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5 de Maio de 2024

Contaminação dos trabalhadores pelo Coronavírus é doença ocupacional?

A ausência da fiscalização dos Auditores fiscais contribui para que os empregadores deixam de cumprir normas da segurança e medicina do trabalho? STF decide pela suspensão da eficácia dos artigos 29 e 31 da MP 927/2020

Publicado por Wilson Seabra
há 4 anos

Em 29/04 o plenário do STF decidiu pela suspensão da eficácia dos artigos 29 e 31, ambos da Medida Provisória nº 927/2020.

De acordo com o art. 29, não se considera doença ocupacional a contaminação dos trabalhadores pelo Coronavírus (COVID-19), salvo mediante comprovação de nexo causal, senão veja-se:

Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Assim, o dispositivo em questão, em tese, atribui ao trabalhador a responsabilidade de comprovar de que a contaminação se deu no ambiente de trabalho para fins de configuração da doença ocupacional.

No que se refere à doença ocupacional, importante se faz apresentar breves comentários e definições do tema.

A doença ocupacional é considerada como acidente do trabalho, nos termos do art. 20, da Lei nº 8.213/91. Qual a importância disso?

O empregado que sofre acidente do trabalho, fica afastado por mais de 15 dias e posteriormente passa a receber auxílio doença acidentário, é detentor da estabilidade provisória de emprego pelo período de 12 meses após cessação deste benefício, nos termos do art. 118, da Lei nº 8.213/91 e Súmula nº 378, II, do TST, conforme transcrição abaixo:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Súmula nº 378 do TST

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. (inserido item III) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I - E constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 - inserida em 01.10.1997)

II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ nº 230 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)

III – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no n no art. 118 da Lei nº 8.213/91.

Observe que o item II da Súmula mencionada dispõe da possibilidade de extensão dessa estabilidade ao empregado que tenha sido acometido pela doença profissional, caso essa tenha relação com a execução do contrato de trabalho.

Logo, a consideração da doença ocupacional como acidente do trabalho atribui ao empregado os direitos da estabilidade provisória de emprego, nos termos destacados.

Dependendo da situação, é direito do empregado também de receber indenização por danos morais, materiais, emergentes, dentre outros. Caso queira saber mais sobre o tema do acidente do trabalho, acesse o link do artigo feito em parceria com advogado Ian Varella: https://seabraneto.jusbrasil.com.br/artigos/756526131/guia-do-acidente-do-trabalho

Diante do cenário atual em que foi decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia causada pelo Coronavírus (COVID-19), foram adotadas diversas medidas excepcionais de emergência para fins de manutenção do emprego e da renda.

Em que pese toda situação, foram propostas diversas ADI’s com apontamentos de inconstitucionalidades de vários dispositivos da MP 927/2020, sendo que no tema em questão foram apontados:

(i) Dificuldade do empregado de comprovar o nexo causal da doença causada pelo Coronavírus (COVID-19), por tratar-se de doença com transmissão comunitária e exponencial;

(ii) Retirar obrigação do empregador de tomar todas as medidas de segurança, saúde e higiene (necessários à proteção dos trabalhadores), afronta o art. XXII, da Constituição Federal.

Como muito bem defendido pelo Ministro Edson Fachin, a exigência do empregado de comprovar que a contaminação do vírus se deu em razão das atividades laborais não se revela como medida adequada e necessária à redução dos riscos quanto à doença decorrente do vírus.

Além disso, a redução dos riscos inerentes ao trabalho é direito fundamental do trabalhador, o que atrai responsabilidade do empregador por doenças adquiridas no ambiente e/ou em virtude da atividade laboral.

O art. , XXII, da Constituição Federal dispõe que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.” (grifou-se)

Logo, o ônus de comprovar de que a doença não foi adquirida no ambiente do trabalho ou por causa do trabalho é do empregador e não do trabalhador.

Desta forma, considerou-se que o art. 29 da MP 927/2020 viola diretamente o art. , da CF, tendo sua eficácia suspensa no atual momento, o que torna a contaminação do Coronavírus (COVID-19) como doença ocupacional.

No que se refere ao art. 31 da MP 927/2020, o dispositivo em questão limita atuação dos Auditores Fiscais à orientação. Assim, discutiu-se nas ADI’s acima mencionadas de que essa atuação estimulará prática de irregularidades, inclusive às referentes à saúde e segurança no trabalho, conforme assegura o art. XXII, da CF/88.

Vale transcrever trecho do voto do Min. Edson Fachin sobre o tema:

“(...) A suspensão da prática fiscalizatória por parte dos Auditores Fiscais do Trabalho pode estimular o descumprimento imediato e irremediável das normas que regulam as relações trabalhistas, especialmente aquelas que dizem respeito à segurança e saúde dos trabalhadores, afrontando o que dispõe o artigo , XXII, da CRFB.

A ausência de fiscalização por parte dos auditores fiscais do trabalho pode ser confundida com autorização para os empregadores descurarem do cumprimento de seus deveres de proteger a saúde e integridade física dos empregados no ambiente laboral, o que seria uma inversão das práticas necessárias em tempos de estado de emergência em saúde e calamidade públicas, decorrentes da pandemia do novo coronavírus. (...)”

A suspensão das atividades de fiscalização em nada ajudam na preservação da saúde dos trabalhadores, em especial no cenário atual.

