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23 de Maio de 2024
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    Reflexões com relação ao julgamento do RHC 150.603 pelo STJ

    O artigo discute sobre o julgamento pelo STJ do RHC 150.603 e suas repercussões.

    Publicado por Rogério Tadeu Romano
    há 2 anos

    REFLEXÕES COM RELAÇÃO AO JULGAMENTO DO RHC 150.603 PELO STJ

    Rogério Tadeu Romano

    Trago à colação a ementa do julgamento do RHC 150.603, objeto de apreciação pelo STJ, em que foi relator o ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF – 1ª Região):

    PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. NULIDADE. SIGILO DE DADOS PROFISSIONAIS. FARMACÊUTICOS. FORNECIMENTO DE RECEITUÁRIOS MÉDICOS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA. NECESSIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO.

    1. O sigilo profissional constitui garantia constitucional expressa, assegurada a todos, dispondo o art. , inciso XIV, da Constituição que "É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional."

    2. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais e legais, bem como as provas derivadas das ilícitas (art. 157 e § 1º - CPP)

    3. A recorrente, denunciada, juntamente com outros corréus, pela suposta prática dos crimes de tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes, busca a anulação das provas decorrentes da quebra de sigilo de dados médicos, fornecidos pelas farmácias do município de Assis Chateaubriand/PR (cópia de todas as receitas médicas dos pacientes nele residentes), sem autorização judicial prévia, por determinação direta do Ministério Público do Estado.

    4. Verificando-se que a denúncia em desfavor da recorrente está lastreada em prova produzida em descompasso com tais orientações, sem autorização judicial prévia para sua entrega para fins de investigação penal, exsurge evidente a ocorrência do constrangimento ilegal, devendo ser declarado tal de prova elemento ilícito, bem como os dele decorrentes.

    5. Foi aduzido que, propiciados os elementos de prova ao MP, "assim que identificados indícios da prática de crimes de tráfico e associação, foram viabilizados os devidos mandados de busca e apreensão para melhor apuração dos fatos, e tais instrumentos foram devidamente chancelados por decisão judicial fundamentada", o que não sana a ilegalidade original cometida pela requisição direta do Ministério Público.

    6. Recurso provido. Anulação das provas obtidas mediante requisição do Ministério Público sem autorização judicial (prova ilícita) e da provas delas decorrentes.

    Em seu voto o ministro relator aduziu que a recorrente foi denunciada, juntamente com outros corréus, pela suposta prática dos crimes de tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes, e se insurge contra as provas derivadas de informações obtidas pelo Ministério Público a partir dos ofícios encaminhados às farmácias do município de Assis Chateaubriand/PR, diretamente, e sem autorização judicial.

    Para o caso o STJ emprestou a uma receita médica a que o membro do Parquet teve acesso sem ordem judicial a natureza de prova ilícita, por violação ao art. , XIV, do CF.

    Disse então o eminente relator naquele voto:

    “Inicialmente, cumpre analisar os fundamentos utilizados na decisão que recebeu a inicial acusatória em desfavor da recorrente e demais corréus, tendo sido exaradas as seguintes conclusões acerca do tema (fls. 26-126):

    Não se há, desse modo, falar em nulidade do procedimento adotado pelo Ministério Público (expedição de ofícios às farmácias solicitando receitas médicas dos pacientes) que embasou a denúncia, pois, como se viu, está sedimentado o entendimento no sentido de que pode o Ministério Público promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, sem que essa prerrogativa esteja condicionada à atuação policial. Atente-se que os poderes investigatórios do Ministério Público são implícitos, corolário da própria titularidade privativa do Parquet em promover a ação penal pública ( Constituição da Republica, artigo 129, inciso I). Contudo, a Constituição, em seu artigo 129, VIII, confere expressamente ao Ministério Público a atribuição de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito à autoridade policial, independentemente de sindicabilidade ou supervisão judicial.

    Ademais, o procedimento investigatório criminal conta com previsão legal do artigo da Lei Complementar nº 75/1993, do artigo 26 da Lei nº 8.625/1993, sendo regulamentado pela Resolução n. 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público, alterada pela Resolução n. 111/2014.

