Minha casa minha vida – atraso na entrega do imóvel pode gerar indenização.
Adquirir bem imóvel, seja para moradia familiar, seja para investimento em locação, é o sonho da maioria dos brasileiros. No entanto esse anseio pode revestir-se de insatisfação quando a construção, mormente aquelas do programa “minha casa minha vida”, não é entregue no prazo convencionado. Este fato veio a termo por meio de decisão judicial e, como se articulará a seguir, é passível de indenização.
As relações de compra e venda não acontecem sob o império de um mundo sem lei. O legislador brasileiro foi diligente ao imprimir regras de proteção ao consumidor na Constituição da República Brasileira (art. 5º, XXXII, da CF[1]) e na legislação ordinária (Código de Defesa do Consumidor[2]), a fim de reprimir práticas abusivas que lesem o patrimônio do comprador, de jure, definido como peça vulnerável na relação consumerista.
Com espeque no argumento anterior, o programa “Minha Casa Minha Vida”, instituído pela Lei 11.977/2009, fomentou a aquisição de unidades habitacionais, urbanas e rurais, para famílias de baixa e média renda, refletindo o mandamento constitucional do direito à moradia (CF, art. 6º).
Com a devida vênia, é preciso atentar para o entendimento ofertado pelo Superior Tribunal de Justiça no tocante aos adquirentes de imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida – faixa1.
Assentou o egrégio tribunal não haver relação de consumo entre aqueles para com as construtoras e incorporadoras imobiliárias, posto que nessa faixa há seleção sob o critério social e não cessão de crédito para compra do imóvel, conforme previsto nas Faixas 1,5, 2 e 3. Portanto, frise-se, o entendimento que será construído aqui não acoberta populares da faixa 1.
Com relação aos contratos de promessa de compra e venda, o Recurso Especial Nº 1.729.593/SP do STJ asseverou que o incorporador (ou construtor) é responsável civilmente pela obra, cabendo a ele indenizar o comprador dos prejuízos pela não conclusão da edificação ou o de se retardar injustificadamente a conclusão da obra.
Nesta senda, entende-se que os contratos do programa Minha Casa, Minha Vida, quando adquiridos na planta, projetam os efeitos do negócio a fugindo a evento futuro e certo, eis que ao assinar o contrato, o comprador tem ciência da data em que receberá as chaves. Quando a incorporadora/construtora atrasa a entrega, extrapolando o prazo acordado, lança o negócio a evento futuro e incerto, vez que o comprador não tem mais a certeza de quando receberá o imóvel.
Com base na premissa acima, entende-se que há ofensa aos princípios da veracidade da publicidade e o da não-abusividade da publicidade, ambos ínsitos como parâmetro do Código de Defesa do Consumidor (CDC, arts. 37, § 1º, § 2º). Desta forma, a propaganda abusiva[3] tendente a induzir o consumidor ao erro quanto à entrega da edificação acarreta em perdas e danos pelo não adimplemento da obrigação firmada.
Com razão, as normas brasileiras de direito privado, notadamente, as que tutelam as relações de consumo, primam pela boa-fé. O artigo 422 do Código Civil atesta justamente esse preceito. Não à toa, essa base principiológica foi importada do direito alemão (§ 242 do BGB – Leistung nash treu und Glauben – “Prestação segundo a boa-fé”)[4].
Essa boa-fé traz a lume a visão de comportamento das partes; trata-se, pois, de princípio geral de direito. Tal mister atrai a cláusula “rebus sic stantibus”, que possibilita a revisão contratual quando uma das partes se encontra em desvantagem:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(…)
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; (sic)
Dessa forma, quando se tratar de atraso no cumprimento do contrato deverá ser acrescido apenas o prazo de tolerância de 180 dias, já admitido pela jurisprudência do STJ, e agora incorporado ao sistema jurídico para os contratos futuros pelo art. 43-A da Lei n. 13.786/2018 (que alterou a Lei n. 4.591/1964), dentro do qual a empresa poderá superar eventuais imprevistos relacionados à obra.
A previsão contratual, por si só, criou para o adquirente a expectativa de usufruir do bem imóvel no prazo entabulado. Ocorre que, ultrapassado o prazo de tolerância (180 dias segundo a nova Lei n. 13.786/2018), o contrato acarreta prejuízo para aquele promitente comprador.
Desta forma, surge o dever de reparar o dano, indenizando o comprador desde a data fixada em contrato, excetuando-se o prazo de tolerância, sobre os lucros cessantes, que equivalerá ao valor mensal de aluguel com base no valor locatício.
Entenda os lucros cessantes como aquilo que o adquirente da edificação deixou usufruir se estivesse na posse e propriedade do bem.
Todavia, frise-se, em havendo no contrato cláusula penal, esta deverá ser pré-fixada a título de reparação do dano. De certo que, não caberá posterior cumulação da cláusula penal com lucros cessantes. Esse é o entendimento cristalino do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, para sedimentar o estudo aqui proposto, a fim de orientar-se por possível direito à indenização pelo atraso na entrega do imóvel residencial, temos que observar o seguinte:
1) na aquisição da moradia residencial em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio, exceto o acréscimo do prazo de tolerância de 180;
2) no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma;
3) é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.
[1] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
[2] LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.
[3] Não se deve confundir a propaganda enganosa com a abusiva. Esta, não é propriamente falsa mas exagera a ponto de se contrariar as leis brasileiras. A propaganda enganosa é maliciosa e nasce com o fim real de prejudicar o consumidor.
[4] JUNIOR, Nelson Nery et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. 1399 p.
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