Link do voto do Min. Edson Fachin: https://www.conjur.com.br/dl/stf-fachin-adis-referendo-mp-927.pdf

Link da notícia no STF: http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442355

Achou interessante e quer verificar outros artigos de minha autoria? Acesse o link: < https://seabraneto.jusbrasil.com.br/publicacoes >

Acompanhe o vídeo desta matéria no meu canal no youtube: https://youtu.be/p48S-_t5HVM

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7 Comentários

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Ótimo artigo, Wilson! Mais do que oportuno, é essencial debater o assunto da segurança dos trabalhadores neste momento. continuar lendo

Grande Marcelo, muito obrigado!

De fato a segurança e saúde dos colaboradores é de extrema importância, ainda mais no momento atual!

Abração! continuar lendo

Algumas questões para reflexão:
- Como seria avaliado se a Empresa tiver suspendido os contratos de trabalho e o funcionário ser diagnosticado positivo após a volta ao trabalho?
- Enquanto a pandemia e/ou o estado de calamidade persistirem, seria motivo legal pra que a Empresa não retornasse às atividades pelo risco de seus funcionários contraírem o vírus?
- Por conseguinte, poderia exigir do governo que prolongasse também o período de suspensão dos contratos de trabalho continuando a compensação dos salários dos mesmos? continuar lendo

Luiz Antonio, muito obrigado pela participação e colaboração com excelentes perguntas! Vamos lá!

1) Acredito que tudo depende de análise do caso concreto. De fato, como fica situação do empregado contaminado pelo Coronavírus quando retorna ao trabalho após encerramento da suspensão do contrato de trabalho. Deve-se verificar se a empresa observou todos os cuidados relativos à contenção da transmissão do vírus. Foram fornecidos álcool e gel? Há distanciamento mínimo de 1m entre os colaboradores? Há exigência e fornecimento de máscaras individuais?

Observe que de acordo com a decisão do STF fica claro que se a empresa toma todos os cuidados relativos à contenção da transmissão do vírus, se exime de eventual responsabilidade.

2) Depende da atividade fim da empresa. É um bar? Existe possibilidade de aglomeração das pessoas? Trata-se de atividades essenciais? Dependemos também do "pico" da contaminação. São vários fatores ligados na situação.

3) Neste momento não vislumbro como possível medida, visto que existem outras formas de flexibilização para garantir a continuidade das atividades empresariais, a saber: banco de horas; alteração do trabalho presencial para teletrabalho; redução da jornada/salário; dentre outros.

E o que você sugere? Qual sua visão sobre essas perguntas?

Não deixe de compartilhar conosco! continuar lendo

Gratos pelas colocações.
Nosso entendimento particular e específico, (microempresas, proprietários com mais de 60 anos, sorveteria/lanchonete sem delivery, mais de 35 anos mercado, 2 funcionárias com morbidades, etc.):

1) Uma pandemia não deveria ser considerada como doença laboral, onerando a empresa, com salário dos primeiros 15 dias, encargos trabalhistas, estabilidade no retorno, etc.. O Estado deve cuidar destes trabalhadores, independente da parte do empresario, que deverá responder por isso;

2) A pandemia e o estado de emergência/calamidade persistindo deve-se manter os afastamentos e compensações porquanto nada se resolveu ou avançou, colocando as funcionarias, os proprietários e até fornecedores e clientes em maior risco que o inicial;

3) Por conseguinte, o Estado também deveria repassar recursos à essas empresas a fundo perdido, para que se mantenham "respirando" enquanto fechadas, (aluguel, energia, escritórios, sabesp, associações-comerciais, seguro de vida, segurança, manutenções e limpezas, pro-labore, cestas-básicas, etc., etc.), pois os empreendedores continuam trabalhando até mais do que antes, sem nenhum faturamento!

Gratos pela oportunidade em desabafar! continuar lendo

Data venia a decisão do STF é equivocada, pois estamos falando de um vírus (covid19), que pode ser adquirido em qualquer lugar, não sendo justo transferir para as empresas uma responsabilidade para o empregador que não tem como controlar, pois estamos tratando de uma gripe, apesar de forte, não há como ser enquadrada como doença ocupacional. Ademais o fundamento da decisão por falta de fiscalização do Ministério do Trabalho. continuar lendo

Valeria, muito obrigado pela sua participação e colaboração!

Sua opinião é muito válida e de fato a situação não é das mais favoráveis. Como o Supremo decidiu, cuida-se de doença com transmissão comunitária e exponencial.

Ocorre que o art. 29 da MP 927 combinado com o art. 31, da forma como foram escritos, atribuí ao trabalhador a obrigação de provar que foi contaminado pelo vírus no ambiente de trabalho ou em razão de suas atividades. Além disso, limitou a atuação do MPT para somente orientação e não fiscalização.

Logo, a falta de fiscalização do MPT, em tese, poderia auxiliar na diminuição dos cuidados à saúde dos trabalhadores pelos empregadores.

Além disso, como poderia os outros trabalhadores de atividades essenciais comprovarem que foram contaminados pelo vírus em razão das atividades ou no ambiente de trabalho, por exemplo frentistas? Caixas de supermercado?

De toda forma, a decisão do Supremo também deixa claro que se a empresa tomar todos os cuidados necessários à saúde dos empregados (fornecimento de EPI's, máscaras individuais; álcool e gel; distanciamento mínimo de 1m entre os colaboradores) e assim comprovar que a contaminação não se deu no ambiente de trabalho, não será considerado como doença ocupacional.

Ressalto que cada caso é um caso e deve ser analisado de forma individual.

Novamente, muito obrigado pela sua participação! continuar lendo