Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
2 de Maio de 2024

Hipoteca de Imóvel com Unidades Autônomas e Terceiros Adquirentes

Eficácia da garantia hipotecária em face de promitentes compradores de unidades comercializadas (STJ. REsp 239.557-SC, Rel. Min. Ruy Rosado, julgado em 2/5/2000).

Publicado por Raphael Faria
há 7 anos

1. Introdução.

São inúmeras as agruras que afligem compromissários compradores de unidades autônomas em empreendimentos condominiais. Dentre estas, destacou-se a tormentosa questão da hipoteca beneficiando agente financeiro, em prol de todo o empreendimento. O acórdão em epígrafe trata dessa matéria, a qual felizmente encontra-se já remansosa na jurisprudência, após período de incertezas e iniquidades.

Cuida-se de situação na qual a construtora de empreendimento recebera financiamento de instituição financeira, pelo Sistema Financeiro de Habitação, para erguer prédio, instituindo hipoteca sobre o terreno e o que viria a ser construído, cujas unidades seriam comercializadas. A construtora assumira o compromisso de comunicar ao banco a eventual comercialização de unidades, o qual deveria integrar o negócio como interveniente anuente. No caso sob exame, a empresa construtora descumpriu essa cláusula, tendo celebrado compromissos de compra e venda, recebendo o preço sem a participação do banco. A instituição financeira promoveu a execução, atingindo também as unidades prometidas à venda aos terceiros que se apresentaram como embargantes.

O pleito dos terceiros foi acolhido em primeiro grau e desacolhido em grau de apelação.

O voto do eminente Ministro Relator Ruy Rosado de Aguiar colocou a ingente questão nos seus devidos eixos, albergando o direito dos terceiros adquirentes, na senda da sentença de primeiro grau, mantendo hígidos os compromissos de venda e compra. E para tal, com o costumeiro brilhantismo, destacou pontos importantes, tais como o princípio da boa-fé objetiva, a aplicabilidade dos princípios da hipoteca, entre outros. Na verdade, todo o decisório gravitou em torno do princípio do summus jus, summa injuria. A aplicação essencialmente positivista de qualquer lei pode levar a distorções e iniquidades, como destaca o superlativo voto decisório. A posição jusnaturalista e os novos princípios em torno da proteção dos hipossuficientes, depois acentuada pelas noções do Código de Defesa do Consumidor, ganham novos contornos neste início de século. A equidade deixou de ser apenas um princípio enunciado em parcas normas do ordenamento, mas um pensamento constante do julgador desta pós-modernidade, embora nem sempre se traduza nos escritos dos tribunais.

Destarte, antes que se adentre no âmago da matéria envolvendo o caso concreto, cumpre que se recordem alguns princípios mencionados no decisório.

2. Hipoteca. Princípios.

A hipoteca, como um dos direitos reais acessórios de garantia, mantém os mesmo preceitos tradicionais da última fase do Direito Romano. Aplicam-se-lhe os princípios gerais a todos os direitos de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), dos arts. 1.1419 a 1.430 do Código Civil. Tal como os outros dois direitos, a hipoteca é acessória a uma garantia, sendo indivisível. Não se admite, entre nós, a chamada hipoteca abstrata, existente por si mesma, independente de qualquer crédito.

Considera-se direito real a partir do registro imobiliário. Enquanto não registrada, as hipotecas são válidas e eficazes como garantia estabelecida unicamente entre as partes contratantes (art. 848 do CC de 1916), tendo, portanto, uma alcance real limitado ou meramente obrigacional, regra que se mantém no atual estatuto civil, como princípio geral.

No exame da hipoteca devem ser vistos não apenas os regramentos de direito material do Código Civil, como também a Lei dos Registros Publicos e os princípios processuais do CPC que lhe conferem a necessária instrumentalidade. O Código de Defesa do Consumidor, como estatuto geral aplicável às relações de consumo devem ser chamados à baila e mesmo que inexistente ou dúbia a relação de consumo, os princípios de proteção ao hipossuficiente traduzidos nessa lei deve ser aplicadas, conforme as necessidades sociais.

