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24 de Maio de 2024

Salário Mínimo à Luz do Artigo 7º, Inciso IV da Constituição Federal

Publicado por Divino David
há 2 anos

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto o estudo do salário mínimo, seus aspectos históricos e previsão constitucional, bem como a análise da norma referente às necessidades vitais básicas elencadas no artigo , inciso IV da Constituição Federal. Desde a sua instituição na década de 40, o salário mínimo tem a incumbência legal de garantir ao trabalhador aquilo que se tem por essencial a uma existência digna. Após décadas de desvalorização, o constituinte por meio da Magna Carta de 1946, estende o rol de garantias do salário mínimo não somente ao trabalhador, mas também à família deste, fazendo surgir um questionamento acerca da disparidade existente entre salário mínimo mencionado na constituição e salário mínimo frente à realidade social.

Para atingir esta finalidade, foi realizado um breve relato da origem do instituto no Brasil, no que tange à legislação que o criou e modificou ao longo dos anos, referenciando, por oportuno, os direitos que foram integrados em seu rol de garantias. Em seguida, abordamos a natureza alimentícia do salário mínimo explanando sobre a eficácia do artigo , inciso IV da Constituição Federal, diferenciando eficácia jurídica de eficácia social, esclarecendo também o fato da norma ser de princípio programático. Por meio uma breve distinção entre salário mínimo e remuneração, conforme os dispositivos legais vigentes, identificamos algumas fontes subsidiárias que o trabalhador utiliza com o propósito de garantir para si e para sua família moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

O salário mínimo deve garantir segundo a Constituição, direitos inerentes a qualquer cidadão, uma vez que se encontram no âmbito dos direitos sociais. Assim, busca-se discutir também sobre o dever do Estado em garantir aos trabalhadores os direitos dos quais são titulares através da efetiva implementação de programas governamentais, não devendo ser o salário mínimo a única forma de atendimento às necessidades vitais básicas.

A pesquisa acerca do tema surge da necessidade de compreender porque tal enunciado constitucional é visto como uma utopia em relação à realidade da família brasileira. O salário mínimo deve atender, segundo a Constituição, as necessidades vitais básicas não só do trabalhador, mas de toda sua família. Entretanto, a realidade daquele que tem o salário mínimo como única fonte de provimento, é a de depender exclusivamente dos serviços públicos, uma vez que seu salário mal consegue cobrir as despesas de moradia e alimentação.

Portanto, o tema abordado é de grande relevância por se tratar de direitos constitucionalmente garantidos, uma vez que não se limita somente à garantia ao trabalho, mas que este seja realizado de forma humana e não prejudicial ou insalubre, proporcionando ao trabalhador o direito de receber um salário justo pelo serviço prestado, que atenda às condições necessárias para que se viva de maneira digna.

É sabido que grande parte dos trabalhadores brasileiros quem têm no salário mínimo sua única fonte de renda utiliza o serviço público como hospitais e transporte coletivo, mas tais serviços são referenciados pelo poder aquisitivo do instituto como se o trabalhador pudesse fazer opção pelo serviço público ou privado. Assim, quando se verifica uma deficiência da tutela estatal, torna-se necessário um estudo visando uma melhor compreensão do assunto abordado e por consequência identificar possíveis soluções com intuito fazer com que o enunciado constitucional atinja sua plena eficácia tanto jurídica quanto social, partindo da motivação de defender uma classe que possui papel extremamente importante para construção de uma sociedade que tem como objetivos fundamentais a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, como preceitua artigo , inciso III da Constituição.

2 ASPECTOS HISTÓRICOS

A primeira Constituição a dispor sobre salário no Brasil foi a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, ao promover o amparo da produção e o estabelecimento das condições de trabalho, na cidade e no campo, assim dispondo em seu artigo 121, parágrafo primeiro:

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:

a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;

b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador;

O legislador ao editar a norma visando à proibição de diferença de salário, prima por estabelecer o princípio da igualdade e fazer do salário mínimo, um instituto capaz de atender às necessidades do trabalhador, mesmo que de uma forma genérica.

