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29 de Abril de 2024

Não tenho dinheiro para pagar o aluguel: a locação e a pandemia

Algumas opções para os casos de inadimplemento de aluguel em função de dificuldades financeiras motivadas pela crise do COVID-19.

há 4 anos

Com a calamidade econômico-financeira promovida pela pandemia do novo coronavírus, é sintomático que o cumprimento de uma série de contratos fique seriamente prejudicada.

Os contratos de locação certamente não são uma exceção. Pelo contrário, por tratar-se de uma das modalidades de contrato mais elementares existentes, indispensável para que quem não é proprietário de um imóvel tenha uma sede para exercer suas atividades empresárias ou simplesmente tenha um lugar para morar, as relações locatícias talvez serão algumas das mais afetadas pela crise do COVID-19.

Tendo isso em mente, parece inevitável que o súbito refreamento da atividade econômica, ainda mais levando em conta as medidas da Administração de limitação de funcionamento e de imposição de isolamento social, suscite um alto indício de não pagamento de aluguéis. E isso por uma única e simples razão: a falta de dinheiro do inquilino.

Não obstante, a iminência do inadimplemento ou o inadimplemento já em curso não precisa ser motivo para desespero, seja do locador ou do locatário. Como abordado em nossa última coluna esse é justamente um dos casos em que o auxílio de um advogado pode vir muito a calhar.

Isso porque, apesar de o Direito brasileiro operar sob a lógica de que os contratos têm de ser cumpridos, isto é, de valer o princípio do pacta sunt servanda (quem nunca ouviu aquele brocardo “o contrato é lei entre as partes”?), existem circunstâncias excepcionais que podem legitimamente motivar a revisão ou até a resolução de um contrato já em vigência.

Pensando nisso, vamos, a seguir, apresentar algumas alternativas para os locatários em pânico por não ter como pagar o aluguel e para os locadores desesperados com a expectativa de não receber.

Primeiro, quanto à locação comercial.

De início, deve-se advertir que, em meio ao colapso financeiro provocado pelo novo coronavírus, eventuais contratempos surgidos nas relações comerciais precisam ser avaliados com uma boa dose de bom senso. Sim, bom senso. Muitos não sabem, mas o Direito brasileiro, por meio do art. 422 do Código Civil, insere automaticamente em todos os contratos uma cláusula, basicamente, de bom senso. A referência é à boa-fé objetiva, que impõe aos contratantes as obrigações de lealdade e cooperação de um para com o outro, para se mencionar algumas delas.

Só isso já seria suficiente para presumir que o apocalipse econômico em curso graças à pandemia é um motivo mais do que justificável para que parceiros comerciais renegociem as condições originárias de um contrato de locação, fazendo concessões que permitam alcançar um meio-termo razoável. É dizer, as dificuldades financeiras de agora não necessariamente precisam significar o fim do contrato. Ao contrário disso, o bom senso, ou melhor, a boa-fé, presume que ambas as partes encontrem uma saída consensual. É possível se falar em um dever de renegociar.

Várias caminhos podem ser adotados nesse sentido: pode-se acordar a prorrogação das datas de vencimento de determinado número de aluguéis; pode-se pensar em descontos no valor do aluguel por um prazo determinado, como nos próximos 3 (três) ou 6 (seis) aluguéis, ainda que proporcionais à queda da quantidade das vendas de um inquilino, por exemplo; pode-se também combinar algo no sentido de não realizar-se reajuste do aluguel no ano subsequente; ou, se for necessário chegar nesse ponto, pode-se ajustar a rescisão do contrato sem a cominação de multa. As alternativas são múltiplas e muitas outras podem ser pensadas considerando-se as particularidades de cada caso.

Todavia, caso a novação consensual não frutifique, a lei franqueia algumas soluções.

Uma delas é a faculdade prevista pelo art. 19 da Lei do Inquilinato, que estabelece o direito de, passados 3 (três) anos de locação, pedir-se judicialmente a revisão do aluguel.

Mas e nos casos em que ainda não se completaram 3 (três) anos de contrato ou no caso dos contratos com duração inferior a 3 (três) anos?

Nessas hipóteses, parece lícito tomar a crise promovida pelo coronavírus como um evento imprevisível e estranho aos riscos naturais do contrato que, caso tenha efetivamente motivado um desiquilíbrio entre as prestações de cada parte na relação contratual, leva à possibilidade de se aplicar a chamada teoria da imprevisão, respaldada pelo art. 317 do Código Civil, que assim dispõe:

“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

Aqui, como também discutido em nossa última coluna, o surgimento de uma circunstância completamente imprevisível altera as condições em razão das quais o contrato foi celebrado, tornando-o, hoje, devido ao imprevisível, inviável.

É o que acontece, por exemplo, justamente com quem alugou um imóvel para exercer suas atividades empresariais, mas que por uma medida da Administração Pública, está impedido de se utilizar do imóvel alugado para esse fim. Há aí o surgimento de um desiquilíbrio de valor entre as prestações de cada um dos contratantes: de um lado, o imóvel perdeu a utilidade em função da qual ele foi locado em primeiro lugar, ao mesmo tempo em que o inquilino ainda tem a obrigação de pagar o aluguel, e, de outro, independentemente disso, o locador ainda faz jus ao recebimento do aluguel, mesmo que o imóvel tenha perdido parte de sua utilidade para o locatário.

Nesse tipo de caso, o art. 317 do Código Civil autoriza que o interessado vá ao Judiciário pleitear a revisão do contrato, para readequá-lo e, assim, reequilibrá-lo por força da ocorrência do imprevisível.