A índole da hipoteca foi firmada como sendo sempre civil, conforme determinara o art. 809 do velho Código. Irrelevante na atualidade a distinção entre civil e mercantil.

A publicidade é obtida pelo registro imobiliário, assegurando-se, assim, seu conhecimento por terceiros. Efetua-se o registro no local do imóvel ou em cada um deles se o título se estender a mais de uma circunscrição imobiliária (art. 1.492).

Como resultado do registro, atende-se ao princípio da prioridade. O número de ordem do registro determina a prioridade (art. 1.493, parágrafo único). Duas hipotecas ou quaisquer outros direitos reais não podiam ser inscritos no mesmo dia, salvo se fosse precisada a hora exta da escritura (art. 1.494). Essa regra foi explicitada no art. 192 da Lei dos Registros Publicos. Se foi anotada a hora do título, a prioridade é do ato mais novo. Caso contrário, a prioridade é da apresentação. O art. 191 da LRP permite o registro de mais de uma hipoteca mo mesmo dia, de acordo com a ordem de prenotação, derrogando regra do art. 836 do antigo Código Civil. Daí a importância de sempre se fazer constar a hora do ato da escritura constitutiva do ato, pois esse detalhe poderá permitir prenotação com número anterior. Como regra geral, porém os registros devem seguir a ordem em que forem sendo requeridos (art. 1.493); caso contrário não haveria como estabelecer a prioridade entre os credores.

Terá preferência no valor apurado em excussão o primeiro credor hipotecário, aquele que registrou em data mais antiga. Nada impede que sejam constituídas várias hipotecas sobre o mesmo imóvel, em favor do mesmo ou de credor diverso (art. 1.496). Os credores sucessivos, como regra, não podem excutir o bem antes dos precedentes (art. 1.477), salvo caso de insolvência, quando se consideram vencidas antecipadamente todas as dívidas do devedor.

A especialização, que se consubstancia no registro imobiliário, requer a descrição do bem e os requisitos da dívida (art. 1.424). Desse modo, não há como ser instituída hipoteca geral e ilimitada. O direito do credor deve recair sobre imóvel ou imóveis devidamente separados e discriminados dentre os encontráveis no patrimônio do devedor. Navios e aeronaves, apesar de móveis, podem ser objeto de hipoteca, o que denota a origem histórica do instituto.

A hipoteca distingue-se do penhor tradicional porque o devedor mantém a posse da coisa, daí sua vantagem como elemento de crédito, buscado por via transversa para penhores especiais.

Como direito real, a hipoteca confere ao credor direito de sequela, permanecendo a garantia, ainda que alienado o bem. A hipoteca não retira o imóvel do comércio. O art. 1.475 do Código Civil é expresso ao afirmar que é nula a cláusula que proibir ao proprietário anular alienar o bem hipotecado. O parágrafo único desse artigo acrescenta, porém, que pode ser convencionado que o crédito hipotecário ter-se-á por vencido, no caso de alienação. Nessa hipótese, o adquirente saberá que, ao adquirir o bem, deverá também liquidar a dívida que onera o imóvel.

A excussão segue a mesma regra do penhor: se o valor apurado na alienação judicial não for suficiente para extinguir a dívida, o saldo remanescente permanece como crédito quirografário. De outro lado, se sobejar valor, este pertencerá ao executado.

Salvo no regime de separação absoluta de bens, tratando-se de direito real, é imprescindível o consentimento do cônjuge, o qual pode ser suprido judicialmente.

O efeito da hipoteca com relação a terceiros é obtido com o registro imobiliário.

2.1 Loteamento ou Constituição de Condomínio no Imóvel Hipotecado.

Como ocorre no julgado sob comentário, sucede com frequência que um imóvel de apartamentos ou assemelhado com unidades autônomas a construir ou em construção seja dado em hipoteca. Essa hipoteca, como é evidente, de início onera a totalidade do imóvel. Posteriormente, quando instituído o condomínio ou quando se separam as unidades com os adquirentes, a totalidade do imóvel permanece gravada. Essa situação gerou no passado questões complexas e iníquas, criando problemas sociais quando, principalmente, o empreendedor originário se torna insolvente. Não sem atraso, nosso ordenamento, no art. 1.488 do Código de 2002 procurou socorrer essas situações, que a jurisprudência do passado por si só não conseguira:

Se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito.