Através da lei nº 185 de 1.936, que instituía as comissões de salário mínimo e do decreto-lei nº 399 de 1.938, que aprovava o regulamento para sua execução, o presidente Getúlio Vargas sancionava a instituição do salário mínimo brasileiro, que passaria a ter seus valores fixados em 1940, por meio do Decreto-Lei nº 2.162. Assim, desde a sua criação, o salário mínimo tinha como finalidade a supressão das necessidades substanciais do trabalhador. É de se observar que tal norma jurídica transcreve em seu texto o primeiro conceito do instituto, em seu artigo 2º, in verbis:

Art. 2º Salário mínimo é a remuneração mínima devida ao trabalhador adulto por dia normal de serviço. Para os menores aprendizes ou que desempenhem serviços especializados é permitido reduzir até de metade o salário mínimo e para os trabalhadores ocupados em serviços insalubres e permitido aumentá-lo na mesma proporção.

Não obstante seu conceito legal, distinguindo a proporção da contraprestação de acordo as características do trabalhador, o conceito do instituto pelos doutrinadores em síntese refere-se à contraprestação paga pelo empregador ao empregado em razão de um contrato de trabalho, mas ao estabelecer essa contraprestação em um valor mínimo para validade de tal contrato, o salário passa a ter uma característica protecionista em favor do trabalhador, sendo sua função, portanto, garantir a satisfação das necessidades vitais do trabalhador ou nas palavras de Nascimento (2011, p. 829):

O salário mínimo representa, para o direito do trabalho, uma ideia básica de intervenção jurídica na defesa de um nível de vida abaixo do qual será impossível ao homem que trabalha uma existência digna e compatível com as necessidades elementares de sobrevivência humana.

Os valores do mínimo tiveram valoração significativa por meio do Decreto nº 30.342, de 24 de dezembro de 1951, que estabeleceu reajustes periódicos com a finalidade de manter ou até mesmo elevar seu poder aquisitivo. Tal ordem jurídica foi decretada em virtude do advento da Constituição de 1946, que incluía como direitos inerentes aos trabalhadores a garantia de salário mínimo capaz de satisfazer as necessidades normais do trabalhador e de sua família. Assim, segundo o autor supra, surgia uma distinção entre salário mínimo individual e salário mínimo familiar, em que o primeiro tinha como base de cálculo para sua composição as necessidades inerentes apenas ao trabalhador e o segundo era calculado levando em consideração as necessidades de uma família (2008, p. 103).

Romita (ROMITA, Arion Sayão. Academia Nacional de Direito do Trabalho, Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/ rev_20/artigos/ AironSayao_rev20.htm>. Acesso em 22 de maio de 2014) observa que na Constituição de 1946 o salário mínimo ainda era fixado conforme as condições de cada região, pelo entendimento de que produtos e serviços tinham valores diversos em cada região, sendo que cada estado diferia do outro quanto aos níveis salariais, expondo uma elástica desproporção conforme a região como, por exemplo, os estados do Maranhão e Piauí, que tinham como piso cerca de 120 mil réis e o Distrito Federal que alcançava o valor de 240 mil réis. Apesar dessa diferença entre os níveis salariais de cada estado, os mesmos não interviam na elaboração dos decretos que determinavam os valores. Havia descentralização nos níveis salariais e centralização da ordem jurídica que fixava tais níveis.

A unificação do salário mínimo se deu por meio do Decreto-Lei nº 2.351 de 7 de agosto de 1.987, que instituía o Piso Nacional de Salários, determinando seu valor inicial e estabelecendo a adoção de índices que garantissem a manutenção do poder aquisitivo do trabalhador e proporcionasse seu aumento gradual. Os reajustes seriam concedidos em observância à conjuntura socioeconômica do País e mediante Decreto do Poder Executivo, fixando a periodicidade e os índices de reajustamento. Sua instituição também tinha como referência a Consolidação das Leis do Trabalho, que já trazia em seu artigo 76 sua definição e direitos que deveriam ser atendidos pelo poder aquisitivo do instituto ora estudado.

Em 1988 era promulgada a Carta Magna vigente, consagrando o que a lei ordinária já estabelecera, em seu artigo , inciso IV:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

A unificação do mínimo pela Constituição implica na inconstitucionalidade de qualquer lei infraconstitucional que disponha sobre a fixação de valores inferiores ao salário mínimo vigente por parte dos legisladores estaduais. Entende o legislador que se o salário mínimo for capaz de permitir ao trabalhador a aquisição dos produtos e serviços mencionados no próprio artigo, as necessidades vitais básicas estariam sendo atendidas. A vedação de sua vinculação, já consolidada pela súmula vinculante nº 4 do STF, diz respeito à impossibilidade do salário servir como indexador de base para contratos que adotam valor determinado para reajustes periódicos de pagamentos.