    Além disso, em que pese os argumentos utilizados pelos denunciados de ter havido a quebra de sigilo do tratamento médico dos munícipes da Comarca, consigne-se que, referido princípio, consistente no sigilo médico-paciente, subsiste para proteger, tão somente, aos pacientes e não ao médico que o utiliza para acobertar a prática de crime, como descreve a denúncia de mov. 1.1. Os segredos confiados ao médico podem ser revelados, no caso de ação criminal, sem comprometer a confiança no profissional. Nessa linha trago a colação o entendimento de Nelson Hungria, de que a regra é a possibilidade de requisição, pois o sigilo profissional não é absoluto. Isso porque há interesses jurídicos que superam o dever de sigilo, assim como o interesse público deve estar acima de certos segredos, que podem ser revelados, uma vez tendo pertinência com a lide. Outrossim, as planilhas de receitas médicas encartadas no processo de busca e apreensão autuada sob o nº 00001013-05.2019.8.16.0048, após requisição do Ministério Público às farmácias, interessam na busca da verdade real, com o objetivo de averiguar a ocorrência ou não de crimes extremamente graves nesta Comarca de Assis Chateaubriand - tráfico de drogas e associação para o tráfico, previstos nos artigos 33, caput e 35, caput, ambos da Lei 11.343/2006 -, sendo o primeiro equiparado a hediondo, crime este em que, no ano de 1988, Estados-membros decidiram fortalecer as suas ações para combatê-lo, oportunidade em que se reuniram em Viena para formular o que se tornou o terceiro pilar do sistema internacional de controle de drogas universalmente aprovado, ratificado pelo Brasil, por meio do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Essa convenção tem como objetivo promover a cooperação entre os Estados para tratar de forma mais eficaz o tráfico de drogas, acabar com os lucros de organizações criminosas através da produção de drogas ilícitas e do tráfico e, ainda, fornecer novas ferramentas aos governos, enfim, busca prevenir e reprimir a prática desse crime nos países signatários, caso do Brasil e deste processo, em que se apura a prática dos crimes mencionados por profissionais da área da saúde (médicos e farmacêuticos).”

    Prosseguiu assim o voto:

    “Convém lembrar, ademais, que após a expedição dos ofícios às farmácias do Município, constatou-se, inicialmente, a prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, cometidos, em tese, pelos médicos Takayassu Nakamura, Tatiana da Silva Sereno, Elias Pereira da Silva, Celso Joel Violin, Celso José Soares, Heber Frizera Ferreira e Shiguemi Kiara, oportunidade em que, para melhor investigação dos fatos, o Ministério Público, com fundamento no artigo 240 e seguintes do Código de Processo Penal, pleiteou a busca e apreensão dos receituários médicos, cujo pedido fora deferido.

    Se não bastasse, infere-se que já houve o primeiro ato de controle judicial do processo, vez que, ao analisar a juntada dos prontuários médicos nos autos de medida cautelar em apenso, fora constatada fundadas razões para autorizar a busca e apreensão, cuja decisão que a autorizou respeitou todos os requisitos do artigo 243, caput, do Código de Processo Penal, quais sejam: a ) indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem; b) mencionar o motivo e os fins da diligência; e c) ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir e, também, em conformidade com o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça [...].”

    Dir-se-á, aliás, que não se constata irregularidade na atuação do Ministério Público, que, “no âmbito das suas prerrogativas legais e constitucionais, pode requisitar informações e documentos a entes públicos e privados objetivando instruir investigações criminais, sobretudo no interesse social e coletivo da apuração de crimes perpetrados contra a saúde pública”, eis que “dentre as funções institucionais do Ministério Público, está a requisição de, informações e documentos para a instrução de procedimentos administrativos, nos moldes de lei”.

    Falar-se-ia que para o caso não houve quebra de sigilo profissional na obtenção direta pelo Ministério Público dos receituários médicos referidos pelos impetrantes. Isso porque não existe aparato normativo que atribua sigilo à receita médica e exija prévia autorização judicial a que o Ministério Público tenha acesso a tal documento.

    Além do mais, receituário médico não se equipara a prontuário médico. Enquanto no primeiro consta apenas a descrição de um medicamento que pode ser utilizado para diversas finalidades, o segundo contém todas as informações relevantes e detalhadas do estado clínico do paciente obtidas durante a anamnese realizada no atendimento médico-hospitalar. Portanto, evidente não se tratar de documentos equivalentes e, por essa razão, não merecem o mesmo tratamento no que diz respeito ao sigilo.

    Portanto, como há previsão legal para a atuação do Ministério Público e o receituário médico, repita-se, não é, por si só, protegido por sigilo, não haveria irregularidade a justificar a anulação de todo o conjunto probatório até agora juntado aos autos .

    Direi, aliás, que a própria Lei Complementar nº 75/93 permite a possibilidade do membro do Parquet requisitar informações para o esclarecimento de suas investigações. Há, pois, previsão legal para tal.