§ 1º O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento do ônus, provando que o mesmo importa em diminuição de sua garantia.

§ 2º Salvo convenção em contrário, todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento do ônus correm por conta de quem o requerer.

§ 3º O desmembramento do ônus não exonera o devedor originário da responsabilidade a que se refere o art. 1.430, salvo anuência do credor.

Desse modo, torna-se um direito dos proprietários de cada unidade desmembrada do imóvel originário requerer que a hipoteca grave, proporcionalmente, cada lote ou unidade condominial, tanto que possuem eles legitimidade concorrente com o credor ou devedor para requerer essa divisão proporcional.

A dúvida que o dispositivo não esclarece é saber se cada titular, isoladamente, pode requerer essa divisão no tocante a seu próprio quinhão. A melhor opinião é, sem dúvida, nesse sentido, pois exigir que todos o façam coletivamente, ou que a entidade condominial o faça, poderá retirar o alcance social que pretende a norma. Isso porque pode ocorrer que não exista condomínio regular instituído, como nos casos de loteamento, e principalmente porque todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento correm por conta do requerente. Ainda que se convencione em contrário, como menciona a lei, as custas e emolumentos de cunho oficial serão sempre pagas pelo interessado que requerer a medida, o qual poderá não ter meios ou não ter sucesso em uma ação de regresso. Se fosse exigido que a integralidade da divisão proporcional fosse feita em ato único, o elevado custo inviabilizaria, sem dúvida, a medida, nessa situação narrada.

Nada impede, pois, que cada proprietário requeira que se atribua a seu imóvel ou sua unidade a proporção do gravame, independentemente do próprio condomínio ou da totalidade de interessados fazê-lo. Por outro lado, não haverá problema registrário, pois a nova situação ficará averbada junto a cada matrícula. A lei regulamentadora desse dispositivo deve atentar para esse fato, ainda porque raramente haverá interesse do credor ou devedor requerer esse desmembramento da hipoteca. De qualquer forma, mesmo que lei alguma permita expressamente o ato registrário, o decreto de desmembramento será feito por sentença judicial, como estatui esse dispositivo, e não se discute seu mandamento.

Por outro lado, no que é mais relevante nesse dispositivo, o credor somente poderá opor-se ao pedido de desmembramento se provar que este importa em diminuição de sua garantia, o que, na prática, raramente poderá ocorrer.

Ademais, como é de justiça, ainda que ocorra o desmembramento do gravame, o devedor originário continuará responsável por toda a dívida hipotecária, salvo anuência expressa do credor, em decorrência da indivisibilidade.

Como esse direito de divisão proporcional do gravame decorre de uma situação de comunhão, não há prazo para que os proprietários das unidades, o credor ou o devedor requeiram essa medida, pois esse direito subjetivo insere-se na categoria dos direitos potestativos. Enquanto perdurar a indivisão do ônus, pode o requerimento ser feito. Ainda, por essa razão, nada impede seja requerida a divisão ainda que iniciada a excussão de todo o imóvel, ou que se oponha o interessado a ela por meio de embargos de terceiro. Aliás, no sistema do Código de 1916, já defendíamos essa posição, como magnificamente faz o decisório sob exame.

3. Boa-fé objetiva.

Aspecto importante invocado pelo voto diz respeito à boa-fé objetiva.

O decisório adiantou-se ao Código Civil vigente tocando nesse importante aspecto que também se relaciona fundamentalmente com a função social dos contratos. Nesse sentido o decantado art. 422:

“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Essa disposição constitui modalidade que a doutrina convencionou denominar cláusula geral. Essa rotulação não nos dá perfeita ideia do conteúdo. A cláusula geral não é, na verdade, geral. A denominação cláusulas abertas tem sido mais utilizada para essas hipóteses, dando ideia de um dispositivo que deve ser amoldado ao caso concreto, sob uma compreensão social e histórica.