3 FUNÇÃO SOCIAL E EFICÁCIA DA NORMA

Infere-se que desde sua primeira concepção legal até a legislação vigente, uma série de direitos foi amplamente agregada ao salário mínimo, primeiramente no que tange à extensão de seus benefícios à família do trabalhador. Nesse sentido, a contraprestação devida pelo empregador em razão do contrato de trabalho recebe uma visão que ultrapassa seu caráter econômico, atingindo também o social. Por consequência, considerando que o salário torna-se indispensável para promover a subsistência pessoal e familiar, há de se reconhecer sua natureza alimentícia ressalvando sua origem contratual na iminência de uma confusão entre obrigações contratuais e alimentícias.

Reforça o entendimento da função social do salário, Nascimento apud Cassi (2008, p. 48) sobre a distinção entre salário e crédito alimentício.

Para Vicenzo Cassi, não há, nas prestações alimentícias, um sinalagma; enquanto no salário há um sentido de troca, a onerosidade que não vê nas obrigações alimentícias do direito civil. Observa o mesmo doutrinador que o direito alimentício é recíproco diante da obrigação de pagar pensão onerando o parente que tiver condições de fazê-lo, aspecto que não vê no salário à falta da reciprocidade entre as partes do contrato de trabalho. Tanto a esposa pode ser obrigada a pagar pensão ao marido como este àquela, o que não acontece no vínculo de emprego. Acrescenta, ainda, que o fundamento fático do dever de pagar alimentos é o estado de necessidade, enquanto esse fator não influi decisivamente na determinação do pagamento do salário. Concluiu, portanto, que o conceito técnico de crédito alimentício não coincide com o conceito técnico de salário, mas não desconhece que a função de prover à subsistência é comum tanto aos alimentos como ao salário.

Outro fator de extrema relevância para compreensão função social salário se dá pelas garantias que o mesmo deve suprir com o advento da Carta Magna vigente. A CLT traz em seu artigo 76 algumas necessidades que devem ser supridas pelo salário, quais sejam: alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte, reproduzindo o que determina o artigo 1º do Decreto-Lei 2.162/40. A Constituição de 1988 acrescenta nesse rol de garantias o direito à educação, saúde, lazer e previdência social. Martins faz referência à extensão de garantias, quando expõe:

No art. 76 da CLT, verificava-se que as referidas necessidades eram apenas cinco: alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. Nota-se, agora, que as necessidades são nove. Mantém-se a alimentação, vestuário, higiene e transporte, mudando-se o nome de moradia para habitação, o que não tem nenhuma diferença, mas acrescentam-se outros quatro requisitos, como: educação, saúde, lazer e previdência social. O que se pretende mesmo é que o salário mínimo possa proporcionar a sobrevivência do trabalhador e de sua família. Na prática, sabemos que o salário mínimo tem sido insuficiente para esse fim, pois encontra-se muito defasado. (MARTINS, 2001, p. 276).

Com a inclusão de tais garantias ao poder aquisitivo do salário mínimo e a extensão dos sujeitos a serem beneficiados por ele, é possível perceber que o enunciado constitucional traz em seu texto uma aparente motivação em valorar e proteger os direitos do trabalhador, contudo, quando o legislador edita normas destinadas à garantia de direitos, cuja eficácia depende de investimento de recursos públicos, é fundamental que o poder legislativo esteja em harmonia com a Administração responsável pela destinação de tais recursos. Quando há disposições constitucionais cuja eficácia depende da atuação do Estado, estamos diante de normas constitucionais de eficácia limitada.

3.1 EFICÁCIA JURÍDICA E SOCIAL

Pontifica Lenza (2012, p.220) que as normas constitucionais de eficácia limitada “não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional”. O artigo 7º ao estabelecer a supressão das necessidades vitais básicas, enseja à elaboração de programas ou de leis infraconstitucionais destinados a efetiva garantia dos direitos mencionados no referido artigo de modo a fazer com que estes sejam alcançados pelo poder aquisitivo do salário mínimo. Contudo, a eficácia da norma deve ser analisada sob dois aspectos distintos, o jurídico e o social.