    Entretanto, na mesma decisão foi dito:

    “Deve-se considerar que a excepcional restrição de um direito ou garantia constitucional, tais como a intimidade e o sigilo profissional, só pode ocorrer em situações pontuais, em que restem evidenciadas de forma flagrante a sua real necessidade, por razões de interesse público e legal.

    Nesta perspectiva, se faz imprescindível o pronunciamento judicial devidamente fundamentado, demonstrando a conveniência da mitigação, para fins de promover a investigação criminal ou a instrução processual penal.

    Diga-se, inclusive, que a motivação da decisão é constitucionalmente relevante, vez que, à luz do princípio da garantia da proteção judicial efetiva, esta deve ser submetida a um necessário processo de controle, a fim de evitar-se arbitrariedades, abusos e contradições.

    O Supremo Tribunal Federal se manifesta de forma unânime pela imprescindibilidade do pronunciamento judicial devidamente motivado para mitigação de direitos e garantias constitucionalmente estabelecidas, como se vê através do julgado abaixo transcrito:

    HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO. AUSÊNCIADE OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. RECURSODESPROVIDO.

    [...]

    2. Afasta-se a assertiva da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, porquanto, a despeito do mandamus não ter sido conhecido, o mérito da questão alegada foi apreciado e rechaçado para se verificar a ocorrência de eventual constrangimento ilegal, tendo sido afastada a suposta nulidade da decisão que decretou a quebra do sigilo telefônico, bem como de sua prorrogações, porquanto as mesmas estavam devidamente fundamentadas.

    3. ‘A complexidade das investigações possibilita diversas prorrogações da interceptação telefônica, desde que justificadas com base na peculiaridade do caso concreto, sendo legítimo o uso da técnica de fundamentação per relationem. Precedentes’( AgRg no REsp 1.346.390/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTATURMA, DJe 14/2/2020).

    4. Agravo regimental desprovido”(STF, HC191138/CE, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em09/09/2020, DJe 11/09/2020)”.

    Naquele habeas corpus, considerou-se que “a receita de medicamento é considerada parte do prontuário médico e se encontra protegida pelo sigilo profissional, quando necessário ao exercício profissional, respaldado pelo artigo , inciso XIV da Constituição Federal ("É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,").

    Aludida proteção se encontra em várias normas vinculadas à atividade médica. O artigo 1º da Resolução n.º 1.638/2002, do Conselho Federal de Medicina, define o prontuário médico “como o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo”.

    O Código de Ética Médica, normatizado através da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.931de 17 de setembro de 2009, especificamente em seu artigo 89, dispõe que:

    “Artigo 89. É vedado ao médico:(...) Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.§ 1º Quando requisitado judicialmente o prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.§ 2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.”

    É dito, outrossim, nos fundamentos do voto:

    “Frise-se que estes documentos são entregues deliberadamente pelos pacientes às farmácias para o fim de obterem medicação controlada, estando os farmacêuticos vinculados à código de ética específico da categoria, que dispõe sobre o seu dever legal de guardar sigilo das informações e documentos que tenham conhecimento ou guarda pelo exercício da profissão.”

    Concluiu-se então naquele julgado:

    “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais e legais, bem como as provas derivadas das ilícitas (art. 157 e § 1º - CPP).

    Dessa forma, dou provimento ao recurso em habeas corpus, a fim de declarar nulas as provas decorrentes das receitas médicas encaminhadas em razão dos ofícios expedidos pelo Ministério Público nos Autos n. 0002489-78.2019.8.16.0048, bem como os demais elementos de prova delas derivadas.”

    Em voto-vista, o ministro Rogerio Schietti acompanhou as conclusões e acrescentou a possibilidade de o Ministério Público renovar essas provas, desde que devidamente autorizado o acesso às receitas médicas por decisão judicial fundamentada.

    Com o devido respeito, se “a moda pega” com todos com risco de pegar covid-19 ou anda passar pela ômicron, a repartição pública ou a empresa privada (nas relações trabalhistas) não poderão exigir atestado médico negativo do servidor, a não ser com autorização judicial, sob pena de quebra da intimidade, o que me parece não ser o caso. Isso é uma afronta à razoabilidade. A administração, no direito público, e o empregador, no direito do trabalho (direito social) têm a direção do funcionamento do serviço.

    Ora, há o limite da proporcionalidade. Nem a vedação absoluta da entrada dessas provas no processo, nem sua absoluta admissão. O limite está na aplicação correta do princípio da proporcionalidade.