Por outro lado, a imprevisível e extraordinária crise causada pelo COVID-19 pode significar não apenas a alteração das condições que legitimaram o contrato, mas, mais do que isso, sujeitar uma das partes a um ônus excessivo, enquanto beneficia a outra com uma vantagem anormal.

Quando for esse o caso, pode-se valer do art. 478 do Código Civil, que trata da teoria da onerosidade excessiva.

Segundo esse dispositivo: “nos contratos de execução continuada ou diferida [como é o caso do aluguel], se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Isso é justamente o que ocorre no exemplo já citado: o pagamento do aluguel se tornou excessivamente oneroso para o inquilino, que tem que pagar mesmo sem usar o imóvel, e, ao mesmo tempo, excessivamente vantajoso para o locador, que fará jus ao aluguel de um imóvel que não poderá ser usado.

Com base na onerosidade excessiva, a parte prejudicada pode pedir a própria resolução do contrato (rescisão sem cumprimento), com a ressalva, porém, de que, por meio do art. 479 também do Código Civil, prioriza-se a sua revisão, autorizada a resolução apenas se houver intransigência da outra parte quanto à modificação equitativa das condições do contrato.

Além disso, ainda é interessante destacar que, por se tratar de risco estranho ao objeto da locação, é razoável considerar a pandemia do novo coronavírus como hipótese de caso fortuito ou força maior. Assim, caso o inquilino deixe de pagar o aluguel especificamente como consequência de entraves financeiros resultantes da pandemia, será possível levantar tratar-se de caso fortuito ou força maior, o que retira a culpa no descumprimento do contrato e, por isso, exime o locatário do pagamento de multa por atraso, de juros ou de eventuais perdas e danos do locador.

Segundo, quanto à locação residencial.

Inicialmente, frisa-se que tudo o que se disse sobre bom senso no caso da locação comercial também vale aqui. E vale tanto para o locatário que depende do imóvel para ter onde morar quanto para o locador que depende do aluguel como fonte de renda. Os problemas causados pelo surto do COVID-19 e suas consequentes implicações financeiras devem ser enfrentados com bom senso, ou melhor, com boa-fé, devendo locador e locatário agirem com lealdade e cooperação um para com o outro.

Da mesma forma, o que se disse a respeito do art. 19 da Lei do Inquilinato também é válido: quando o contrato estiver em vigor há pelo menos 3 (três) anos, há direito de pedir judicialmente a revisão do aluguel.

No entanto, diferentemente do que ocorre na locação comercial, nos outros casos, a situação é um pouco mais delicada.

Isso porque, a priori¸ nem a teoria da imprevisão, nem a teoria da onerosidade excessiva seriam aplicáveis na hipótese de inadimplemento do aluguel residencial justificado por dificuldades financeiras oriundas da pandemia do novo coronavírus (isso é muito bem analisado aqui e aqui).

Quanto à teoria da imprevisão e ao art. 317, no caso da locação residencial, o imóvel não perde utilidade para o inquilino, que poderá continuar utilizando-o. Inclusive, com o isolamento social, o locatário quiçá utilizará o imóvel ainda mais. A prestação do locador então, de disponibilizar o imóvel para o uso, não perde valor em face da prestação do locatário, de pagar aluguel, em razão do evento imprevisível. O equilíbrio entre as duas continua inteiramente preservado; uma é valiosa em face da outra. Dito de outro modo, as condições que motivaram a locação não se alteraram, apenas se alterou a situação econômica do inquilino, o que simplesmente não é causa para a aplicação do referido art. 317.

Por outro lado, quanto à teoria da onerosidade excessiva e ao art. 478, não parece legítimo cogitar haver-se, no que toca à locação residencial, um ônus excessivo para o locatário e uma vantagem excessiva para o locador, mesmo que se considere que o preço do aluguel tenha se tornado muito custoso em virtude de uma eventual alteração na situação econômica daquele primeiro. Isso fica muito claro quando se tem em mente que o que se disse antes a respeito do caso fortuito e força maior na locação comercial também vale aqui: o inquilino que não pagar o aluguel, em razão do fortuito que é o surto do COVID-19, é isento de culpa e por isso não se sujeita a multas, juros ou perdas e danos. Com isso, não só continuará usando do imóvel residencial, mas ainda não pagará aluguel e não terá nenhum ônus imposto em razão de seu inadimplemento. Na realidade, nesse caso, onerosidade excessiva existirá é para o locador, que não receberá aluguel, não poderá reaver o imóvel e nem sequer terá direito à multa e aos juros voltados a compensá-lo pelo não pagamento das prestações mensais.

Ainda assim, em face da situação inegavelmente calamitosa que é a pandemia do novo coronavírus, não se duvida que, quando impossível a composição das partes de forma extrajudicial, a exigência de se guardar a boa-fé constitua motivo suficiente para se pleitear judicialmente a revisão do contrato de modo a readequar o equilíbrio contratual e preservar o vínculo. Nem tudo está perdido, portanto, e é nesse momento que entra o papel do advogado, que irá, com fundamento na boa-fé, demonstrar que as circunstâncias do caso autorizam a revisão. E acredita-se que dificilmente a postura do Judiciário seria diferente, principalmente se o locatário depende do imóvel para ter onde morar ou se o locador depende do aluguel para sobreviver. No final, acredita-se, o bom senso deve (e irá) prevalecer.


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