A eficácia jurídica da norma pode ser assimilada como a capacidade para produção de efeitos a serem aplicados nas relações concretas ou nas palavras de Delgado (2008, p.147): “deve compreender a aptidão formal de uma norma jurídica para incidir a vida material, regendo relações concretas”. Nesse sentido, verifica-se que toda norma constitucional possui eficácia, uma vez que o objetivo do poder constituinte na edição de normas é justamente contemplar a conversão do texto produzido em resultado prático sob o prisma social. Daí a classificação das normas pela corrente doutrinária majoritária em normas de eficácia plena, contida e limitada. O autor supracitado assevera ainda que “o exame da eficácia das regras jurídicas constitucionais é dimensão de notável relevância no Direito Constitucional, notadamente em sociedades, como a brasileira, caracterizadas por recorrentes alterações políticas e constitucionais” (Ibid. p. 147).

Se a eficácia jurídica refere-se à aptidão para a regência de relações concretas, a eficácia social é a concretização da finalidade da norma, sua transcrição literal totalmente aplicada ao mundo fático. Para Temer (2005, p. 23) “a eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos”. Assim, partindo da premissa de que toda norma constitucional possui eficácia, nota-se que a norma em estudo possui eficácia jurídica, por sua origem constitucional, mas não é dotada de eficácia social pela falta da efetividade de sua aplicação a casos concretos.

Há ainda outra relevante distinção a respeito das normas de eficácia limitada, pois estas se dividem em princípios, quais sejam: institutivo e programático. O doutrinador Silva (2006, p. 119) faz clara distinção entre as referidas normas ao expor que

As normas constitucionais de princípio institutivo ou organizativo contém apenas o começo, o esquema geral de determinado órgão, entidade ou instituição. A efetiva criação, organização ou estruturação fica a cargo de normatização infraconstitucional na forma prevista pela Constituição. Como exemplo, cita-se art. 33 “A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos territórios”.

Por tal descrição compreendemos que o princípio que define a eficácia das normas que se enquadram a essa classe determina a instituição de uma lei infraconstitucional que deverá dispor sobre o que estabelece o artigo da Carta Maior, sendo esta a base de sustentação para todo seu texto, delimitando, por via de consequência, qual assunto deverá ser regulamentado por esta lei. O artigo , inciso IV da Constituição vigente não visa à criação de uma lei ordinária ou complementar para dispor sobre o poder aquisitivo do salário mínimo, mas estabelece um instituto que, tem como objetivo a garantia de direitos que de forma genérica são referenciados na Constituição, de modo que para se alcançar a plenitude de sua eficácia, seja necessária a criação e efetiva utilização de programas a serem desenvolvidos pelo Estado. Assim, em meio a certa dificuldade tem sido definida a norma pelo autor acima referido, quando disserta que

Podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado (Ibid. p. 138).

Uma questão importante a ser verificada em relação às normas de eficácia limitada é que embora não definam de imediato todos os efeitos que dela se espera, orientam o legislador infraconstitucional a não legislar em sentido contrário, norteando todo o processo de elaboração de normas que tratam do tema mencionado por elas.

Ao observar que as disposições constitucionais referentes ao salário mínimo não só carecem de eficácia social, mas revelam uma inércia estatal em desenvolver o programa social que tem como finalidade garantir a eficácia plena da norma, resultando na supressão das necessidades vitais básicas pelo salário mínimo do trabalhador, será possível constatar uma omissão por parte Estado, que é caracterizada justamente pelo descumprimento das normas previstas na Constituição. Em face dessa omissão poderá ser identificado o remédio constitucional destinado a promover o cumprimento da norma que carece de eficácia.

4 ANÁLISE DA NORMA PERANTE A SUPREMA CORTE

O descumprimento dessa norma em específico vem sendo questionado ao longo dos anos e já foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo como instituição autora a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS. A referida ação é de extrema relevância para aprofundamento do presente estudo, pelo fato de ser apresentado pela autora, os fundamentos legais, jurisprudenciais e doutrinários com intuito evidenciar a omissão estatal e para que seu pleito seja deferido pela Corte. Por outro lado, O Supremo o Tribunal Federal se manifesta em ampla fundamentação sobre a viabilidade da ação de nº 1.458-7, que reclama a inconstitucionalidade a Medida Provisória nº 1.415/96, cujo objeto era a fixação dos valores do salário mínimo no ano da sua edição.

Aos autos da referida ação, verifica-se a omissão parcial do legislador que primou pela edição da norma apenas no sentido de garantir sua eficácia jurídica, deixando transparecer sua despreocupação com o programa social a ser desenvolvido com a finalidade de garantir sua eficácia social.

A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da Republica, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração ( CF, art. , IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica.