    Na matéria, volto-me ao ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira (A Constituição e as provas ilicitamente adquiridas, in Revista de Direito Administrativo, julho- setembro 1996) quando ensinou:

    “Pensam muitos que a complexidade do problema repele o emprego de fórmulas apriorísticas e sugere posições flexíveis. Seria mais prudente conceder ao juiz a liberdade de avaliar a situação em seus diversos aspectos; atenta a gravidade do caso, a índole da relação jurídica controvertida, a dificuldade para o litigante de demonstrar a veracidade de suas alegações mediante procedimentos perfeitamente ortodoxos, o vulto do dano causado e outras circunstâncias, o julgador decidiria qual dos interesses em conflito deve ser sacrificado, e em que medida. Alude-se, a tal propósito, ao chamado princípio da proporcionalidade.' Cabe verificar se a transgressão se explicava por autêntica necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte, e se esta se manteve nos limites determinados pela necessidade; ou se, ao contrário, existia a possibilidade de provar a alegação por meios regulares, ou se a infração gerou dano superior ao benefício trazido à instrução do processo. Em suma: averiguar se, dos dois males, se escolheu realmente o menor. Semelhante doutrina tem sido às vezes criticada pelo risco de dar margem à excessiva influência de fatores subjetivos e, por conseguinte, à emergência do arbítrio judicial. Mas não se deve perder de vista quão frequentes são as situações em que· a lei confia na valoração (inclusive ética) do juiz para possibilitar a aplicação de normas redigidas com emprego de conceitos jurídicos indeterminados, como o de"bons costumes", o de"mulher honesta"ou o de"interesse público". A subjetividade do juiz atua constante e inevitavelmente no modo de dirigir o processo e de decidir; se pretendêssemos eliminá-la de todo, seríamos forçados a substituir por computadores os magistrados de carne e osso. Visões desse gênero, projetadas num hipotético futuro, já têm provocado pesadelos demais...”

    Disse ainda o professor José Carlos Barbosa Moreira em mais uma de suas muitas lições:

    “Já se notam sinais de reação, aliás, aos exageros a que leva uma consideração unilateral do problema. Em decisão recente e unânime, de 5.3.1996, no Habeas corpus n2 4.138 - e na qual se indica precedente análogo -, esposou a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendimento matizado, rejeitando a alegação de inadmissibilidade de gravação de conversa telefônica, mediante escuta policial supostamente ilícita, no presídio a que se achavam recolhidos os impetrantes. Acentuou o Relator, Ministro Adhemar Maciel, a relatividade dos direitos contemplados no texto constitucional, decorrente da própria necessidade de harmonização recíproca, e referiu-se ao"substrato ético"que não pode deixar de orientar o intérprete na fixação dos limites razoáveis. Independentemente do juízo que cada um faça sobre a solução dada à espécie, não sofre dúvida a relevância de argumentos contidos na motivação do acórdão. Com razão sublinha o Ministro Relator quão descabido é arvorar em valor supremo, sejam quais forem as circunstâncias, a privacidade deste ou daquele indivíduo:"pode haver", adverte,"do outro lado da balança, o peso do interesse público a ser preservado e protegido"

    .....

    . O problema das provas ilícitas inclui-se entre os mais árduos que a ciência processual e a política legislativa têm precisado enfrentar, dada a singular relevância dos valores eventualmente em conflito. De um lado, é natural que suscite escrúpulos sérios a possibilidade de que alguém tire proveito de uma ação antijurídica e, em não poucos casos, antiética; de outro, há o interesse público de assegurar ao processo resultado justo, o qual normalmente impõe que não se despreze elemento algum capaz de contribuir para o descobrimento da verdade. É sumamente difícil, quiçá impossível, descobrir o ponto de perfeito equilíbrio entre as duas exigências contrapostas. A Constituição de 1988 optou à evidência por uma solução radical. Não só proibiu em termos amplos a utilização de provas ilícitas, mas fixou limites muito estreitos ao poder do juiz de mediante autorização, legitimar a obtenção de provas que sem ela ficam sujeitas a veto literalmente categórico.”

    No entanto, trago à colação a afirmação de que “os direitos e garantias fundamentais previstos em sede constitucional não são absolutos. A matéria foi objeto do pronunciamento ainda de José Carlos Barbosa Moreira (Prova Gravada de conversas, interceptadas in Direito Aplicado p. 170, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1987).

