeia dos fornecedores do serviço contratado, atribuindo ampla solidariedade entre os envolvidos pela prestação do serviço defeituoso, de modo que é prerrogativa do consumidor o acionamento de um, de alguns ou de todos os que integram a cadeia de fornecimento. Vide íntegra a seguir:

    Art. 7º, Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. [...]
    Art. 25, § 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

     E mesmo que houvesse dúvida acerca de quem possui a responsabilidade preponderante no cancelamento, em meio à cadeia de fornecedores, não cabe ao consumidor revelar tal realidade, o que seria uma atribuição de produção de prova impossível ou diabólica à parte vulnerável na relação. Como supramencionado, os fatos narrados indicam que a origem do cancelamento deu-se pelo intermediador e/ou pelo hotel.

     Nesse tema, frise-se que a 123Milhas, como parceira de negócio, compartilhou o risco de sua atividade com o intermediário e com o hotel e, em alguma medida, transferiu também o seu risco organizacional, entre bônus e ônus. Então, demonstra-se inviável considerar uma culpa exclusiva da 123Milhas. Julgado de outro Tribunal já evidenciou esse elo corporativo como interação entre conjuntos organizacionais interligados, não configurando o instituto da culpa exclusiva de terceiro, já que não há o elemento daquele que seria alheio à atividade, vide:

    ​​HOSPEDAGEM. CANCELAMENTO. SUPOSTO FATO DE TERCEIRO. DANO MATERIAL E MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. Fato ocorrido a parceiro do prestador dos serviços, integrante da mesma cadeia de consumo, não o exime de responsabilidade pelos danos causados pelo inadimplemento. Em decorrência do repentino cancelamento da hospedagem, as autoras foram compelidas a custear um valor superior ao da estadia original, fazendo jus ao pagamento da diferença pelos danos materiais. Além do cancelamento da reserva da hospedagem, com seus naturais e indiscutíveis transtornos, houve evidente abandono das consumidoras, deixadas sem suficiente assistência, ensejando a compensação por dano moral, cujo valor comporta majoração de R$ 5.000,00 para R$ 15.000,00, devido a cada uma das autoras. (TJDF, Acórdão 1173233, 07323373620178070001, Relator: FERNANDO HABIBE, 4a Turma Cível, data de julgamento: 22/5/2019, publicado no DJE: 28/5/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada).

     Por todo o exposto, demonstra-se possível a responsabilização solidária do intermediador e/ou do hotel, em virtude de ter unilateralmente cancelado reserva, em confronto a seu próprio parceiro de negócio, sem qualquer comunicação prévia, e sem a devolução dos valores pagos.

     Julgado de 2024, transitado em julgado, já confirmou esse entendimento, vide:

    Processo 0055926-50.2023.8.17.8201, TJPE
    SENTENÇA. Vistos etc. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, da Lei nº 9.099/95. [...] Relatou o autor que “Em 12/04/2023, o Autor adquiriu hospedagem, por meio do site da “123milhas” para o Hotel Celebration Suites, em Kissimmee, Estados Unidos da América, referente ao período de 14/09/2023 a 10/10/2023, no valor de R$ 10.505,59, tendo recepcionado o respectivo voucher de confirmação em 14/04/2023”. Prosseguiu narrando que “em meados de 03/09/2023, já próximo à viagem, mantendo a rotina de confirmar os serviços com os fornecedores de suas férias familiares, foi notificado pelo Hotel Celebration Suites que sua estadia estava cancelada no sistema, por demanda do Operador da Reserva (Hotelbeds)”. Ainda, informou que “entrou em contato com a Agência de Viagens (123Milhas), em 03/09/2023, detalhando a situação para buscar solução, e recepcionou e-mail desta, em 13/09/2023 (Anexo 04), atestando que o cancelamento ocorreu de forma unilateral pelo fornecedor do hotel (Hotelbeds)”. Após contato direto com o hotel, este informou que o cancelamento das diárias se deu por parte do Hotelbeds, enviando-lhe os comprovantes de cancelamentos, num total de 04 (quatro). Requer danos materiais no valor de R$ 10.505,90. Apresentada contestação com preliminares, que passo a analisar. A primeira preliminar requer o aditamento à inicial para chamamento ao processo a fim de incluir a 123 Milhas e a Rakuten Travel X Change. Rejeito a preliminar, com fundamento no art. 10, da Lei 9.099/95, que não admite qualquer forma de intervenção de terceiro e nem assistência, podendo o autor escolher em face de quem vai litigar. A segunda preliminar versa sobre a ilegitimidade passiva da demandada, por ser mera intermediadora na operacionalização dos serviços turísticos de reserva de hotel. Rejeito a preliminar por ser a análise da participação da demandada uma questão de mérito. Ultrapassadas as preliminares, passo ao mérito: Declaro invertido o ônus da prova, com base no art. 6o, VIII, do CDC, estando caracterizada a hipossuficiência econômica do autor para com a demandada. Embora beneficiado com a inversão do ônus da prova, não está o autor dispensado de comprovar o seu direito, naquilo que lhe cabe. Analisando o contido nos autos, verifico que restou incontroverso o pagamento da hospedagem pelo autor, no valor de R$ 10.505,59, referente ao período de 14/09/2023 a 10/10/2023, conforme consta nos autos, notadamente no comprovante de pagamento sob o ID 151318882, pág. 12 e na confirmação do voucher, sob a pág. 17, do mesmo identificador. Em sua defesa, a demandada aduziu que vendeu a reserva do autor para a empresa Rakuten Travel X Change, e que o pedido de cancelamento ocorreu por expressa solicitação dessa, já que a empresa 123Milhas não teria repassado o valor recebido do autor, razão pela qual não deve responder pelos fatos ocorridos. Ocorre que a demandada participou da cadeia consumidora, sendo inequívoco que o pedido de cancelamento foi por si formalizado, conforme consta no documento de ID 151318884. Dessa forma, deve ressarcir o autor, utilizando-se do seu direito de regresso em face da 123 Milhas, caso entenda ser o caso. Diante do exposto, e por tudo o mais que dos autos consta, com esteio no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido constante da inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito para condenar a demandada a pagar ao autor o valor de R$ 10.505,59 (dez mil, quinhentos e cinco reais e cinquenta e nove centavos), a título de devolução do valor pago pela hospedagem paga e não usufruída, a ser corrigido com juros de 1% da citação e correção monetária pela Tabela Encoge da data do desembolso (12/04/2023), até o efetivo pagamento. Sem condenação em custas e honorários advocatícios nesta fase, por expressa vedação do art. 55, da lei nº 9.099/95.
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