Restando evidenciado a omissão do Estado e identificado o remédio Constitucional destinado à correção de tal omissão, é possível analisar o fato da norma contida na Carta Magna que dispõe sobre o salário mínimo ainda vigorar, pelo interesse do legislador a garantir ao trabalhador uma série de direitos sociais. O salário mínimo está elencado na Constituição no artigo referente aos direitos dos trabalhadores, que por sua vez está incluído no âmbito dos Direitos Sociais. Assim, como vimos anteriormente a norma em estudo possui eficácia jurídica por estar apta a produzir os seus efeitos, contudo, a falta de efetividade na produção de tais efeitos resulta da sua falta de eficácia social decorrente da ausência de atos infraconstitucionais destinados a concretizar o que ela determina. Nesse sentido segue o voto do STF:

Vê-se, portanto, que o legislador constituinte brasileiro delineou um nítido programa social destinado a ser desenvolvido pelo Estado, mediante atividade legislativa vinculada. Ao dever de legislar imposto ao Poder Público – e de legislar com estrita observância dos parâmetros constitucionais de índole jurídico-social e de caráter econômico-financeiro ( CF, art. , IV)–, corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure, efetivamente, as necessidades vitais básicas individuais e familiares e que lhe garanta a revisão periódica do valor salarial mínimo, em ordem a preservar, em caráter permanente, o poder aquisitivo desse piso remuneratório.

Em análise ao tema, a Suprema Corte traz à luz posicionamento doutrinário adverso no que tange à classificação da norma em limitada de princípio programático, que a título de reflexão, apresenta dentre as suas justificativas para não definir a norma como programática, o fato de especificar, mesmo que de modo implícito, a conduta a ser realizada, excluindo, portanto, a tese de que para que o salário mínimo cumpra o determinado na Constituição, seja necessária a instituição de um programa por parte do Estado:

Esta não é, definitivamente, uma norma programática. Não apenas porque o caput do dispositivo refere-se expressamente a um direito assegurado, como também porque o preceito descreve a utilidade a ser fruída – salário capaz de satisfazer as necessidades vitais básicas de um trabalhador e sua família – e especifica, embora de modo implícito, a conduta devida: pagar salário que atenda aos requisitos enunciados (BARROSO, 1993, p. 151-152).

Se o órgão máximo do Poder Judiciário reconhecer a inconstitucionalidade das medidas destinadas a fixar o valor do salário mínimo em índices insuficientes para garantia das necessidades vitais básicas, a consequência será somente a comunicação ao Poder competente para que se adote as providências necessárias, em se tratando de órgão administrativo, em um prazo de trinta dias, conforme dispõe o artigo 103 § 2º da Constituição Federal.

Assim sendo, o Supremo Tribunal Federal fundamenta sua decisão no sentido de que apenas poderá comunicar, e não intervir ou substituir o órgão ou entidade inadimplente que expede normas que pecam no sentido de estarem em conformidade com a Carta Magna. Ainda argumenta que se concluir que a lei que fixa os valores do mínimo não corresponde ao que estabelece o constituinte, agravaria o estado de inconstitucionalidade, por não haver lei aplicável à espécie. O órgão, além de orientações doutrinárias, cita ainda jurisprudência que se firma no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão

eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final desta Corte, que, julgando procedente a ação direta, venha a reconhecer o estado de inércia do Poder Público. Em tal hipótese, caberá ao Supremo Tribunal Federal cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização da imposição constitucional. (RTJ 133/569, rel. Min. Marco Aurélio; ADIn 267-DF, rel. Min. Celso de Mello).

Mediante a tais argumentos, o Supremo Tribunal Federal decide por conhecer da ação de inconstitucionalidade por omissão, por se revelar perfeitamente viável em face da própria natureza da postulação nela deduzida, mas indeferir, por incabível, o pedido de suspensão cautelar de eficácia das normas impugnadas.

5 REMUNERAÇÃO E DIREITOS SOCIAIS

A questão do salário mínimo em atendimento as necessidades vitais básicas do trabalhador e sua família, ao teor do que já fora exposto, parece estar distante de uma solução, uma vez que não tem havido êxito em atacar a norma constitucional que dispõe sobre ele. Contudo, se faz imperioso tecer algumas considerações, que podem se revelar interessantes no sentido de fazer com que o trabalhador alcance os direitos que são tidos como garantias a serem supridas pelo poder aquisitivo do salário.