O que primordialmente a caracteriza é o emprego de expressões ou termos vagos, cujo conteúdo é dirigido ao juiz, para que este tenha um sentido norteador no trabalho de hermenêutica. Trata-se, portanto, de uma norma mais propriamente dita genérica, a apontar uma exegese. Não resta dúvida que se há um poder aparentemente discricionário do juiz ou árbitro, há um desafio maior permanente para os aplicadores do Direito apontar novos caminhos que se façam necessários.

A ideia central é no sentido de que, em princípio, contratante algum ingressa em um conteúdo contratual sem a necessária boa-fé. A má-fé inicial ou interlocutória em um contrato pertence à patologia do negócio jurídico e como tal deve ser examinada e punida. Toda cláusula geral remete o intérprete para um padrão de conduta geralmente aceito no tempo e no espaço. Em cada caso o juiz deverá definir quais as situações nas quais os partícipes de um contrato se desviaram da boa-fé. Na verdade, levando-se em conta que o Direito gira em torno de tipificações ou descrições legais de conduta, a cláusula geral traduz uma tipificação aberta

Como o dispositivo do art. 422 se reporta ao que se denomina boa-fé objetiva, é importante que se distinga da boa-fé subjetiva. Na boa-fé subjetiva, o manifestante de vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio. Para ele há um estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado.

A boa-fé objetiva, por outro lado, tem compreensão diversa. O intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos.

Há outros dispositivos no Código que se reportam à boa-fé de índole objetiva. Assim dispõe o art. 113:

“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”

Ao disciplinar o abuso de direito, instituto também lembrado na decisão comentada, o art. 187 do estatuto estabelece:

“Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Desse modo, pelo prisma do Código, há três funções nítidas no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa (art. 113); função de controle dos limites do exercício de um direito (art. 187); e função de integração do negócio jurídico (art. 422).

Em qualquer situação, porém, não deve ser desprezada a boa-fé subjetiva, dependendo seu exame sempre da sensibilidade do juiz. Não se esqueça, contudo, de que haverá uma proeminência da boa-fé objetiva na hermenêutica, tendo em vista o vigente descortino social que o presente Código assume francamente. Nesse sentido, portanto, não se nega que o credor pode cobrar seu crédito; não poderá, no entanto, exceder-se abusivamente nessa conduta porque estará praticando ato ilícito.

Tanto nas tratativas como na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido (responsabilidade pós-obrigacional ou pós-contratual), a boa-fé objetiva é fator basilar de interpretação. Dessa forma, avalia-se sob a boa-fé objetiva tanto a responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e a pós-contratual. Em todas essas situações sobreleva-se a atividade do juiz na aplicação do Direito ao caso concreto, como magistralmente fez o Ministro Rosado de Aguiar, antes mesmo de texto positivo sobre a matéria. Cabe, portanto, à jurisprudência definir o alcance da norma dita aberta, como, aliás, já vinha fazendo como regra, ainda que não fosse mencionado expressamente o princípio da boa-fé nos julgados.

A boa-fé é instituto que também opera ativamente nas relações de consumo, mormente no exame das cláusulas abusivas. O art. 422 se aplica a todos os contratantes, enquanto os princípios que regem a boa-fé no Código de Defesa do Consumidor se referem às relações de consumo. Ambos os diplomas se harmonizam em torno do princípio.

4. Embargos de terceiro.

A ação de embargos de terceiro (art. 674 do CPC)é utilizada para defesa da posse ou da propriedade quando ameaçada por apreensão judicial. A finalidade dessa ação é liberar a coisa de penhora, arresto, sequestro ou qualquer outra forma de constrição judicial. É parte legítima para a propositura da ação o terceiro que não foi parte na ação que originou a constrição de seu bem. Não há necessidade, por outro lado, que o ato apreensivo da coisa tenha sido efetivado, bastando a simples ameaça. A determinação de expedição de mandado de penhora, por exemplo, já possibilita a ação.

O caráter possessório dessa ação é muito enfatizado, embora esse não seja seu único aspecto. Na situação do julgado em berlinda ficou clara a possibilidade cristalina de defesa direitos por via desses embargos, como destaca o prolator do voto. Por outro lado, já vai longe no tempo a posição jurisprudencial que exigia o registro do compromisso de compra e venda para possibilitar os embargos, prevalecendo, na doutrina e nos tribunais, a Súmula 84 do STJ:” É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados na alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.