    Para Nelson Nery Júnior (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 1992, pág. 141), “não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonista da gravação sub-reptícia (parece não admitir, em nenhuma hipótese, a gravação telefônica oculta – sem o conhecimento da parte adversa de que a conversa estava sendo gravada, como meio de prova moral e legítimo, José Carlos Pestana de Aguiar, in Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV , 1977, páginas 76 a 81), nem a admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva. A proposição da doutrina quanto à tese intermediária é a que mais se coaduna com o que se denomina modernamente de princípio da proporcionalidade (Verhältinismässigkeitsmaxime), devendo prevalecer, destarte, sobre os radicais”. Nesse sentido José Carlos Barbosa Moreira (Processo Civil e direito à preservação à intimidade, in Temas de Direito Processual, segunda série, 1980, páginas 3-20, especialmente, n. 5, páginas 9 – 10) e ainda Egas Muniz de Aragão (Exegese do Código de Processo Civil, v. IV, tomo I, n.s 5 a 52, páginas 78 a 83).

    Naquela última obra, em especial, disse o desembargador Barbosa Moreira:

    “Não pode, assim, haver dúvida acerca da posição fundamental do ordenamento em face do conflito de valores que se desenha. Sobre o interesse da preservação da intimidade prevalecem, em linha de princípio, os interesses ligados à reta administração da justiça. Aquela não pode ter a virtude de obstar ao pleno atendimento destes. Todavia deve aqui atuar, como alhures, o princípio de que os meios se proporcionam de modo necessário aos fins aqui colimados. O direito à preservação da intimidade sujeita-se ao sacrifício na medida em que a sua proteção seja incompatível com a realização de objetivos que se têm primariamente em vista. Nessa medida, o ordenamento o tolera ou mesmo o impõe; além dela, não. Cumpre observar um critério de proporcionalidade, com o auxílio do qual se possa estabelecer adequado “sistema de limites” à atuação das normas suscetíveis de pôr em xeque a integridade da esfera íntima de alguém, participante ou não do processo”.

    Naquele brilhante trabalho, o desembargador Barbosa Moreira concluiu por dizer, na página 20 daquele livro:

    “O direito à preservação da intimidade cede diante de valores mais altos; mas não há porque sacrificá-lo à mera e vulgar bisbilhotice”.

    Parece-me, repito, que o princípio da proporcionalidade é o norte para a solução do problema diante de caso a caso.

    Observo o acórdão do TJRJ, da lavra do desembargador Barbosa Moreira, assim ementado: “Prova obtida por meio de interceptação e gravação de conversas telefônicas do cônjuge suspeito de adultério: não é ilegal, quer à luz do Código Penal, quer do Código Brasileiro de Telecomunicações, e pode ser moralmente legitima, se as circunstâncias do caso justificam a adoção, pelo outro cônjuge, de medidas especiais de vigilância e fiscalização”. A decisão foi tomada pela 5ª Câmara Civil, no Agravo de Instrumento, n. 7.111, relator desembargador José Carlos Barbosa Moreira, v.u, j. 22 de novembro de 1983, in RBDP 43 (!984), páginas 137 a 145.

    Observe-se que essa decisão é anterior à Constituição de 1988 e o desembargador Barbosa Moreira, como já visto, após a sua edição, manifestou-se na discussão em tela.

    Por fim, volto a mencionar o desembargador Barbosa Moreira, quando disse:

    “Cumpre observar um critério de proporcionalidade, com o auxílio do qual se possa estabelecer adequado “sistema de limites” à atuação das normas suscetíveis de pôr em xeque a integridade da esfera íntima de alguém, participante ou não do processo”.

    Essa a lição imorredoura do desembargador e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro para o caso vertente.

    Diante da colisão entre dois direitos fundamentais – de um lado, a intimidade, a privacidade e a dignidade; de outro, a segurança –, o relator afirmou que a solução do caso requer o uso da técnica da ponderação, aliada ao princípio da proporcionalidade.

    "O próprio Supremo Tribunal Federal reconhece a técnica da ponderação como instrumento de solução de conflitos de interesses embasados em proteção de nível constitucional. Já decidiu a Corte Suprema que a proporcionalidade é um método geral de solução de conflito entre princípios protegidos pela Constituição", como se observa das conclusões no REsp 1695349.

    Reitero a lição de Nelson Hungria no sentido de que a regra é a possibilidade de requisição, pois o sigilo profissional não é absoluto. Isso porque há interesses jurídicos que superam o dever de sigilo, assim como o interesse público deve estar acima de certos segredos, que podem ser revelados, uma vez tendo pertinência com a lide. Aí está a adoção do princípio da proporcionalidade na adoção correta entre meios e fins.

    Essa a solução a adotar na aplicação do processo constitucional no Brasil.

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