Tais considerações consistem em fazer uma breve abordagem em relação à diferença entre salário e remuneração, que engloba não só o salário, mas outras contribuições que são recebidas habitualmente pelo empregado, sendo, portanto o salário uma espécie do gênero remuneração, sendo conceituado nas palavras de Martins (2008, p. 205):

Remuneração é o conjunto de prestações recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidades, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades básicas e de sua família.

Considerando que a remuneração constitui um conjunto de prestações, que além de incluir o salário mínimo, podem ser pagas por terceiros, veremos que é possível que o empregador, por meio de convênios, ofereça ao empregado uma série de benefícios como auxílio-transporte, alimentação e plano de saúde, sendo a remuneração, portanto, uma forma de elevar o poder aquisitivo da prestação recebida pelo trabalhador, com o objetivo de atender às suas necessidades vitais básicas individuais e familiares.

Não atingindo o salário mínimo sua finalidade prevista na Constituição de maneira satisfatória, e considerando que dentre as necessidades vitais básicas a serem atendidas pelo seu poder aquisitivo estão a alimentação, educação, saúde, lazer e previdência social, veremos que tais direitos não são apenas referentes aos trabalhadores, mas são mencionados na Carta Magna como direitos sociais. Por esta razão, os direitos até então vistos como garantias a serem atendidas pelo salário mínimo são referentes não só aos trabalhadores, mas a toda sociedade.

Em face de tal assertiva é possível conceber que os direitos de que trata o artigo da CF, também sendo classificados como direitos sociais, não devem figurar como necessidades a serem supridas exclusivamente pelo salário mínimo, tendo em vista que estes também devem ser proporcionados pelo Estado, por meio da implementação de serviços públicos que atendam à sociedade de maneira satisfatória e consonância com os fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana. Elucida o conceito de direitos sociais Silva (2005, p. 286) ao dizer que “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”.

Se o Estado promover as ações necessárias para oferecer à sociedade serviços públicos que coadunam com os princípios que regem a Constituição, terá o salário mínimo uma função destinada a proporcionar ao trabalhador e sua família uma melhor qualidade de vida, ao invés de com ele ter que comprar produtos e serviços que são essenciais a qualquer indivíduo, ao passo que devem ser vistos como direitos e não objeto de compra do mínimo.

CONCLUSÃO

A transformação que o salário mínimo sofreu desde a sua instituição até os dias atuais, tem resultado em uma descaracterização de seu aspecto meramente econômico, oriundo de um contrato de trabalho, para se revelar em seus aspectos sociais, um instituto destinado a garantir à família brasileira direitos que são a base de uma Constituição que tem como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Contudo, ao se verificar a falta de eficácia social da norma em estudo, é possível concluir que garantir a efetividade das normas que ensejam a instituição de programas a serem implementados pelo Estado demandam um interesse político destinado a concretizar o enunciado constitucional, pois com o advento da Carta Magna vigente, houve uma expressiva ampliação do rol de necessidades a serem supridas pelo salário mínimo, devendo o Estado fixar a lei que determina seu valor em quantum suficiente para que tais necessidades sejam supridas em sua totalidade.

Ao ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a medida que fixava os valores do mínimo em índices insatisfatórios deu oportunidade para uma importante discussão sobre o interesse público na edição da norma pelo órgão competente, sendo revelado nos autos da referida ação um problema de cunho social proveniente de uma inércia política, pelo fato da Suprema Corte ter apenas a obrigação de notificar o órgão, e não obrigá-lo a produzir a norma com a finalidade de suprir a omissão, pois esta, depende de iniciativa política, a quem cabe, decidir também acerca de seu conteúdo.

Apesar do salário mínimo se revelar insuficiente para atender às necessidades vitais básicas, deve-se considerar o que o trabalhador pode auferir em se tratando de remuneração, pois esta, como já exposto, engloba não somente o salário mínimo, mas uma série de benefícios que podem ser pagos não só pelo empregador, mas por terceiros. Assim, faz-se imperioso estabelecer uma relação entre os direitos sociais e dos trabalhadores, haja vista que estes não devem se contrapor, porém, constata-se que ao Estado também é incumbido garantir a todo cidadão os direitos de que trata o artigo da Constituição.

Por fim, o Estado não deve agir com displicência no que se refere às diretrizes normativas que estabelece, mormente em relação às normas que garantam aos trabalhadores os direitos necessários para que se viva de maneira digna com suas famílias, uma vez que a classe operária assume papel crucial em nossa sociedade e não deve ser titular de direitos abstratos, que de forma utópica se apresentam enquanto texto, mas carecem de motivação política para sua concretização.

REFERÊNCIAS

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