5. Aspectos conclusivos.

O acórdão em epígrafe, como ressaltamos, colocou na justa senda uma situação de extrema injustiça que até então vinha afligindo segmento social importante.

Até hoje, de certa forma, persistem dificuldades, embora aliviadas pela dicção do art. 1.488 do Código Civil.

Os incorporadores ou construtores recebem financiamento de instituição financeira para erguer prédio, instituindo hipoteca sobre o terreno e o que vier a ser construído, unidades para serem comercializadas a terceiros. Esses terceiros adquirentes geralmente não são parte nesse negócio jurídico, pois a instituição bancária não participa dos contratos ou compromissos de venda. Uma vez inadimplente o construtor ou incorporador, o banco promove a execução atingindo também as unidades prometidas à venda.

No caso em tela, os adquirentes se opõem por meio de embargos de terceiro, ação perfeitamente apropriada a essa discussão, como processo de conhecimento que é, não importando se o compromisso está registrado ou não. Conforme a opinião transcrita no voto do douto Pontes de Miranda, não se exclui dos embargos de terceiro a defesa dos direitos de crédito ou pessoais e muito menos a defesa da posse e da propriedade. Negar-se essa possibilidade aos embargos de terceiro seria negar a precípua finalidade desse instituto.

Também é irrelevante para essa defesa de direitos o fato de a hipoteca ter sido constituída antes ou depois do compromisso de compra e venda, mormente porque o negócio é estranho aos compromitentes compradores. Essa definição se aplica tanto aos imóveis sob o sistema financeiro de habitação, como fora dele, pois a situação fática e jurídica é a mesma.

Nessas premissas, cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar-se do construtor sobre os bens deste, seu devedor ou sobre os créditos dos terceiros adquirentes, os quais não podem ser prejudicados e colocar seus imóveis na berlinda de uma perda, após ingentes esforços para consegui-los. Como ressalta a decisão, “a hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da lei nº 4.864/65), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto”.

Nada tão lógico, justo e jurídico, mas que no passado encontrou muitas barreiras em nossos tribunais e ainda atualmente sucedem algumas decisões esparsas e deslocadas, a merecer um rescaldo da doutrina e pronta reprimenda da jurisprudência.

Nesse diapasão, o douto julgador chama à colação os princípios da boa-fé objetiva e do abuso de direito que, na hipótese, impõem ao financiador precaver-se para receber seu crédito do devedor ou sobre os pagamentos a ele efetuados pelos terceiros adquirentes. “O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa de seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel”. O registro imobiliário da hipoteca sobre o imóvel não pode ter o efeito de atingir o terceiro adquirente.

A decisão enfoca com clareza a posição jurídica dos três envolvidos. Dois deles com intuito de lucro, o construtor e o financiador; ambos negligentes e inadimplentes. E o terceiro adquirente que nada mais desejou do que pagar o valor do imóvel e tê-lo para si como um justo galardão, por vezes decorrente da luta de uma vida inteira. Os adquirentes devem à construtora, compromissária alienante, e a ninguém mais.

  • Sobre o autorUm advogado bem qualificado nunca tem medo de desafios.
  • Publicações167
  • Seguidores272
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações2925
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/hipoteca-de-imovel-com-unidades-autonomas-e-terceiros-adquirentes/451471575

Informações relacionadas

Renata Campos, Advogado
Artigoshá 8 anos

Direito Civil

ANCHIETA ADVOGADOS, Advogado
Modeloshá 5 anos

Instrumento De Confissão De Dívida Com Garantia Hipotecária

Compra de imóvel na planta: O direito de baixa da hipoteca

Bruno Silva, Advogado
Artigosano passado

Seu imóvel está hipotecado? Entenda mais sobre adjudicação compulsória e cancelamento de hipoteca

Raquell Almeida, Advogado
Artigoshá 4 anos

Baixa na hipoteca de imóvel quitado: Cuidado! Você pode perder seu imóvel!

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)